PARA SER ALGUÉM NA VIDA – DRA. IVONE ZEGER

331_especial_3_1Declaração de nascido vivo amplia cidadania dos bebês


Nasceu! Atos contínuos: comemorar e registrar.

Nem sempre!

Para quem mora em áreas urbanas e, principalmente, nos bairros centrais, é preciso um esforço para imaginar dificuldades em se registrar um filho. Há pelo menos um cartório de registro civil em cada bairro de São Paulo, quase sempre de fácil acesso por meio de transporte público.

O cenário é bem diferente nas periferias de metrópoles e áreas rurais. E é tão drástico, que me chamou a atenção o percentual de crianças brasileiras sem registros: são 600 mil crianças, o que corresponde a 6,6% da população. É muita gente, não? Fiquei imaginando como seria a situação em regiões como a Amazônia. E me deparei com um dado que até assombra: em alguns lugares, especialmente entre a população indígena e ribeirinha, o percentual é de 40%, segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Em São Paulo existem cerca de 80 mil crianças sem identificação civil!

Esses dados foram gerados no último recenseamento, em que pela primeira vez o IBGE incluiu a pergunta sobre filhos registrados ou não. Dessa forma, o instituto levantou o percentual de sub-registros, ou seja, essa diferença entre a pesquisa demográfica feita pelo IBGE e o número de crianças que foram efetivamente registradas em cartório. A constatação impulsionou a criação da Lei 12.662/12, que torna válida a Declaração de Nascido Vivo, a “DNV”, em todo o território nacional. Ou seja, a DNV éum documento oficial, e embora não substitua a certidão de nascimento, garantirá acesso à cidadania para as crianças que, por um motivo ou outro, ainda não foram registradas.

A DNV já existia. É emitida pelos médicos, em hospitais públicos ou privados, ou pelas parteiras tradicionais logo após o nascimento da criança. São três vias: para a Secretaria Municipal de Saúde; para os pais ou responsáveis; e para o arquivo da Unidade de Saúde onde a criança recebe o primeiro atendimento. É o documento que alimenta o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, chamado Sinasc, criado em 1990 e implantado pelo Ministério da Saúde. Esse sistema norteia políticas públicas ao gerar indicadores como pré-natal, assistência ao parto e vitalidade do bebê ao nascer. Além disso, dados do Sinasc entram para os cálculos das taxa de mortalidade infantil e materna.

Embora sua apresentação na hora de registrar a criança não fosse obrigatória, nos cartórios, a Declaração de Nascido Vivo era requerida como informação complementar à declaração verbal dos pais ou responsáveis. Daqui para frente, ela se torna um documento oficial e tem um número – emitido pelo Ministério da Saúde – que obrigatoriamente constará na certidão de nascimento.

A nova lei também alterou dois aspectos do conjunto de leis de Registro Civil. Anteriormente, os cartórios repassavam os mapas de registros apenas para o IBGE; a partir de agora, repassarão essas informações para todos os órgãos públicos que as requererem, como o Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Com isso, será possível integrar informações dos cartórios de registro civil com as do Sinasc e se aproximar com mais exatidão da realidade.

Na prática, a DNV já criou uma situação intrigante. Veja só: na declaração deve constar, obrigatoriamente, o nome da criança; a hora, o dia, mês, ano e local de nascimento; bem como o sexo e informar se a gestação é múltipla ou não. Da mãe deve constar o nome, a naturalidade, idade, residência e profissão. Mas os dados do pai não são obrigatórios, justamente para que, na falta deste, não haja impossibilidade de se fazer o documento. Por outro lado, como já dissemos, a DNV não substitui a certidão de nascimento. E, na hora de registrar a criança, ainda que conste o nome do pai, só a DNV não basta como prova de paternidade.

Assim, na hora de registrar o bebê, além da DNV – cujo número, como dissemos, passa a constar na certidão de nascimento –, será necessário a certidão de casamento atualizada; ou a declaração do pai no ato do registro, que é presencial diante do escrivão; ou ainda, declaração por escrito em documento ou procuração, pública ou particular, com firma reconhecida.

Se, por acaso, na DNV constar o nome de um pai que não é o mesmo da certidão de casamento, valerá o nome que está neste último documento, contanto, é claro, que o bebê tenha nascido da constância desse relacionamento, fato comprovável pelas datas. Da mesma forma, se o pai é quem vai registrar o bebê e declara a paternidade, também é seu nome que se fará constar, ainda que haja o nome de outro pai na DNV.

Afora esses detalhes provenientes da confusão que é a própria vida, a Declaração de Nascido Vivo deverá contribuir para ampliar a cidadania das crianças em vários aspectos. Para além de facilitar o acesso à área da saúde, oferece proteção jurídica, não só da criança em relação aos serviços públicos, mas também em relação aos seus pais. Um exemplo? Imagine uma criança que é subtraída – roubada, digamos assim – dos braços de seus pais. É dever – e direito – destes pais reaver a criança. E como isso pode se dar sem uma comprovação? Por aí se tem uma ideia da importância desse novo documento.


Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP, do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Famíia, e do IASP, é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas”, “Família: Perguntas e Respostas” e “Direito LGBTI: Perguntas e Respostas – da Mescla Editorial – Fanpage: www.facebook.com/IvoneZegerAdvogadae blog: www.ivonezeger.com.br

20
20