ISRAEL: EXEMPLO PARA O BRASIL – ENTREVISTA COM RIC SCHEINKMAN

303_especial_5_1Em Israel há um ecossistema muito favorável à inovação. Há toda uma estrutura que permite que o empreendedor com uma boa ideia encontre apoio para transformá-la em um produto que seja um sucesso de mercado.


Olhando população e área, não faz sentido comparar Brasil e Israel. O território do país do Oriente Médio é de 20,7 mil quilômetros quadrados. São apenas 0,24% da área brasileira, pouco menos que o Estado de Sergipe. Sua população é de 8,5 milhões de pessoas, 4,1% dos 208 milhões de brasileiros. Porém, é no desempenho econômico que os números ficam realmente incomparáveis. Em 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) israelense foi de US$ 318,7 bilhões, quase 18% do PIB do Brasil. Em uma comparação simples, no ano passado, cada um dos israelenses produziu US$ 37,3 mil, ao passo que cada brasileiro produziu US$ 8,6 mil. Para o administrador de empresas Ric Scheinkman, diretor da Câmara Brasil-Israel de Indústria e Comércio, e principal executivo da empresa de gestão de fundos Harpia Capital, a vantagem econômica israelense é facilmente explicável. Ela decorre da maneira como o governo financia e direciona recursos para a inovação. A boa notícia é que, segundo ele, essa fórmula pode ser replicada no Brasil. Leia a entrevista na íntegra:

Produtos como o aplicativo Waze são invenções israelenses. Como Israel consegue tanto sucesso ao investir em inovação?

Em Israel há um ecossistema muito favorável à inovação. Há toda uma estrutura que permite que o empreendedor com uma boa ideia encontre apoio para transformá-la em um produto que seja um sucesso de mercado. Mas essa é apenas uma parte visível desse processo. Há muito mais.

Qual é a base da inovação israelense?

Educação. Desde o ensino básico, os alunos têm um grande acesso à matemática, às ciências, estudam robótica, programação. E é possível pensar algo semelhante aqui no Brasil.

Mesmo com todas as deficiências que existem na educação de base brasileira?

Sim. É possível superar algumas dessas deficiências usando tecnologia. Vou dar um exemplo. Em 2012, um grupo de programadores desenvolveu uma plataforma educacional para crianças chamada Matific, que é baseada em jogos, e ensina matemática de uma maneira interativa. Ela capacita os jovens, desde cedo, a racionar matematicamente e os prepara para estudar programação. Logo no início, ela recebeu US$ 40 milhões em investimentos. Graças a isso, hoje ela é uma das cinco melhores plataformas de ensino do mundo, e está em 45 países.

Isso não se restringe à educação básica, imagino.

Não. Essa ênfase na capacitação em ciências e em matemática avança pelo ensino médio e superior. Outro fator que ajuda na capacitação é o Exército.

Como assim?

O ambiente local é perigoso, pois a região é hostil ao Estado de Israel. É um país militarizado. Todos os jovens servem o Exército. Os homens servem por três anos e as mulheres servem por dois anos. E o serviço militar é algo de extrema responsabilidade. Há um perigo constante de soberania, pois é preciso enfrentar inimigos armados. Assim, qualquer inovação que reduza o risco é bem-vinda. Não por acaso, as Forças Armadas israelenses possuem um dos departamentos de inovação mais avançados do mundo. As tecnologias desenvolvidas para resolver necessidades militares são, mais tarde, adaptadas para usos civis. Foi o que aconteceu com o GPS, e também foi o caso do Waze. Ele foi desenvolvido como uma ferramenta que permitia enxergar e acompanhar remotamente o movimento dos tanques, e depois foi adaptado a usos civis. E há muitos outros setores.

Quais?

As fintechs, por exemplo. Há alguns anos, quando começou o movimento das fintechs, Israel percebeu que não estava produzindo nada relevante nesse campo. Assim, o governo começou a incentivar seu desenvolvimento, fomentando aceleradoras. Tempos depois, uma missão governamental israelense foi para Nova York. O ministro da economia para a America do Norte, Inon Elroy, apresentou pessoalmente 25 fintechs israelenses aos bancos. Hoje, elas são grandes prestadoras de serviços para o sistema financeiro americano.

No que elas atuam?

Principalmente em segurança da informação. Desde verificar se a imagem do documento que a pessoa apresentou é verdadeira até detectar fraudes. Muitos fraudadores criam sites clonados para capturar senhas dos clientes e realizar transações não-autorizadas. Há empresas que usam recursos de big data para conter essas fraudes. Elas navegam pela internet convencional, e pelo que se convencionou chamar de deep web, para ver se o cliente que está acessando os sistemas do banco, seja uma pessoa ou uma empresa, tem algo suspeito.

O que mais?

