AINDA GRAVAREMOS TEU NOME – POR PAULO ROSENBAUM

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Só hoje a liberdade pode nos envolver. Para isso, rogamos um outro tempo. Um tempo do hoje. Da máxima abertura. Da paz olvidada. Da cessação não mencionada. Hoje, atravessaremos, e, só adiante, notaremos o percurso. O percurso à liberdade.


Eu ouvi, mas admito, é possível que você não. O que ouço? Uma música nunca executada. Uma sequência de notas, sons instáveis, sem modulação. O melódico que não bloqueia, a voz que vêm pela raiz e muda o destino. Que emociona sem dó. Ninguém ainda soube explica-la. Não sendo conquistável. Não se deixando apreender. Não sendo reconhecível, teria aparência indescritível. Alguém já disse: “a força de todos os homens e a leveza de nenhum”. Dizem que não ela pode ser reduzida, deduzida ou intuída. Para ela, não há relato único, nem simples. Autocrática, obedece apenas à própria experiência. Não se submete a ninguém a não ser ao próprio sujeito. Não expira. Não hesita. Não se dobra. Nunca pode ser compartilhada. Inquieta, a joia é arisca. Notável quando perdida, desvalorizada quando presente. Quem oprime, nunca a vislumbra. Não pode ser comprada, cooptada ou negociada. Afinal, não eram ricos contra pobres, minorias contra maiorias, nem educados contra ignorantes. Não há uma história natural de sua luta: afinal é costume que oprimidos não reconheçam o opressor como tal. Trata-se do inconfessável temor da emancipação. O desconhecimento aflitivo de um futuro que não prevê comando central. Mas os tiranos tem noção desse trunfo. Contam com ele. Beatificam-no.
O que desconhecem é a força dessa aspiração, necessidade vital. O ar que ela precisa estende-se para além dos corpos. Detém a energia mítica daqueles que, em um ponto do tempo, souberam.
Só mesmo num dia como hoje, as vésperas da travessia, onde escravos vão, por escolha, deixar a escravidão. Na noite que irão se inclinar como homens livres. Só hoje a liberdade pode nos envolver. Para isso, rogamos um outro tempo. Um tempo do hoje. Da máxima abertura. Da paz olvidada. Da cessação não mencionada. Hoje, atravessaremos, e, só adiante, notaremos o percurso. O percurso à liberdade.


https://correio.usp.br/service/home/~/156dba5b6d4d51850f15ef56d1addd71.opus?auth=co&loc=pt_BR&id=335312&part=2 (mensagem sonora – copie e cole no seu browser)
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Paulo Rosenbaum – Médico e escritor, assina a coluna semanal “Coisas da Política”, no JB – Jornal do Brasil e blog no Estadão. Saiba mais.
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