É OUTRO O LAMENTO – POR JOSÉ RENATO NALINI*

 
355_especial_2_1A celeuma gerada pela exoneração do Ministro Sergio Moro precisa ser analisada sob várias vertentes.


A mais óbvia é a decepção dos que acreditaram que sua presença no Ministério Bolsonaro garantiria a continuidade de uma Lava Jato ampla, geral e irrestrita, para tornar o Brasil a República mais honesta e mais ética do planeta.

Apesar do protagonismo do magistrado em Curitiba, a constatação empírica é a de que o vírus da desonestidade é praticamente invencível. Ele começa nas pequenas coisas. Pagar o menos possível aos empregados. Sonegar tributos sob argumento de que o dinheiro será mal empregado pelo governo. Obter vantagens e privilégios em todas as operações, desde as cotidianas, até àquelas realmente importantes na conquista da subsistência.

Constatou-se que essa teia de pequenos vícios que impregna o convívio nunca deixou de existir, ainda que muitos de seus artífices aplaudissem Moro e sua obra. Talvez prevaleça o raciocínio de que operações tão sofisticadas nunca cheguem à superfície. Seria um desperdício utilizar-se de aparato ostentoso para coibir pequenas práticas insertas na cultura brasileira.


O Ministério da Justiça deveria ser o norte inspirador da edificação da Pátria justa, fraterna e solidária, prometida pelo constituinte de 1988 e que não passou de um aceno de concretização utópica.

Outro foco de observação leva à conclusão de que ninguém é insubstituível. A blindagem dos que acreditam no rumo do Executivo Federal os torna inexpugnáveis a qualquer revisão avaliatória. Prova é que a escolha do novo titular da Pasta da Justiça foi aplaudida, prestigiada por dois Ministros do STF e muitos dos que entoavam o coro laudatório a Moro, hoje o consideram traidor do chefe.

Nenhuma análise se faz sobre o significado de um Ministério da Justiça e de sua função numa Democracia. Justiça é um verbete polissêmico. Significa desde a síntese de todas as virtudes, como o aparato institucional que proliferou numa Nação que possui mais Faculdades de Direito do que a soma de todas as demais, existentes em todos os outros países do globo.

O Ministério da Justiça deveria ser o norte inspirador da edificação da Pátria justa, fraterna e solidária, prometida pelo constituinte de 1988 e que não passou de um aceno de concretização utópica. A miséria cresceu, a pobreza atinge a maior parte da população brasileira, desprovida de educação de qualidade, que seria a chave transformadora da nossa patológica realidade. Todos os problemas brasileiros passam por essa desconsideração do que deva ser a verdadeira educação. Capaz de solucionar os problemas da miséria, da saúde, da violência, de tudo o que ameaça a conversão do Brasil que temos, no Brasil com que sonhamos.

Restam inúmeras possibilidades de se extrair lições desse episódio. Uma delas, a de que o magistrado de carreira pode se equivocar quando, por inúmeras razões – todas elas guiadas por saudável intenção de colaborar com o aprimoramento do convívio – aceita o canto de sereia do Executivo.

Administrar estruturas que tendem a crescer até o infinito, enquanto não se oferece perspectiva de existência digna para as novas gerações, não satisfaz o anseio por Justiça. Algo de difícil definição, que – na verdade – sente-se pela sua ausência, pois o sabor da injustiça já foi experimentado pela maior parcela de nossos semelhantes. E continuará a sê-lo, enquanto se perseverar na busca de prestígio, de cargo, de autoridade e de poder. Com a sequela de acompanhantes, pródiga em massagear o ego de quem exerce uma função considerada importante.

Restam inúmeras possibilidades de se extrair lições desse episódio. Uma delas, a de que o magistrado de carreira pode se equivocar quando, por inúmeras razões – todas elas guiadas por saudável intenção de colaborar com o aprimoramento do convívio – aceita o canto de sereia do Executivo. É nesse momento que se pode macular uma biografia, pois o ambiente da política partidária é um terreno semeado de minas, postas pelo fogo amigo e prontas a estourar a qualquer pretexto, para perplexidade do incauto e muita vez ingênuo cultor das ciências jurídicas.


*JOSÉ RENATO NALINI – Ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e ex-Secretário da Educação do Governo Alckmin, é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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