LUTANDO CONTRA D’US – RAV EFRAIM BIRBOJM

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É muito difícil encarar as dificuldades de forma positiva. Mesmo sabendo que é a vontade de D’us que sempre se cumpre, é difícil não querer fazer esforços para mudar as coisas para que fiquem do nosso jeito. Mas temos que saber que cada desafio é uma oportunidade de mudar a direção de nossas vidas.

Há cerca de 200 anos viveu um homem temente a D’us, chamado Sr. Moshe Soloveitchik. Como ele havia herdado uma grande fortuna dos seus pais, e entre os bens estavam gigantescas florestas, decidiu entrar no ramo madeireiro, cortando árvores e vendendo com um bom lucro. Na época, a madeira era muito necessária, tanto para cozinhar quanto para o aquecimento das casas no rigoroso inverno europeu.

O Sr. Moshe também era uma pessoa de bom coração. Ele não media esforços para ajudar os necessitados. Sua casa estava com as portas sempre abertas para os pobres, e ele sustentava com alegria muitas instituições de Torá. Porém, por causa dos seus negócios, ele não podia dedicar muito tempo para o estudo da Torá, apesar de gostar muito.

Mas apesar de tanta filantropia, um dia os negócios começaram a desandar e o Sr. Moshe perdeu toda sua fortuna. Todos questionaram como um homem tão caridoso poderia perder de repente toda a sua fortuna. Até mesmo o Rav Chaim Vologziner (Lituânia, 1749 – 1821), o maior rabino da geração, que era muito próximo do Sr. Moshe, se preocupou e convocou algumas pessoas para investigarem as causas espirituais de tamanha perda financeira. Talvez o Sr. Moshe estivesse fazendo transações ilegais, por isso eles foram diretamente procurar nos livros de contabilidade, mas absolutamente nada, nem mesmo uma única transação suspeita, foi encontrada. A única falha que eles encontraram foi que o Sr. Moshe doava para caridade muito mais do que 20% dos seus lucros, ultrapassando o limite permitido pela Halachá (Lei Judaica). Mas o Rav Chaim Vologziner imediatamente rechaçou a hipótese, pois era inaceitável que D’us puniria de forma tão dura uma pessoa por ter um coração tão caridoso.

O que aconteceu após o Sr. Moshe perder todo o seu dinheiro? Ele poderia ter trabalhado dia e noite até reconstruir sua fortuna, de uma forma obstinada e sem limites. Mas ele fez diferente. Ele aceitou a vontade Divina e, agora que lhe sobrava tempo, foi para o Beit Midrash (Centro de estudos de Torá) se dedicar exclusivamente ao estudo da Torá. Pouco a pouco ele revelou talentos ocultos e foi avançando firmemente, até se tornar um dos maiores estudantes de Torá de sua cidade. O Sr. Moshe Soloveitchik, um homem de negócios com poucos conhecimentos de Torá, tornou-se em poucos anos o Rav Moshe Soloveitchik. Com o tempo, ele assumiu o posto de “Av Beit Din” (Chefe do Tribunal Rabínico) da cidade de Kovno. Ele encorajou seus filhos a seguirem seus passos e eles aceitaram o desafio, tornando-se também pessoas muito sábias. Começava então a dinastia dos “Brisk Rav”, que encheu o mundo de sabedoria da Torá. Desta dinastia saíram gigantes de Torá como o Beit HaLevi (1820 – 1892), o Rav Chaim Soloveitchik (1853 – 1919) e o Brisker Rav (1886 – 1959).

Somente muito tempo depois o Rav Chaim Vologziner entendeu porque o Rav Moshe Soloveitchik havia perdido toda sua fortuna de uma só vez. Suas ocupações com os negócios não deixavam ele se ocupar com seu maior potencial: o estudo da Torá. D’us então removeu o que o impedia de crescer, abrindo o caminho para que o mundo se enchesse um pouco mais com a luz da Torá.


A Parashá da semana, Shemot, começa a descrever a terrível escravidão do povo judeu no Egito. Um dos piores sofrimentos pelos quais o povo judeu passou foi quando os astrólogos do Faraó previram que estava para nascer o salvador do povo judeu. O Faraó fez grandes esforços para impedir a vinda deste salvador, incluindo o decreto de que todo bebê que nascesse fosse atirado no rio Nilo. O Rav Yaacov Kanievsky, mais conhecido como Steipler (Ucrânia, 1899 – Israel, 1985), ressalta a ironia dos eventos que sucederam o decreto do Faraó. Para salvar a vida de Moshé, sua mãe Yocheved o colocou em uma cesta à deriva no rio Nilo. E ninguém menos do que Batia, a filha do Faraó, encontrou a cesta onde estava Moshé e decidiu criá-lo. Isto quer dizer que o Faraó fez todos os esforços possíveis para matar o salvador do povo judeu, mas acabou criando e alimentando-o em seu próprio palácio.

Explica o Steipler que daqui aprendemos um importante fundamento: quando D’us decreta algo, é impossível mudar Seus planos, mesmo com os maiores esforços. O Faraó se equivocou, achando que seus atos seriam suficientes para mudar o que estava decretado nos mundos espirituais. Ele quis que sua vontade se cumprisse à força, pois vivia na ilusão de que tinha o controle de tudo.

