O LUTO MÓRBIDO – MERALDO ZISMAN

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O luto é um processo natural, destinado à acomodação da perda. Em psicologia, a palavra luto não se refere exclusivamente à morte de uma pessoa querida, mas a qualquer acontecimento julgado como danoso. No entanto, estamos mais familiarizados com o significado de luto que está dicionarizado: do latim (luctus) — sentimento de pesar ou dor pela morte de alguém.

Considero o luto como um processo natural, que se inicia com a dor viva causada pela perda de um ente querido e que declina com o passar do tempo. Em suma, é o processo de aceitação da realidade definitiva da ausência.

No luto patológico, aquele que é desmedido, excessivo, doentio, a sobrecarga afetiva cristaliza-se na representação psíquica do morto amado. É como se o amor fosse congelado em torno de uma imagem desaparecida. É como se o paciente carregasse, dentro do seu Eu, um cadáver insepulto.

Diante de tal sofrimento mental, deve-se buscar ajuda psicoterápica para facilitar a superar e aprender a viver com a ausência física da pessoa querida…

Do ponto de vista da ajuda terapêutica é trabalho árduo.

Ajudar o portador de luto patológico é fazê-lo recordar-se das coisas boas que vivenciou, antes da morte da pessoa querida.

Não é fácil fazer com que o portador do luto mórbido pense ou aceite a ausência. Como dizia Santo Agostinho de Hipona, (354- 430 D.C.):

—“… Dê-me o nome que você sempre me deu/ fale comigo como você sempre fez/ continuemos a rir junto/sorria; pense em mim. Você queficou— siga em frente. A vida continua bela, como sempre foi e será”.

Ou então como reza o kadish (prece judaica especial dita regularmente nas rezas cotidianas e em enterros em memória dos falecidos, onde se dá ênfase à glorificação e santificação da força da vida), um texto longo, onde inexiste a palavra morte – ou qualquer menção a ela. É uma louvação à vida.

A psicoterapia tem como função entrar em contato profundo com as perdas (os lutos) doentios. Tentar fazer com que surjam sentimentos ambivalentes [amor-ódio] no paciente. Fazer com que a morte (luto) que aconteceu na realidade externa venha a acontecer na realidade psíquica, e assim, devolver à pessoa doente o direito à vida. Não é tarefa fácil, embora necessária.

Reconheço que o luto é um processo ou uma reação saudável diante da retirada brusca de um investimento afetivo da representação psíquica, mas tudo tem um limite. O profissional tem como dever amainar o sofrimento da pessoa. Quando possível. Vale tentar.


MERALDO ZISMAN – Natural do Recife/Pernambuco, é médico psicoterapeuta. Saiba mais.

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