DESAPROPRIAÇÃO – O PROGRESSO URBANO NA CONTRAMÃO DOS DIREITOS‏

Com mais de 70 mil desapropriações em andamento, proprietários e comerciantes se veem desamparados por uma lei de 1941

Quando o assunto é desapropriação, sempre pensamos no dono do imóvel desapropriado que, exigindo seus direitos, aciona um escritório especializado e luta por receber o valor que julga correto pela retirada do seu patrimônio.

Mas e se estivermos falando de um imóvel que esta locado para um comércio?

Imaginemos o seguinte cenário: O comerciante tem suas instalações, no mesmo ponto, há mais de 10 anos. Presta serviços de grande relevância a comunidade local, tanto na área esportiva como na área de recuperação física. Uma academia de porte que atende a indivíduos de 05 a 80 anos de idade, com acompanhamento especial para os idosos. Possui mais de 1.300,00 alunos, empregando 62 pessoas na prestação de serviços, valendo dizer que os respectivos familiares dependem desta renda mensal para auxiliá-los a subsistir.

Em determinado momento, o proprietário, que é o locador, comunica ao locatário que o imóvel deverá ser desocupado, pois está sendo desapropriado.

Nesta hora, inúmeros questionamentos surgem: Mas e o meu contrato de locação que reza que eu ainda tenho “x” tempo antes do término ou direito a renovação do contrato?

Eis aí a primeira, aos olhos da população, injustiça: quando ocorre uma desapropriação e existe “Fundo de Comercio”, que é o caso citado acima, o contrato de locação se “resolve”, ou seja, ele deixa de ter efeito, perdendo o seu valor.

Já aos olhos da lei e com base no Decreto 3.365/41 que dispõe sobre a desapropriação por utilidade pública sequer existe disposição sobre o Fundo de Comércio, que se traduz em construção da jurisprudência, isto é, de decisões dos Tribunais que reconhecem o direito a este tipo de indenização. O próprio proprietário do imóvel só pode discutir o preço na desapropriação, não há como “recusá-la”, o Poder Público poderá ingressar no bem assim que depositar a oferta ou a quantia estipulada pelo juiz através de um perito independente da concordância ou não do expropriado e do locatário.

Dando continuidade ao relato do desespero de um comerciante que vê o imóvel que alugou sendo desapropriado, vale ressaltar que, em alguns casos, esse locatário só fica sabendo que o imóvel foi desapropriado quando nada mais pode ser feito, já houve todo um investimento no negócio que precisa de tempo para retornar.

Em todo caso, o comerciante também tem direito a ser ressarcido assim como o proprietário do imóvel desapropriado o é. Mas que fique claro, se a lei já não beneficia o proprietário, muito menos o locatário.

Para que o locatário tenha direito inconteste a entrar com um processo para receber o Fundo de Comercio, a primeira providência a ser tomada é: Estar com o contrato de locação vigente e por escrito, ou seja, se o prazo já terminou e não foi feita nova renovação por escrito o seu direito ao Fundo de Comércio com certeza será contestado e poderá ser perdido.

Complementando a lista de providências do locatário que sai em busca do direito a receber o Fundo de Comercio, ele precisa se manter em dia com os aluguéis e estar com a contabilidade em ordem.

image001

image003

São famosos os casos de Fundo de Comércio em São Paulo, um deles, é o do Hotel Ibéria que resistiu anos e ficou isolado, na região da Cracolândia, enquanto buscava tratamento igual ao do proprietário do imóvel na justiça.

Na época, o locatário possuía dois imóveis alugados e mais dois de sua propriedade, todos localizados na mesma quadra próximos à estação da Luz. Esta desapropriação aconteceu a pedido da Prefeitura de São Paulo e, para um dos casos de Fundo de Comercio, o locatário conseguiu receber antes de sair do imóvel.

Outro caso de relevância é do Café Raiz, não só um café “gourmet” por assim dizer mas um restaurante com ambiente requintado e pratos sofisticados, no bairro nobre de Perdizes, próximo a PUC/SP, com clientela abonada e fiel. A família de Beatriz Cintra, proprietária do negócio, é antiga na região e anteriormente seus familiares exploraram o ramo de padaria no bem. Em 2009, após ter investido mais de 3 milhões de reais nas novas instalações e equipamentos iniciou o novo negócio que está sendo agora desapropriado pelo Metro (obras da linha 6). Beatriz entrou com o processo pelo Fundo de Comércio e conseguiu adiar a imissão na posse até que avaliadas estas instalações e equipamentos mas vive uma situação de absoluta incerteza e insegurança eis que já se iniciaram as obras do entorno e assim não há como prever até quando resistirá no local.

Fabio

Mas fica a pergunta, como agir nos casos de desapropriação em que existe Fundo de Comércio explorado pelo locatário? O Dr. Fabio Lousada Gouvêa, do escritório Gouvêa Advogados, ressalta que o principal é contar com assessoria jurídica especializada e agir rapidamente já que o assunto requer uma consultoria direcionada e o locatário precisa entrar com uma ação a parte contra o Poder Público.

O valor que é atribuído ao imóvel pelo perito na desapropriação não ocorre da mesma forma quando o assunto é Fundo de Comercio, no caso de desapropriação é nomeado engenheiro ou até mesmo arquiteto, no caso de Fundo de Comércio quem atua é um perito contábil. Aliás, a forma de calcular o valor a ser indenizado em se tratando de desapropriação de imóvel e Fundo de Comércio, é o que gera mais divergência entre órgãos expropriantes e expropriado, pois existem varias metodologias de cálculo, todavia, o importante é que se chegue ao valor de mercado tanto do imóvel quanto do negócio ali instalado.

Um caso recente é o do Rodoanel Norte. Mais de 4.000 imóveis serão desapropriados, incluindo 2.000 famílias que moram em áreas ocupadas nas últimas décadas na periferia da zona norte, como o Jardim Peri, Jardim Paraná, Jardim Corisoc e Parada de Taipas. Entre estes imóveis vários são comerciais.

Mais uma vez, o Dr. Fabio adverte da necessidade de se procurar assistência jurídica especializada, pois a desapropriação tem procedimento próprio que se diferencia do processo comum, a pessoa pode ter que sair do imóvel antes de ser citada, eis que já depositada ou complementada a oferta, ou seja, o processo “anda” independente da citação e intervenção do expropriado e do locatário. O ideal é que assim que souber da desapropriação o interessado já busque orientação especifica a fim de não ser surpreendido futuramente.

20
20