PATERNAR – POR PAULO ROSENBAUM

340_especial_1_1Paternar é sobretudo uma experiência transformadora que altera a percepção do dever individual e coletivo.


Não é infrequente que evoquemos o peculiar fenômeno superprotetor das mães italianas e judias e não existe esta correspondência para pais. É evidente que a paternidade tem ficado como um pano de fundo, um detalhe do mundo em uma era de ressignificação do papel dos gêneros. Há infinitas categorias de pais, há aquele que pregam que “tem que rir a cada 15 minutos”, pais proféticos, cientistas, estimuladores, críticos, artistas, aventureiros, construtores, plantadores, artesãos, instrutores, escritores, médicos e professores. Há, sob o espectro do pai, um sentimento que transcende a categoria de autor, na verdade a paternidade apresenta, paradoxalmente, um importante desapego à autoria. Diz-se na tradição judaica que o mundo só pode passar a ter autodeterminação quando o Pai celestial decidiu contrair-se. Não é fortuito que um movimento de recolhimento/expansão, o tzimtzum, também conhecido hoje como big-bang, tenha dado origem ao Cosmos.

Observemos o verbete pai na linguagem dos sinônimos: genitor, aba, gerador, autor dos dias de alguém, primogenitor e procriador. Sem contexto, pode-se facilmente confundir com uma visão opressiva do patriarcado. A paternidade tem ficado sob suspeita, junto com tudo que se refere aos temas da masculinidade. Mas nem tudo no masculino e na paternidade são subprodutos da cultura chauvinista e opressora. Há sinais antigos de que os homens buscam uma forma de compartilhar responsabilidades. Cita-se, por exemplo, um velho rito de solidariedade na cultura irlandesa na qual o marido simula sentir as dores do parto enquanto a mulher dá a luz.* Há, na paternidade, especialmente na contemporânea, aspectos desconhecidos, sequer pesquisados, que poderiam desinregecer o debate.** Pois há um novíssimo pai, aquele que vem emergindo através das mudanças sócio-culturais e que pode “paternar” dividindo direitos e deveres com a companheira.

Na minha experiencia pessoal, a paternidade apresentou a primeira grande revelação com as primeiras palavras das minhas filhas: “Mammãe”. Mais adiante, quando uma delas se referiu ao Criador como “Ela”. Se até o gênero do Onipresente estava em questão, ali já se antevia: o mundo paterno merecia mesmo uma requalificação.

O símbolo que caracteriza o pai é, sobretudo, o de um renunciador, alguém que escolhe anular-se para que os seus sucessores possam existir. Poder-se-ia ir mais longe e parafrasear Freud quando fala das mães, o bom pai é aquele que se torna aos poucos desnecessário.

Será?

A paternidade não é apenas uma efeméride que se encerra quando a autonomia filial toma corpo. Os pais adotivos mostram também que a colaboração genética é apenas um, provavelmente não o mais relevante tópico. Aspectos como prover, cuidar e proteger perduram simbolicamente para além da presença ou existência física daqueles que assumem os filhos. Paternar é, sobretudo, uma experiência transformadora que altera a percepção do dever individual e coletivo. E mesmo com tanta diversidade o que conta é a relação única que, como filhos, desenvolvemos com eles. Do ponto de vista do pai o mais espantoso é, mesmo sem usufruir a sensação de acolher filhos durante nove meses, é poder colaborar na geração de um dos frutos mais curiosos da natureza: sementes que podem viver e gerar árvores muito diferentes daquelas que lhes deram origem.

* **Cf. Rosenbaum, Silvia Fernanda R. “Permanência a Transformação, Paternidade na Revista Pais e Filhos” Dissertação de Mestrado, PUC-SP 1998.


Paulo Rosenbaum – Médico e escritor, assina a coluna semanal “Coisas da Política”, no JB – Jornal do Brasil.

Possui graduação em Medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP-1986), mestrado em Medicina (Medicina Preventiva) pela Universidade de São Paulo (1999) e doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo (2005), pós doutor pela Universidade de São Paulo.(2010). Saiba mais.

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