DOAR COM O CORAÇÃO – RAV EFRAIM BIRBOJM

311_história_2_1O pão mata a fome do corpo, mas a palavra carinhosa nutre o coração entristecido e traz de volta a esperança de um mundo melhor.


Foi em um dia qualquer, no meio do verão, na cidade de Angra dos Reis. Um lugar paradisíaco, que estamos acostumados a ver estampado nas páginas das revistas. O garoto pobre aproximou-se da mansão, colocou o rostinho entre as grades do portão alto e ficou olhando. Evelyn, a dona da casa, uma senhora distinta, regava o jardim. Fazia a tarefa devagar, como quem distribui as gotas com carinho. O menino, em seus nove anos, segurando as grades com as duas mãos, pediu:

– Ei, dona, tem pão velho?

Ela olhou surpresa. Fechou a mangueira e começou a se aproximar do garoto. Desde a sua infância aquele tipo de situação a incomodava. Trazia uma mensagem dentro de si de que, quando alguém pedia pão velho, na verdade estava dizendo: “Me dá o pão que era meu e ficou na sua casa e você esqueceu de comer porque tem muitas outras coisas deliciosas para saborear”. Ela caminhou até o portão e perguntou:

– Por que você não está na escola?

– Minha mãe não tem dinheiro para comprar o material – respondeu o garoto, com sinceridade.

Evelyn já estava tão próxima dele que quase o podia tocar. Ele tinha um rostinho tão delicado. Pena que estivesse tão sujo. Pensou nos próprios filhos, tão bem cuidados, penteados, roupas limpas, calçados brilhantes e lancheira cheia para ir para a escola. Do rostinho miúdo do garoto se destacavam os olhos. Espertos, inteligentes e sofridos.

– Seu pai mora com vocês? – arriscou Evelyn.

– Ele sumiu há muitos anos. Não sabemos onde ele está – respondeu o garoto, com voz triste.

A conversa prosseguiu. Evelyn até se esqueceu do jardim e das flores. Diante dela estava uma flor muito mais importante e com muito mais necessidades. Finalmente, Evelyn se recordou da fome do menino e, fazendo um gesto de quem se dirigia para dentro de casa a fim de buscar alguma coisa, exclamou:

– Espere um pouco, vou buscar o pão. Mas não tenho pão velho, serve novo?

– Não precisa não, a senhora já conversou comigo. Tchau – respondeu o garoto, e desapareceu ladeira abaixo.

Aquela resposta caiu como um raio no coração de Evelyn. Ela teve a sensação de ter absorvido toda a solidão e a falta de amor daquela criança. Um menino de nove anos já sem sonhos, sem brinquedos, sem comida, sem escola e tão necessitado de carinho e de uma conversa amiga. Naquele dia Evelyn aprendeu um novo significado para o pedido de pão velho. Significa “converse comigo, me dê atenção”. Por isso, ela continua dando pão novo, fresquinho. Mas, antes de tudo, compartilha o pão das pequenas conversas, um pão que nunca fica velho. O pão mata a fome do corpo, mas a palavra carinhosa nutre o coração entristecido e traz de volta a esperança de um mundo melhor.


RAV EFRAIM BIRBOJM – Mestre em Engenharia pela Escola Politécnica da USP, começou seu processo de Teshuvá (retorno ao judaísmo) aos 25 anos, através da Instituição “Binyan Olam”. Saiba mais.

Email: efraimbirbojm@gmail.com

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