Infelizmente muitas vezes nós também nos comportamos como o Faraó e achamos que temos o controle de tudo. Somos teimosos a ponto de colocarmos nossas forças e energias para tentar mudar decretos Divinos. Um exemplo é na área da nossa Parnassá (sustento). Ensina o Talmud (parte da Torá Oral) que todos os ganhos e perdas de uma pessoa são decretados em Rosh Hashaná. Porém, o que fazemos quando nossa fonte de sustento diminui? Dobramos os nossos esforços, trabalhamos até mais tarde, nos finais de semana, abandonamos nossas famílias. Será que funciona? Será que não estamos fazendo exatamente o que o Faraó fez, lutando contra algo que D’us decretou?

Então o que fazer quando passamos por dificuldades, como uma perda financeira? Explica o Rav Yonathan Guefen que devemos fazer apenas o que é considerado um esforço “normal”, isto é, que não ultrapasse os limites do bom senso. Dedicar nosso tempo para recuperar o dinheiro perdido à custa de todo o resto certamente não é o caminho correto. Por exemplo, quando acontece uma grande crise econômica, qual é a primeira coisa que as pessoas cortam nos seus gastos? A Tsedaká (caridade). Será que não deveríamos fazer justamente o contrário? Ao invés de diminuir nossos méritos espirituais, não deveríamos tentar aumentá-los, para conseguir reverter o mau decreto? Será que as perdas não podem ter sido um sinal de que não estamos dando atenção para as coisas mais importantes da nossa vida, como nossos valores espirituais e nossas famílias?

Por que é tão fácil se enganar e cair neste erro de lutar contra os decretos Divinos? Pois quando fazemos um esforço e obtemos bons resultados, achamos que somos nós os responsáveis pelo sucesso, esquecendo que tudo passa pela Supervisão Divina. Por exemplo, uma pessoa compra ações da bolsa e logo depois estas ações sobem muito, resultando em um excelente lucro. Normalmente pensamos que o lucro foi o resultado do esforço, a consequência de um investimento correto. Mas isto é uma forma enganosa de ver a realidade. Na verdade, já estava decretado nos mundos espirituais que a pessoa deveria receber aquele dinheiro. D’us tem muitas formas para cumprir a Sua vontade e fazer com que este dinheiro chegue às mãos daquela pessoa. Ele pode colocar na cabeça da pessoa a ideia de investir justamente nas ações que futuramente subiriam, ou pode fazer com que as ações que a pessoa comprou mudem seu comportamento e subam. No final, o lucro já havia sido decretado, e o esforço foi somente para fazer o decreto Divino se cumprir. Qualquer esforço adicional teria sido em vão, e até mesmo negativo caso a pessoa tivesse deixado de lado coisas mais importantes apenas para receber aquele dinheiro que já estava decretado.

Mas explica o Steipler que há algo que pode efetivamente causar mudanças nos decretos espirituais: os esforços espirituais. Através da Tefilá (reza) e da Teshuvá (arrependimento pelos erros cometidos) podemos interferir nos mundos espirituais. Nem sempre é possível cancelar decretos Divinos, mas quando mudamos nossos atos, podemos ao menos diminuir o impacto de decretos negativos em nossas vidas. Por exemplo, se foi decretado para um agricultor que, por causa de alguma transgressão que ele cometeu, apenas uma pequena quantidade de chuva vai cair durante o ano em sua plantação, o que causaria um tremendo prejuízo, a Tefilá pode fazer com que esta pequena quantidade de chuva caia no lugar certo e de forma mais propícia. Outra possibilidade é que mesmo se em Rosh Hashaná for decretado para uma pessoa, por causa do seu baixo nível espiritual naquele momento, apenas uma pequena quantia de dinheiro para o ano, a Teshuvá pode fazer com que ela consiga se saciar mesmo recebendo pouco.

Porém, não podemos esquecer que, apesar do crescimento espiritual ajudar a reverter problemas financeiros e diminuir outros tipos de sofrimentos e dificuldades, o principal benefício do nosso crescimento espiritual, através da Tefilá, da Teshuvá e do cumprimento das Mitzvót, é nos aproximarmos de D’us. Muitas pessoas, como o Rav Moshe Soloveitchik, aproveitaram as dificuldades para crescer em espiritualidade, ao invés de se afundarem de maneira desesperada no mundo material.

É muito difícil encarar as dificuldades de forma positiva. Mesmo sabendo que é a vontade de D’us que sempre se cumpre, é difícil não querer fazer esforços para mudar as coisas para que fiquem do nosso jeito. Mas temos que saber que cada desafio é uma oportunidade de mudar a direção de nossas vidas. Cada dificuldade é uma comunicação de D’us, que quer que ao menos possamos parar para escutá-Lo. Com muita reflexão, poderemos chegar ao nível de entender que não apenas a vontade de D’us sempre se cumpre, mas que também a vontade Dele é o melhor para nós.

SHALOM.


RAV EFRAIM BIRBOJM – Mestre em Engenharia pela Escola Politécnica da USP, começou seu processo de Teshuvá (retorno ao judaísmo) aos 25 anos através da Instituição “Binyan Olam”. Saiba mais.

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