A QUESTÃO POLONO-JUDAICA – POR TOMASZ LYCHOWSKI

311_especial_1_1O maior exército clandestino nos países ocupados pelos nazistas era o da Polônia, com cerca de 300 mil combatentes.


A Polônia contava então com uma população de cerca de 30 milhões.

Uma estatística que faz pensar. Mas, antes de mencionar estatísticas, o alerta que um amigo me fez: elas podem ser injustas, cruéis, assustadoras. Desde o Gênesis, desde Abel e Caim – já então! – a humanidade estava partida ao meio, dilacerada. “Onde está o teu irmão?” Todavia, o meu ponto de vista é mais otimista. Ao longo dos séculos, penso eu, o ódio destruidor foi sendo limitado a uma minoria enquanto a grande maioria, às vezes moralmente límbica ou simplesmente amedrontada pode ser ainda e sempre conquistada para o bem. Feita essa ressalva, continuo.

Durante a ocupação da Polônia pelos nazistas um percentual pequeno de poloneses estava engajado em salvar os judeus e outro, também pequeno, era anti-semita. A maioria da população se mantinha à margem dos acontecimentos, preocupada em simplesmente sobreviver. Qual seria a razão disso?

Seria porque a Polônia era o único país ocupado pelos nazistas em que qualquer ajuda a um judeu era punido com a pena de morte? Seria o pavor de morrer, e também toda a sua família, ao tentar salvar um judeu? Às vezes, nem ao tentar salvar uma vida, bastava o simples gesto de ajuda. Mas não era assim também em outros países invadidos pelos alemães?

O maior exército clandestino nos países ocupados pelos nazistas era o da Polônia, com cerca de 300 mil combatentes. A Polônia contava então com uma população de cerca de 30 milhões. Ou seja, os engajados diretamente na luta contra o invasor representavam cerca de 1%. Mas, e digo isso como testemunha daqueles tempos, todos à nossa volta consideravam os alemães inimigos de sua pátria.

Aliás, o termo mais adequado seria: nazistas, pois nem todos os alemães apoiavam Hitler. A sanha (e a santidade!) é de poucos. Acho que não se deva atribuir a nenhum povo uma culpa coletiva.

Não cabe aqui elencar a lista dos países europeus que direta ou indiretamente se posicionaram a favor de Hitler. Onde as punições eram bem mais “light”. Lembro-me, por exemplo, que os nossos guardas na prisão de Pawiak eram ucranianos.

Para o bem da verdade é preciso dizer também que o governo polonês no exílio determinou a formação de uma organização clandestina na Polônia ocupada que tinha por objetivo salvar os judeus. Testemunhei com os meus próprios olhos fatos concretos de heroísmo. A Polônia, ao contrário de outros países, não era colaboracionista O exemplo emblemático disso é a figura mundialmente conhecida de Irena Sendler, que salvou muitas crianças do Gueto de Varsóvia.

Não menos emblemática é a figura de Jan Karski. Seguindo ordens da Resistência Polonesa adentrou, com risco de vida, o Gueto de Varsóvia e, atravessando toda a Europa ocupada, levou um relatório minucioso para os governos dos Aliados. Pois bem, como saberemos mais adiante de sua própria boca, não lhe deram ouvidos. O apelo desesperado dos judeus, que estavam sendo aniquilados, foi ignorado. O Juiz da Suprema Corte Americana, de origem judaica, não acreditou que o que estava ouvindo e lendo era a ignóbil verdade do holocausto.

Sim, os Aliados (?) assistiram passivamente ao Holocausto. Quando do Levante do Gueto de Varsóvia, também não houve quem lhes prestasse ajuda, a não ser a Resistência Polonesa (AK) com os seus parcos recursos.

Isso significa que os Aliados eram anti-semitas? Com certeza não o eram. Poderíamos afirmar o mesmo dos poloneses que não participaram ativamente do socorro aos judeus. Com uma diferença brutal: os Aliados tomavam – ou deixavam de tomar! – as suas decisões em gabinetes ministeriais e não corriam risco de vida.

Essa sua omissão em agir imediatamente custou milhões de vidas. Por que esse fato histórico não é divulgado? Enquanto isso, os poloneses envolvidos na Zegota (nome da organização clandestina inspirada pelo governo polonês no exílio), eles e suas famílias, arriscavam tudo.

Outra informação que não é divulgada: o projeto nazista visava exterminar não apenas os judeus, mas também os eslavos, os ciganos, os deficientes físicos e os homossexuais. Todos aqueles que não correspondiam ao ideal do Homo Germanicus. Segundo os seus planos, apenas três milhões de poloneses deveriam sobreviver para lhes servir de mão de obra escrava.

Lembro-me de que, quando preso em Pawiak, localizado no Gueto de Varsóvia, não faltavam pessoas que se afligiam e solidarizavam espiritualmente com os combatentes do Levante Judeu. Que mais podíamos fazer? Não nos deixavam sair das celas nem durante os bombardeios.

Eis as palavras finais de Jan Karski, que era cristão, em seu livro o “Estado secreto” depois do seu encontro com os líderes do chamado mundo livre: “Permitiram o extermínio dos judeus. Ninguém tentou detê-lo. Ninguém quis tentar. Quando transmiti a mensagem do Gueto de Varsóvia em Londres, depois em Washington, não acreditaram em mim. Ninguém acreditou em mim porque ninguém queria acreditar”.

Anos depois, o Estado de Israel apresentou a candidatura de Jan Karski para o Prêmio Nobel da Paz.

Devido a uma mal traçada Lei, aprovada pelo Parlamento Polonês, eclodiu faz pouco tempo uma onda de anti-polonismo entre os judeus e de anti-semitismo entre parte da população polonesa. Lamentável! Todos saem perdendo! Séculos de harmoniosa convivência do povo judeu com o povo polonês estão sendo jogados no lixo. Um amigo meu judeu acha que tudo não passa de jogada eleitoral. Então, pior ainda! Há uma onda de nacionalismos varrendo a Europa que é nada cristã.

De parte a parte, há mágoas e feridas mal cicatrizadas. A quem interessa abrir essas feridas e fazê-las sangrar de novo?

Agora percebo com mais nitidez os belos gestos do santo João Paulo II (um polonês). Ele foi o primeiro Papa na história da Igreja Católica a visitar uma sinagoga em Roma. A pedir perdão a todos por nossos desatinos como cristãos.

Certamente, fez suas as palavras do também santo João XXIII: “Procuremos sempre o que nos une e não o que nos separa”.


Tomasz Łychowski – Poeta, tradutor, professor, pintor. Nasceu na Angola ainda sob domínio português, na cidade de Nova Lisboa. Em 1938, foi com seus pais para a Polônia.

Łychowski é o autor das traduções de poesias de Julia Hartwig, Ryszard Krynicki e Ewa Lipska para a publicação da Academia Brasileira de Letras. Para a revista “Polonicus” de Curitiba traduziu poemas selecionados de Karol Wojtyła.

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