Saúde, por exemplo. Vale a pena falar um pouco sobre o instituto Weizmann. Ele é uma universidade pública que se dedica apenas às ciências. Hoje, sete dos 25 medicamentos mais vendidos no mundo tiveram origem em alguma patente desenvolvida no Weizmann. O caso mais recente é uma vacina para o câncer de próstata. Um cientista do Weizmann descobriu o produto, uma empresa incentivada israelense financiou o desenvolvimento, e os testes globais começaram pouco depois. O uso foi aprovado no México no fim do ano passado, e a Europa também está em vias de aprovar esse medicamento. Um dos maiores avanços na medicina hoje são os tratamentos personalizados, especialmente na área do câncer. Todas as instituições de ensino e pesquisa israelenses, hoje, dedicam de 20% a 30% de seus recursos a pesquisas relacionadas a doenças autoimunes.

Também há pesquisas contra pragas, né?

Sim. E esse é um exemplo de como o Brasil pode participar desses processos. Investidores americanos e australianos estão financiando o desenvolvimento de tecnologia israelense para combater o mosquito que dissemina o vírus da zika e da dengue. Sabemos que o vírus da zika já chegou a 80 países. Essa tecnologia controla o foco dos mosquitos. Assim, podemos evitar epidemias de zika em 80 países. Essa tecnologia também está sendo desenvolvida e testada aqui no Brasil.

Como é possível gerar mais exemplos como esses no Brasil?

O governo teve uma atuação muito forte no início do processo, em 1997. Ele garantiu o dinheiro para os primeiros fundos de investimento em inovação, conhecidos como venture capital, ou fundos de capital de risco. No ano passado, os investimentos israelenses em inovação, tanto públicos quanto privados, chegaram a cerca de US$ 5 bilhões. Desse total, cerca de US$ 2 bilhões foram para venture capital e US$ 3 bilhões para private equity, que são investimentos em empresas mais maduras e estabelecidas.

De onde vem o dinheiro?

De todos os lugares. No início do processo, 56% do capital era israelense. Hoje, esse percentual caiu para apenas 13%, ou seja, 87% do dinheiro é estrangeiro.

É possível atrair recursos desse tipo para o Brasil?

Sim. Em alguns sentidos, o Brasil está mais perto de Israel do que dos Estados Unidos, que é considerado o paraíso do financiamento à inovação. Em Israel, a grande maioria dos investimentos em venture capital oscila entre US$ 1 milhão e US$ 10 milhões. Esse total chega a US$ 20 milhões, no máximo. Se for possível levantar US$ 800 milhões por ano para esses investimentos de capital de risco no Brasil, em quatro ou cinco anos vamos chegar a um mercado de US$ 5 bilhões em investimentos por ano, o que é mais do que suficiente para sustentar o financiamento à inovação.

Essa é a única mudança?

Há mais algumas coisas. O Brasil precisa mudar sua forma de investir em tecnologia. Há empresas de base tecnológica muito boas por aqui, como Guia Bolso, iFood, Mercado Livre. Porém, essas empresas são processuais: elas buscam deficiências no mercado e procuram atendê-las por meio de melhoramento de processos, usando tecnologias já existentes. Não há muita coisa disruptiva, não há tecnologia nova, a inovação profunda. É preciso estimular isso, por exemplo, criando um núcleo de tecnologia em São Paulo, um hub de inovação, e anunciando ao mundo todo que ele está aberto para negócios.

O que mais?

Mais duas coisas. Uma delas é que agentes financeiros e empresários têm de ter claro que é preciso fomentar esse sistema para que haja resultados. Inovação não nasce do nada, não surge instantaneamente. É preciso dar espaço para funcionários e para jovens empreendedores testarem suas ideias. A outra é que é preciso olhar para soluções globais. O empreendedor não pode ambicionar criar um produto que sirva apenas para o mercado brasileiro. Nem todos os talentos estão no Brasil. Porém, se houver cooperação com pesquisadores em Tel Aviv e Cingapura, com investidores em Londres e Nova York, se houver a abertura de canais de comunicação, será possível fazer o conhecimento fluir.

É possível pensar em um setor inovador brasileiro que seja economicamente representativo?

Sem dúvida. As empresas tecnológicas com ambição de competir no mercado global precisam de capital, mas também precisam de crédito para crescimento. Esse crédito não pode ser garantido por imóveis, ele tem de ser garantido por patentes e pelas receitas que essas patentes vão gerar no futuro. E há o mercado de capitais, que pode sustentar a expansão global. Com isso, será possível tornar a tecnologia e a inovação economicamente relevantes no Brasil. Em Israel, as inovações respondem por até 50% da receita de exportações. No momento em que montarmos esse ecossistema de financiamento e incentivo, vamos atrair capital estrangeiro, fazer a economia crescer e gerar novos empregos de qualidade. A nova etapa de progresso do Brasil não vai vir do minério ou do agronegócio. Temos de obter receitas de novas fontes. Temos de pensar na inovação como um Plano Real 2.


Nota – Matéria publicada na revista Isto É Dinheiro

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