FUGINDO DO EGOÍSMO – RAV EFRAIM BIRBOJM

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Podemos deixar nossa natureza controlar nossas características e aceitar sermos pessoas egoístas, ou podemos controlar nossa natureza e nos tornarmos pessoas benevolentes e proativas, que conseguem pensar não apenas em si mesmas, mas também nos outros, e ajudar a construir, com pequenos atos, um mundo melhor.


“Em Jerusalém, os prédios não têm faxineiros nem serviço de limpeza. Cada morador precisa retirar seu próprio lixo e jogar em uma enorme lixeira pública, que fica na rua e é periodicamente esvaziada pela prefeitura.

Certa vez, na véspera de Shabat, Jaques (nome fictício) saiu para jogar seu lixo e viu um vizinho agindo de maneira muito estranha. Ele estava debruçado sobre a grande lixeira e parecia estar procurando algo. De repente, ele tirou de lá uma caixa de papelão, desmontou-a para que ficasse achatada e jogou-a novamente para dentro da lixeira. Ele se inclinou novamente, encontrou outra caixa, desmontou-a e atirou de volta. Assim fez diversas vezes, para o assombro de Jaques, que assistia aquela cena sem entender nada. Ele conhecia pessoas que tinham hobbies estranhos, mas nunca tinha visto nada parecido com aquilo. Sem aguentar de curiosidade, ele perguntou:

– Perdão, mas o que você está fazendo?

O homem, surpreso com a pergunta, explicou:

– Você deve ter escutado sobre a greve municipal que começará no Motsei Shabat. Portanto, certamente o lixo que costuma se acumular no Shabat não será recolhido. Eu estou achatando todas as caixas de papelão que encontro na lixeira para ter certeza de que haverá espaço suficiente para que todos possam jogar o seu lixo fora” (História real).

Felizmente há no mundo pessoas que pensam no próximo e dedicam seu tempo para facilitar a vida dos outros. São pessoas simples que, com pequenos atos, contribuem para construir um mundo melhor.


A Parashá lida nesta semana é a Parashá Kedoshim, que começa com as seguintes palavras: “Sejam santos, pois Eu, Hashem, teu D’us, sou Santo” (Vayikrá 19:2). Esta introdução é como se a Torá estivesse nos preparando para receber a “fórmula mágica” que nos levará ao nível de santidade. Mas, ao invés de nos “prescrever” jejuns e mergulhos na Mikve, a Torá enumera diversas Mitzvót “Bein Adam LeHaveiró” (entre o homem e seu semelhante), tais como ajudar os necessitados e ser honesto nos negócios. Isto nos ensina que para chegarmos à santidade não é suficiente apenas focarmos no nosso relacionamento com D’us, também é essencial trabalharmos no nosso relacionamento com o próximo. E um dos ensinamentos mais importantes que é trazido nesta Parashá em relação ao cuidado com os outros é a famosa Mitzvá de “Ame ao teu próximo como a ti mesmo” (Vayikrá 19:18).

A forma como a Mitzvá de amar ao próximo é ensinada na Torá desperta um grande questionamento: se D’us quer que amemos uns aos outros de forma irrestrita, por que a Mitzvá diz “ame ao teu próximo como a ti mesmo” e não diz “ame ao teu próximo com todas as suas forças”? Por que é importante para a Torá ressaltar que o amor que devemos sentir pelos outros deve ser como o nosso amor próprio?

O Rav Eliyahu Dessler (Latvia, 1892 – Israel, 1953) define que egoísmo é o sentimento interno, presente em todas as pessoas, que faz com que ela pense, de forma subconsciente e natural, que tem prioridade em relação aos outros. O ego do ser humano deseja constantemente saciar todas as suas vontades e preencher todas as suas faltas. Porém, quando a pessoa corre atrás dos seus desejos e os alcança, seu egoísmo se fortalece ainda mais. A pessoa que entra neste ciclo passa a buscar com todas as suas forças as honrarias, e chega ao ponto de querer louvores através da vergonha do próximo. Por isso, ela não hesita em pisar e humilhar os outros, contanto que saia honrada e prestigiada.

