SONIA RUBINSKY, PIANISTA: “A MÚSICA PODE NOS TRAZER DIAS MELHORES

Paulista, vencedora do Grammy Latino, vive no exterior desde 1970 e esteve no Rio para apresentar repertório de Bach e Villa-Lobos na Fundação Eva Klabin

296_first_3_1“Pesquisando para meu último CD, entendi melhor o conceito das danças de (Johann) Bach. Elas não são feitas para se dançar, mas estão ligadas a um ritual da época: a coreografia exigida para que alguém se dirigisse ao rei”, diz a pianista Foto: Guito Moreto / Agência O Globo”Pesquisando para meu último CD, entendi melhor o conceito das danças de (Johann) Bach. Elas não são feitas para se dançar, mas estão ligadas a um ritual da época: a coreografia exigida para que alguém se dirigisse ao rei”, diz a pianista – Guito Moreto / Agência O Globo


“Sou filha de uma polonesa e um lituano e nasci em Campinas (SP). Com 13 anos, saí do Brasil para estudar piano em Israel, na Academia de Música Rubin. Em 1979, fui completar meus estudos na Juilliard School, de Nova York. Em 2002, por causa de meu ex-marido, um matemático francês, fui morar em Paris, onde vivo desde então.”

Conte algo que não sei.

Conhecer a vida de um compositor pode fazer muita diferença na hora de tocar a sua obra. Para mim, é importante entender a época em que ele viveu, o momento em que a música foi composta e quais eram os seus objetivos como artista. Tudo isso enriquece o meu imaginário, dá matizes e cores para a partitura. Só tocar as notas não basta.

Pode dar um exemplo de como o contexto histórico influi na sua performance?

Pesquisando para meu último CD, entendi melhor o conceito das danças de (Johann) Bach. Elas não são feitas para se dançar, mas estão ligadas a um ritual da época: a coreografia exigida para que alguém se dirigisse ao rei. A reverência, por exemplo, não podia ser muito alta nem muito baixa. Compreender essa relação histórica faz com que eu ajuste minha maneira de tocar as teclas, muda a maneira de fazer os apoios e as suspensões. Isso é interpretação, não está na partitura.

Para tocar Villa-Lobos, que a senhora estudou, o contexto também é importante?

Muito. Há um toque de folclore importante na obra. Em alguns momentos ele faz citações de música indígena. Em outros momento, há um elemento de improvisação muito forte, um reflexo de quando ele começou a carreira aqui no Rio de Janeiro tocando com o pessoal da noite. Villa-Lobos também faz analogias musicais para a natureza brasileira, essa profusão de rios e florestas, muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo na mesma peça. O compositor brinca com essas influências o tempo inteiro, e eu acredito que faço um trabalho melhor se estiver ciente disso tudo.

Além de pesquisar, a senhora também faz alguma preparação física para o piano?

A cada hora tocando eu deveria parar e alongar um pouco o antebraço, mas não faço isso. Há alguns meses comecei a praticar ginástica todo dia, e sinto que isso me dá energia para tocar. Pode não parecer, mas o piano exige muito do corpo inteiro, misturam-se o cansaço físico e o mental.

O público também influi na sua interpretação?

Claro. Isso é o bacana de tocar ao vivo. Se fosse sempre igual, você poderia comprar o meu disco e ficar ouvindo em casa. Em uma apresentação, o artista e o público fazem algo novo juntos. Essa é uma troca que nos modifica, que nos transforma. E é sempre um prazer tocar no Brasil.

Vivendo no exterior desde os 13 anos, pensa em voltar?

Teve épocas em que pensei em voltar. Mas morei em vários países, e, na verdade, eu me acostumei com essa vida meio cigana, um pouco aqui, um pouco ali. Essa identidade imigrante é muito forte na minha família. Vou vivendo de concerto em concerto, pensando no próximo projeto, na próxima gravação. Eu me acostumei a ser assim e assim sou.

Como você, lá de Paris, encara a situação do Brasil?

Lamentável. Na cultura, principalmente, me dá muita pena. Tem tanta coisa terminando, tanta coisa parando. Quem consegue viver de cultura hoje no Brasil é herói. Mas, de certa maneira, há um mal-estar mundial: na França só se fala de crise, nos Estados Unidos, então…

E como sair dessa crise?

Acredito que a música tem um poder unificador, pode nos trazer dias melhores.


Fonte: Jornal o Globo

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