MAIMÔNIDES: RABINO E MÉDICO – POR MERALDO ZISMAN

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Maimônides (1138 – 1204),ou simplesmente Rambam, como é conhecido no Ocidente, ou, em hebraico, Moshe ben Maimon, é o mais importante filósofo, escritor, pensador e médico judeu de sua época. Em árabe, o seu nome é Abu Imram Musa ben Maimun Ibn Abdalá. Nasceu em Aljama (um bairro judeu) de Córdoba, Andaluzia, Espanha. A cidade de Córdoba foi um admirável centro cultural na Espanha medieval: contava com um milhão de habitantes, sessenta mil edifícios, oitenta colégios e três universidades. Calcula-se que, a biblioteca desta cidade, possuía um acervo bibliográfico de mais de setecentos mil volumes manuscritos. Governada pelos muçulmanos, os judeus e os cristãos não eram discriminados, participando, ativamente, do esplendor sociocultural da urbe. Foi conquistada em 1148, pelos Almohads, que pregavam, à força, a restauração da fé muçulmana. Assim, tantos os judeus como os cristãos que não se converteram, viram-se expulsos de seus lares. O jovem Maimon, então com treze anos de idade, acompanhou seu pai, que não aceitara a conversão.

A família dos Maimônides peregrinou durante doze anos, pela Espanha, até se estabelecer em Fez, no Marrocos, onde o jovem estudou Medicina. Lá, escreveu alguns de seus trabalhos. Em seguida, erraram até Fostat (antiga Cairo), no Egito. Seu irmão, Davi, era comerciante e, como tal, mantinha Maimon, economicamente, para que o jovem se dedicasse aos estudos em tempo integral. Faleceu num naufrágio em uma das suas incursões assuntos comerciais. Maimônides era filho do rabino Maimón Hadayán, matemático, astrônomo, e talmudista famoso, nos círculos intelectuais de Córdoba e Toledo. Davi era comerciante de joias e, sua irmã, Shulamita, calígrafa, a quem encarregaram de copiar os livros do sábio. Da genitora, pouco se sabe, senão que era filha de um açougueiro, morrendo de parto ao dar à luz ao seu iluminado filho. Diz a lenda que o velho rabino Maimón desposou a filha do açougueiro, apenas, devido a um sonho no qual lhe aparecia o profeta Elias, que o ordenara desposar a donzela de origem plebeia, pois, daquela união, nasceria uma criança do sexo masculino, que “iluminaria os olhos de todo Israel”. Lenda à parte, devido aos cuidados paternos, Maimônides dominou a matemática, a astronomia, a filosofia e a física, muito cedo. Após o naufrágio que matou seu irmão, no barco que os conduzia ao Cairo, passou a exercer a Medicina como forma de sustentar a família, desde que fora proibido, pela religião mosaica, de obter ganho pecuniário com o saber teológico.

Tornou-se médico e conselheiro do grão-vizir al-Fadir. Foi médico da corte de Saladino (1137-1193), sultão do Egito e da Síria. Procurou conciliar o princípio religioso com o conhecimento, fundado na razão. Maimônides escreveu dez trabalhos de Medicina, em árabe, e vários trabalhos religiosos, onde se reflete sua visão filosófica sobre o judaísmo. Ele morreu em 1204, em Fostat (Cairo) e, foi enterrado, em Tiberias, Israel.

Do ponto de vista religioso, pode-se destacar, dentre sua vasta obra literária, o célebre Dalalat al-hairin (Guia dos Perplexos, escrito em árabe), Guia em que trabalhou durante quinze anos, a partir de 1176. O Dalalat al-hairin propõe a necessidade de harmonizar a religião, a filosofia e a ciência, o que despertou divergências entre os judeus ortodoxos. Traduzido, primeiramente, para o hebraico, com o título More Nevukhim e, em seguida, vertido para o latim, o trabalho inspirou a escolástica cristã medieval, em particular, Santo Tomás de Aquino (de quem teve grande influência intelectual), chegando aos filósofos racionalistas do século XVII: Spinoza e Leibniz.

Maimônides classificou a Medicina em três seções: a Medicina Preventiva, a Medicina Curativa e, uma terceira, que atendia aos convalescentes, inválidos e anciãos: a Medicina Caridosa. Apesar de ser um médico atarefado e um filósofo profícuo, ele muito redigiu. Extratos de Galeno, uma seleção do que considerava mais relevante, dentre os ensinamentos de Galeno; Comentário sobre os aforismos de Hipócrates, crítica e observações ao escrito legado pelo pai da Medicina; Aforismos Médicos de Moisés, descrição, diagnóstico e tratamento de várias doenças; Tratado sobre as hemorroidas; Tratado sobre as relações sexuais, escrito para um sobrinho de Saladino, no qual são descritos alimentos e drogas afrodisíacas e antiafrodisíacas, bem como aconselhamentos, baseados na fisiologia sexual, conhecido igualmente como Livro da Santidade, porque aconselha moderação na atividade sexual. Maimônides escreveu sobre as leis concernentes às relações ilícitas, as relações entre o judeu e o pagão, os bastardos, a descendência sacerdotal (provada e não provada), os aspectos gerais, relativos ao matrimônio e à castidade, as carnes e outros alimentos (proibidos e permitidos ao consumo humano), abordou múltiplos aspectos da lei na regulação da vida íntima e social dos casais; o Tratado dos venenos e seus antídotos; e o Regime da saúde, em que prescreve modelos para a higiene do corpo e a higiene ambiental.

Segundo o autor, o homem deveria manter a saúde física e o vigor, para que seu espírito se mantivesse lúcido, em condições de conhecer Deus, pois, é impossível compreender as ciências e meditar sobre elas, quando se está enfermo ou faminto.

A primeira descrição sobre a asma, como uma entidade nosológica, tem sido, frequentemente, atribuída a Maimônides. Na corte do Saladino, foi chamado para tratar do Príncipe Al Afdal Nur Din, que desenvolveu uma asma brônquica tardia, aos quarenta anos de idade. Dentre as recomendações, prescreveu moderação na alimentação, na ingestão de bebidas e na atividade sexual; sugeriu que evitasse os ambientes poluídos da cidade e, como remédio específico para a doença, prescreveu a canja de galinha. Em seguida, escreveu Tratado de Asma, no qual relatava que a asma podia ser desencadeada por um resfriado comum, mais frequente durante a estação das chuvas; e que, a poluição do ar das cidades, a exemplo do Cairo, fazia com, que seus habitantes, ficassem mais propensos a desenvolver a doença. Ele afirmava que o ar da cidade era estagnado, turvo e denso, resultado natural de seus grandes edifícios, ruas estreitas e lixo. Os ventos levavam o ar para dentro das casas e, muitos ficavam doentes, sem se aperceberem disso. A manutenção do ar limpo era a primeira regra, para se preservar a saúde do corpo e da alma.

Maimônides teve a visão dos preceitos éticos quanto à clonagem de células humanas, suas implicações bioéticas, e a importância das células jovens como terapêutica para as doenças. Parece-me bastante atual o seu texto Prece do Médico:

Ó Deus, enche o meu espírito de amor pela arte e por todas as criaturas. Não consintas que sede de riqueza ou o desejo de glória influam no exercício da minha profissão; faz com que eu consiga ter sempre presentes a ciência e a experiência. Grandes e sublimes são as investigações científicas quando seu objetivo é conservar a saúde e a vida de todas as criaturas; faz com que eu seja moderado em tudo, mas insaciável em meu amor pela ciência.


MERALDO ZISMAN – Médico, é natural de Recife – Pernambuco. Saiba mais.

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