O Rav Dessler vai além e afirma que existem duas forças predominantes no mundo: a “Coach HaNetiná” (Força de Doar) e a “Coach HaNetilá” (Força de Pegar). Todas as boas qualidades de uma pessoa, como o altruísmo e a misericórdia, são derivações da “Força de Doar”, enquanto todas as más qualidades de uma pessoa, como o egoísmo e a desonestidade, são derivações da “Força de Pegar”. A pessoa que não controla seu egoísmo acaba desenvolvendo também todas as outras más características incluídas na “Força de Pegar”. Mais do que isso, o egoísta acaba encobrindo e ofuscando também todo o seu reconhecimento pelas bondades recebidas de D’us, e ao invés de se anular perante Ele, vive como se estivesse em um domínio particular e independente, chegando muito perto de cometer a “egolatria”, isto é, a idolatria de si mesmo.

O egoísmo é algo muito nocivo para o ser humano, e pode desencadear todas as forças “escuras” que existem dentro dele. O egoísta pode chegar ao ponto de afastar de seu coração todo o amor que sente, até mesmo pelos seus parentes e pelas pessoas mais queridas. Mesmo que o coração do egoísta esteja cheio de amor, é apenas algo externo, superficial, pois dentro do coração dele o que existe é amor próprio.

Podemos achar que isto é um grande exagero, mas a Torá nos traz um exemplo de até onde pode chegar o egoísmo. Depois de a cobra ter conseguido persuadir Chavá (Eva) a comer do fruto proibido, a Torá descreve que imediatamente Chavá foi levar do fruto para que Adam (Adão) também comesse. Rashi (França, 1040 – 1105) explica que o ato de Chavá não foi um ato de Chessed (bondade), ela não queria que Adam também tivesse proveito do sabor daquele fruto. Quando ela se deu conta e percebeu que havia transgredido a ordem de D’us, que explicitamente havia avisado que quem comesse daquele fruto morreria, ela imediatamente quis dar do fruto a Adam, pois pensou que se ela morresse, ele se casaria com outra mulher. Isto quer dizer que, apesar do amor que Chavá sentia por Adam, por dentro do seu coração ainda havia muito egoísmo.

Mas então surge um grande questionamento: se o egoísmo é algo tão prejudicial, se é algo tão forte, por que D’us naturalizou este sentimento no coração do ser humano? Se tudo o que D’us faz é para nos dar a possibilidade de nos aprimorarmos um pouco mais a cada dia e atingirmos a perfeição, por que Ele nos deu esta força com um potencial tão destrutivo?

A resposta é que esta força poderosa foi colocada dentro de nós pois somente através dela conseguiremos o impulso necessário para atingir os máximos níveis no nosso serviço espiritual, como está escrito nos Provérbios de Shlomo Hamelech (Rei Salomão): “Se você buscá-lo como [se fosse] prata, e procurá-lo como [se fossem] tesouros, então você entenderá o temor a D’us” (Mishlei 2:4,5). Shlomo Hamelech quis nos ensinar que a única maneira de atingir os níveis espirituais mais elevados é justamente utilizando as forças mais baixas, as forças dos desejos materiais egoístas.

Mas por outro lado devemos ter o cuidado para que estas forças negativas não sejam utilizadas da maneira equivocada e o “tiro não saia pela culatra”, afastando a pessoa de D’us e de sua espiritualidade. Para acostumar o ser humano a utilizar seu egoísmo somente da maneira correta, para o seu crescimento espiritual e para o bem do próximo, a Torá nos deu uma importante Mitzvá: “Ame ao teu próximo como a ti mesmo”. Por que o “como a ti mesmo”? Para que o ser humano se acostume a aprender com o seu próprio egoísmo a forma de ajudar o próximo, e dos seus próprios sentimentos a não magoar nem ferir os sentimentos do seu companheiro, como afirma o Talmud (Shabat 31a), em nome do sábio Hilel: “O que você não gosta, não faça aos outros”. Mais do que isso, devemos desejar chegar ao nível de querer ao próximo o que queremos para nós mesmos.

Transformar esta força tão destrutiva em algo positivo é um trabalho difícil. É necessária uma nova postura para que possamos mudar nossos costumes e nossa natureza. Mas o esforço vale a pena. Podemos deixar nossa natureza controlar nossas características e aceitar sermos pessoas egoístas, ou podemos controlar nossa natureza e nos tornarmos pessoas benevolentes e proativas, que conseguem pensar não apenas em si mesmas, mas também nos outros, e ajudar a construir, com pequenos atos, um mundo melhor.

SHALOM.


RAV EFRAIM BIRBOJM – Mestre em Engenharia pela Escola Politécnica da USP, começou seu processo de Teshuvá (retorno ao judaísmo) aos 25 anos, através da Instituição “Binyan Olam”. Saiba mais.

http://www.ravefraim.blogspot.co.il

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