AINDA O CASO DREYFUS…. POR QUE? – POR JAYME VITA ROSO

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O julgamento faccioso, falho e inepto de Dreyfus iniciou, em alguns a consciência, o sentimento de revolta cívica. Sobressaiu Emile Zola, condenado por difamação do regime, exilado em Londres.


“Ter pensamentos contrários à própria era é heroísmo. Mas falar contra ela é loucura”. – Eugène Ionesco

O texto que escrevi sobre o caso Dreyfus suscitou alguns comentários e algumas interrogações, chegando numa amiga, residente em Paris, a questionar-me sobre a narrativa, que tentou ser pontual quão exclusivamente o fato histórico.

Reacendeu-me a vontade de voltar ao tema e o faço, graças à generosidade de Glorinha Cohen, que me propicia o espaço.

E quem envereda pelo caminho da escrita comunicativa, quiçá, formativa, não pode desviar-se do ensinamento: “Pedi e me foi concedida a prudência; supliquei e me veio o espirito da sabedoria” (Sabedoria 7, 7.15).

Bem pensadas – prudência e sabedoria – deste feito, valho-me da inigualável apreciação do L’Express (nº 3364 e 3365, de 23/12/15) que dedicou um número alentado, à “Grande epopeia do povo francês”, com centenárias abrangências de fatos merecedores do enunciado como epopeias, no sentido rigoroso.

O autor Vincent Hugeux, sem rodeios, chamou o texto de “Dreyfus ou a falta de razão do Estado” (nº 3364 e 3365, de 23/12/15, p. 96/99). Atribui a um tripé de fatos que ameaçaram a República, todos eles explosivos: uma nação decadente, um exército com desse de revanche e um antissemitismo raivoso feroz.

Colocados na coqueteleira, esses três fatos demonstraram o grau de toxidade, condutores de destinos coletivos.

1. Começou com a publicação em 13 de janeiro de 1895, no Petit Journal, a ilustração que estampava a degradação pública do capitão Alfred Dreyfus que teria praticado alta traição por, como militar, ter servido aos interesses da Alemanha. Um quarto de século antes – isto estava vivo e borbulhava no sentimento do povo francês – a humilhante derrota que o pais sofrera, frente à superioridade germânica, dirigida por Bismarck, com o alto preço da entrega territorial da Alsácia-Lorraine.

2. Surge Dreyfus, que alimentou a raiva coletiva e o desejo de vingança: palco cênico armado pelo psicodrama que desespera o país e, no exército, a busca de um “salvador” e de um culpado, o militar espião, mas judeu.

3. Escolhido o lugar próprio para o cumprimento da pena, Dreyfus foi levado à Ilha do Diabo, na antiga Guiana. Isso desemboca numa troca de acusações generalizada, entre todas as vertentes e facções políticas, sociais e até religiosas. Um furor coletivo manipulado pela imprensa, que exerceu um papel desleal. Resultado: Hugeux alerta que os adeptos de Dreyfus, anos mais tarde, encamparam as ideias do Marechal Pétain, com reflexos na resistência à invasão alemã (entre 1940 e 1942).

4. O julgamento faccioso, falho e inepto de Dreyfus iniciou, em alguns a consciência, o sentimento de revolta cívica. Sobressaiu Emile Zola, condenado por difamação do regime, exilado em Londres.

5. Desceram, ainda que sem a necessária humildade, de suas torres de marfim, movimentando-se, Anatole France, Charles Péguy, Marcel Proust e Jean Jaurès.

Iniciaram-se, como clemência da vergonha nacional, catapultada pelo vergonhoso julgamento, movimentos dentro e fora do país, para resgatar a honra, dentre eles, a Liga dos Direitos Humanos (1898), a revisão da pena de Dreyfus alcançada pela cabal demonstração de sua inocência, o surgimento (fora do Hexágono) das manifestações do ideal sionista de Theodor Herz; a impulsão de Freud que confessou seu estupor e, já, em 1885, muito antes, mostrava-se espantado com o povo francês, usando a dura expressão, “povoado de epidemias psíquicas e de convulsões históricas de massa”.

Mesmo assim ocorrendo, ainda em 1994 a revista do Ministério da Defesa, concluiu um artigo nela publicado, relegando a inocência de Dreyfus ao nível de “tese geralmente admitida pelos historiadores”.

6. Para concluir: a jovem resistente (na guerra) neta de Dreyfus, – Madeleine Levy – foi entregue aos nazistas pelos colaboracionistas da polícia de Vichy e morreu em Auschwitz.


JAYME VITA ROSO – Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é especialista em leis antitruste e consultor jurídico de fama internacional, ecologista reconhecido e premiado, “Professor Honorário” da Universidade Inca Garcilaso de La Vega de Lima, Peru e autor de vários livros jurídicos. Saiba mais.

vitaroso@vitaroso.com.br

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