ATÉ ONDE IREMOS? – POR LUIZ KIGNEL

328_FIQUE_1_1Israel não está, como qualquer outro país, imune aos que discordam de sua política. O que se aponta aqui, apenas, é a oportunidade imperdoável de fazê-lo aproveitando-se de uma situação de calamidade nacional.


Assim que o avião da companhia aérea israelense El Al tocou o solo brasileiro no último domingo a noite com uma equipe das forças de defesa do Estado de Israel, houve por parte de algumas pessoas uma mudança imediata de foco na abordagem da tragédia de Brumadinho. De um senador não reeleito no último pleito de 2.018 leu-se que os soldados israelenses mais parecem um grupo de assalto a Venezuela e que sua vinda seria desnecessária (obviamente fazendo essa afirmação do conforto de seu lar). De outras tantas pessoas, igualmente acomodadas a centenas ou milhares de quilômetros de distância da tragédia – e que de uma ou outra forma tem exposição na mídia – ouviu-se que o real objetivo da vinda ao Brasil seria implantar um núcleo do Mossad em território nacional. Houve quem afirmasse que o único interesse do exército israelense seria ocultar provas para defender a empresa Vale e tantas outras elucubrações que nada mais são do que a expressão do antissemitismo moderno.

Não há como prever quanto tempo será necessário para o Brasil se recuperar da tragédia. Mesmo fisicamente distantes, a até recentemente desconhecida Brumadinho tornou-se o centro de uma comoção que extrapolou as fronteiras nacionais. De todas as partes continua chegando uma corrente impressionante de iniciativas individuais e coletivas oferecendo auxílios material e humano para devolver um mínimo de dignidade àqueles que se viram inocentemente vítimas desta calamidade.

O Estado de Israel, por meio de um grupamento altamente especializado e treinado para situações de catástrofes extremas, se ofereceu para ajudar nos trabalhos da região. Esse grupo denominado Unidade Nacional de Resgate das Forças de Defesa de Israel foi criado em 1.984 já tendo atuado em situações adversas em países como Grécia, Camboja, Armênia, Argentina, República do Congo, Kenia, Turquia, India, Egito e Haiti, entre outros. Desde novembro de 2.018 essa unidade integra o Grupo Consultivo Internacional de Busca e Resgate das Nações Unidas (Insarag, na sigla em inglês). Neste momento (31 de janeiro) cento e quarenta membros deste agrupamento encontram-se em Brumadinho somando esforços ao Exército e Força Aérea Brasileira e aos bombeiros de Minas Gerais e vários outros estados.

Essas manifestações anti-Israel, certamente isoladas, me causam distintas sensações. Como judeu, definitivamente não me surpreendem, porque os antissemitas nada mais são do que parasitas da desgraça (especialmente quando alheia) e não perdem uma oportunidade para desferir seu veneno, não se importando o que e com quem aconteceu. Como brasileiro, tenho um sentimento de profunda decepção por atestar que em um país fraterno como o nosso Brasil existem pessoas que seguem ignorando a desgraça do seu próximo que de tão desproporcional que é se arrastará por gerações, assim como a calamidade ambiental que demorará possivelmente décadas para se recompor. Mas na verdade é como ser humano que me sinto absolutamente derrotado ao ver que alguma coisa no projeto divino falhou. Porque se na fé judaico-cristã o Homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, como é possível que alguém se preste a baixeza tão grande desperdiçando o espaço que detém na mídia, ainda que fundada mais em deméritos do que em honras, levantando teorias conspiratórias que nada agregam no que deveria ser o esforço maior das pessoas de bem amenizando a dor dos que estão verdadeiramente sofrendo.

Os arautos da moral alheia provavelmente não dedicaram uma linha de seu espaço digital ou um minuto de seu tempo para verificar como poderiam verdadeiramente contribuir para minimizar a impagável conta dos que ainda aguardam a hora de localizar corpos de entes queridos para enterrar com um mínimo de dignidade seus mortos. Eles certamente não têm tempo nem motivação para ajudar, ocupados que estão em disseminar teses conspiratórias. Preferem o culto ao ódio e não à fraternidade.

Certamente vou decepcionar aqueles que imaginaram que me aproveitaria deste espaço para apresentar um ponto de vista sobre a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém ou que faria ataques políticos à esquerda ou à direita. Se assim o fizesse me igualaria no mesmo baixo nível daqueles que estou criticando. Israel não está, como qualquer outro país, imune aos que discordam de sua política. O que se aponta aqui, apenas, é a oportunidade imperdoável de fazê-lo aproveitando-se de uma situação de calamidade nacional.

Leia mais: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/01/ate-onde-iremos.shtml


Luiz Kignel – Presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo

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