PRIMO LEVI E VIKTOR E. FRANKL: DUAS VERTENTES DO HOMEM – POR JAYME VITA ROSO

313_especial_5_1Entender a genialidade de ambos ou de cada um parece-me possível, em tópicos precisos e pontuais. É o que tentei!


A fascinante criação do homem, narrada no Gênesis (Bereshit 8, 9, 10), mostra que Deus, encantado com a Terra, por Ele surgida do nada, teve a percepção de que deveria dar-lhe vida: criará o ser humano, vindo do húmus e dele plasmado. Depois, fragmentado intimamente, mas, tentando, reencontra-se, buscou sua integridade. E, assim, o vem fazendo no decorrer dos séculos, mudando de humor, quando tropeça nos momentos em que a vida não lhe dá resposta ao que imagina, ou deseja ou projeta. Mas, o homem deve transformar-se diante de Deus e ser inteiro[1], e vai encontrar na simplicidade o antídoto à sua fragmentação, a qual provou ser evitada, quando ele não se junta à luz de Deus.

Por que esse introito? Pretendo dar um panorama de dois homens contemporâneos e tão sujeitos à sua condição humana: Viktor E. Frankl (1905-1997) e Primo Levi (1919-1987): eis os trajetos terrestres.

Começo. Ambos são judeus! Ambos viveram o Holocausto! Ambos sobreviveram a Auschwitz!

Reflito. Ambos narraram passagens pelo Campo. Enquanto Primo Levi escreveu Cosìfu Auschwitz (Assim foi Auschwitz)[2] com Leonardo De Benedetti, Viktor E. Frankl aproveitou para testemunhar esse período com lições de vida, com o objetivo de ser aquele que lhe daria sentido (sobretudo à própria vida), criando a logoterapia[3]. Há uma intersecção nos dois relatos, mas, quando Levi acabara e manter uma conversa com Giovanni Tesio[4], na qual o homem, a testemunha, o químico e os escritos se fusionam, criando uma maravilhosa autobiografia, o diálogo se interrompe exatamente antes dele narrar Auschwitz com detalhes autobiográficos com sua morte imprevista.

Realço. A morte por suicido de Levi poderia ser imaginada. Seu avô suicidou-se (p.12). Teve crises sucessivas ao longo da vida e o suicido o atormentou (p. 72 73). Ele provocou, a si mesmo, mostrando o sofrimento e o pensamento de suicídio (p. 68). Tudo lhe pesava.

Confronto. Frankl, comentado em vida, por Gordon W. Allport, em 1959, professor de psicologia da Universidade de Harvard: “O leitor aprende muito com esta biografia. Aprende como reage um ser humano quando subitamente se rende e se dá conta de que não tem nada a perder. A descrição que Frankl nos dá dessa mistura de emoção e apatia, caracterizando a atitude do prisioneiro, é comovente. Este último manifesta, primeiramente, uma abordagem com uma curiosidade fria e desapegada. Em seguida recorre a estratagemas e a expedientes a fim de preservar a pobre existência que lhe resta: ele sabe que suas chances de sobreviver não são muito altas. Ele chega a tolerar a fome, a humilhação, o medo e sua profunda cólera diante da injustiça que lhe é feita graças às lembranças das pessoas que ele ama, que ele conserva zelosamente em si, graças também à religião, ao seu senso de humor e graças aos olhares que ele lança sobre as belezas curativas da natureza – uma árvore ou um pôr do sol.”[5].E conclui: “Diferentemente de muitos existencialistas europeus, Frankl não é pessimista nem antirreligioso. Esse escritor que enfrenta plenamente consciente a onipresença do sofrimento e das forças do mal, permanece, entretanto, otimista quanto à capacidade do homem de transcender sua situação e descobrir o caminho que o guiará.”[6].
Levi, concluindo:

1 – Educado no hebraísmo: “Enquanto falamos da figura de seu pai, parece-me que você não foi educado no hebraísmo?

Era um caminho intermediário. Meu pai era muito combatido, enquanto não o dissesse! Ele viveu numa pensão com um rabino e alguma coisa absorveram. Mais acima de qualquer coisa, porém, abraçara o ritual. Tinha um certo escrúpulo de comer presunto, porém, comia-o. Poucas vezes, recordo-me que o acompanhara à sinagoga no Kippur! Lembro-me quando disse, eu teria quatro anos: “nós somos judeus”. Perguntei-lhe o que isto significava e fez uma longa exposição que não entendi e liguei a palavra ‘judeus’ com a palavra ‘livro’ e ainda hoje existe para mim uma relação finalmente etimológica entre livro e judeu, direi falsamente etimológica.”[7]

2 – Falando de seu pai:

“Não era um homem de todo previsível?

Era um homem bastante infantil. Não creio que tenha sido um bom marido para minha mãe. Era mundano, gostava de companhia, de ir ao teatro. Minha mãe era muito reservada, tendo quinze anos menos que ele.”[8]

3 – “Falemos um pouco de seus avós paternos?

Meu avô paterno não conheci. Suicidou-se em condições que não sei, não sabendo se foi por problemas financeiro. Tenho seu nome, chamo-me Michele, como ele.”[9]

4 – Sempre que questionado por Tesio sobre sua vida intelectual, mostrava que tinha frequentes crises “que o faziam ver o mundo de maneira diferente”. E, à página 73, considerando uma mulher que estava para ser deportada para o Campo, volta ao suicídio, com ele tentado e frustrado.[10]

5 – À página 79, foi inquirido sobre a profissão que escolhera: “Nenhuma (profissão), em suma, que o agradasse?
– Bem, algumas mais, outras menos. Atraía-me a química teórica e a experimental.”

Ainda na página 79, este depoimento: “O fato de não ter permanecido no ambiente deu-se por sua condição de judeu?
– No ambiente universitário? Depois encontrei um trabalho, tendo urgência porque meu pai estava muito doente e aceitei o que encontrei na (empresa) Balangero e depois na (empresa) Wander.”[11]

6 – Perguntado: “Uma vida passada na fábrica?”, respondeu, Levi: “Trinta anos, de 1947 a 1977”.[12]

Entender a genialidade de ambos ou de cada um parece-me possível, em tópicos precisos e pontuais. É o que tentei!


JAYME VITA ROSO – Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é especialista em leis antitruste e consultor jurídico de fama internacional, ecologista reconhecido e premiado, “Professor Honorário” da Universidade Inca Garcilaso de La Vega de Lima, Peru e autor de vários livros jurídicos. Saiba mais.
vitaroso@vitaroso.com.br


[1] GRÜN, Anselm. O Ser Fragmentado: da cisão à integração. Editora Ideias e Letras: São Paulo, 2004. p. 15
[2]LEVI, Primo;BENEDETTI, Leonardo De. Assim foi Auschwitz: Testemunhos 1945-1986. Companhia das Letras: São Paulo, 2015. 280 p.
[3]FRANKL, Viktor E. Découvrirunsens à savieaveclalogothérapie: letémoignage et lesleçons de vie d’ungrandhomme. Éditionsj’ailu: Paris, 2015. 177 p.
[4] LEVI, Primo. Ioche vi parlo: conversazionecon Giovanni Tesio. Einaudi: Turim, 2016. 122 p.
[5]FRANKL p. 9
[6]FRANKL p.10
[7]LEVI p. 6
[8] LEVI p. 10
[9] LEVI p. 12
[10] LEVI p. 72-73
[11] LEVI p. 79
[12] LEVI p. 117

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