NA SÍRIA, PUTIN PRECISA SE EQUILIBRAR PARA ATENDER DEMANDAS DE IRÃ E ISRAEL – POR JAIME SPITZCOSKY

302_ESPECIAL_5_1Caso Putin não consiga desenhar na Síria arquitetura palatável a Irã e a Israel, crescem as chances, no futuro próximo, de um conflito armado no Oriente Médio.


Numa das paredes do hall principal do Museu Judaico e Centro da Tolerância, inaugurado em Moscou há cinco anos, aparecem nomes de seus principais doadores. “Vladimir Vladimirovitch Putin”, anuncia uma das placas.

Além do aporte de recursos próprios, a digital de Putin também se identifica por meio de apoio financeiro inicial do Kremlin à instituição, atualmente sustentada por doações particulares.

Putin cultiva laços com a comunidade judaica da Rússia de maneira incomum para um ocupante do Kremlin. A história russa, no czarismo ou na era soviética, coleciona momentos trágicos de antissemitismo, fantasma ainda a rondar o país, com grupos ultranacionalistas, mesmo que diminutos, orbitando às margens da sociedade.

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O presidente russo costuma lembrar a convivência, na infância, com o judaísmo. Vivia em Leningrado (atual São Petersburgo) e, quando seus pais se ausentavam devido ao trabalho, o pequeno Vladimir encontrava companhia numa família vizinha, de judeus, que o colocavam à mesa para refeições e para concluir tarefas escolares.

Outros integrantes da comunidade judaica russa, estimada hoje em 265 mil pessoas, marcaram a vida do futuro dirigente.

Adolescente, Putin frequentou, na escola de ensino médio 281, aulas de alemão da professora Mina Yudistkaya Berliner, que se mudou para Israel em 1973.

Na visita oficial a solo israelense, em 2005, Putin se reuniu com a antiga docente. Fez questão de convidá-la para um chá, no hotel David Citadel, em Jerusalém.

Putin também construiu relação de proximidade com o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Visitas e contatos telefônicos são frequentes, assim como demonstrações de apreço ente eles.

No ano passado, por exemplo, o presidente russo passou cerca de oito horas em Moscou com o visitante israelense, incluindo uma escapada noturna para uma visita ao Teatro Bolshoi.

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A convivência com o judaísmo e rapapés diplomáticos, no entanto, não escondem diversos atritos nas relações entre Rússia e Israel. De qualquer forma, contribuem para fortalecer o diálogo.

Na agenda bilateral, o ponto nevrálgico da discórdia se chama Irã. Putin, na semana passada, desembarcou em Teerã, para encontro com a liderança de um dos principais aliados de Moscou nas esferas diplomática, comercial e militar.

Putin e a teocracia iraniana ainda aprofundaram laços, sobretudo no campo bélico, para salvar o regime do ditador Bashar al-Assad.

Já Netanyahu teme que governo iraniano consolide posições militares em solo sírio, abrindo mais uma frente para eventuais ataques contra Israel.

Força principal no tabuleiro da Síria, Putin enfrenta a desafiadora tarefa de se equilibrar entre demandas dos arqui-inimigos Irã e Israel.

Caberá a Moscou encontrar uma solução capaz de satisfazer as ambições iranianas de expandir influência em território sírio e responder às preocupações israelenses de lidar, na vizinhança, com um regime cujo discurso proclama o fim do Estado judeu.

Caso Putin não consiga desenhar na Síria arquitetura palatável a Irã e a Israel, crescem as chances, no futuro próximo, de um conflito armado no Oriente Médio.


jaime spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e em Pequim. Na coluna, fala sobre relações internacionais, com atenção especial ao Oriente Médio. Escreve às segundas, a cada duas semanas.

Fonte: Folha de S.Paulo

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