AS ILHAS E VIAGENS DE ODISSEU – PARTE 1 – POR FELIPE DAIELLO

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333_especial_1_2Homero, nos versos, imortalizou heróis, reverenciou deuses e desvendou mitos e intrigas entre entes supremos do Olimpo, mostrando as fraquezas e as superações de pobres mortais. Os milênios escoaram, mas as lembranças e os escritos de um poeta ainda não foram e nem serão apagados pelos anos. A curiosidade, as viagens, as pesquisas, aos pouco despertam interrogações. Verdades? Imaginação pura?

Perdida, nas costas da atual Turquia, longe do mar, ruínas de cidade tão citada, estão abertas para iniciar a sua versão da história. A mitológica Troia, a rival de Micenas, concorrente na comércio do Mar Egeu, foi redescoberta devido as escavações de arqueólogo alemão. Circular pelas antigas muralhas, contornar os vestígios dos palácios reais, ver os pavimentos das ruas, por onde os guerreiros passavam antes dos combates, onde os louros da vitória dependiam dos humores de Zeus, nos deixa arrepiados, mas um pouco frustrados.

333_especial_1_3A leitura da Ilíada escapa da realidade da nossa visão. Pelas dimensões do sítio arqueológico, impossível o combate entre milhares de soldados, as dimensões das residências, dos palácios, não possibilitam imaginar corte com fausto e com as dimensões relatadas. As condições da região, o potencial agrícola, os recursos hídricos da época, não eram suficiente para manter população de mais de 5 a 10 mil almas. Como enfrentar cerco, durante 10 anos, de todo o exército grego, ainda mais por causa de uma mulher? Mesmo a mais bela do mundo.

Outra dificuldade, revelada pelas escavações, foi determinar qual a Troia descrita pelo poeta. Não uma, mas diversas cidades foram encontradas. Ao longo dos milênios, Troia foi queimada, saqueada, destruída. Para novamente ser reedificada; uma cidade em cima da anterior. Cada extrato conta a sua história. Estaria na quarta camada, onde joias foram encontradas por Heinrich Schliemann, a verdadeira Ilion, a outra denominação de Troia?

333_especial_1_4Mais importante do que Aquiles, do que Heitor, mesmo de Paris, do que Menelau e de Agamenon, o nome de Odisseu, surge como o vencedor. Sua astúcia, define a vitória dos gregos e a destruição do inimigo. Cavalo de madeira, trazendo no ventre, a semente do mal, como oferenda para Posseidon, é deixada nas praias. Simulando retirada, para pedir retorno seguro das naves, nada melhor do que a oferta.

Os gregos, cientes das suas lendas, reconheciam a disputa entre a Deusa Atenas e o seu rival Posseidon. Em busca da honra de ser patrono do Partenon, o templo maior da Grécia, eles entram em acirrada disputa. Ganharia o que oferecesse a maior dádiva para a população. Posseidon, com seu tridente, cria o cavalo, para ser o companheiro nas guerras e nos trabalhos do campo, mas Atenas ao oferecer a oliveira, símbolo da fartura nas mesas e da paz, levou a melhor. Em vez de queimar o presente, símbolo da derrota do inimigo, o mesmo foi recebido com festas pela vitória. Odisseu seria recompensado pela estratégia. Ao abrir pela madrugada, as portas de cidade entorpecida pelo vinho e pelas e orgias, iniciava uma Odisseia.

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Como todos os guerreiros, tinha família, esposa, terras e um reino. Ítaca, uma das ilhas Jônicas, é famosa pelo clima, pela fertilidade do solo, por mar de águas claras, pelo vinho, pelo mel e pela doçura das frutas e dos lábios ansiosos das mulheres esquecidas. Apesar das buscas, nada foi encontrado do possível palácio de Odisseu. Isso que a ilha é minúscula nas dimensões.

Qual a razão de um marinheiro, dez anos de ausência, levar outros 10 anos para retornar aos braços de uma Penélope que não perde as esperanças? Por que fugia de paraíso possível? Qual a mensagem de Homero?

Partindo da destruída Ilion, dai a denominação de Ilíada para a primeira parte dos versos de Homero, o percurso até o seu lar, até Itaca, onde Penélope o aguardava, não era longo. Pelas cartas náuticas, com ventos favoráveis, pelas saudades de anos, em semanas encontraria o merecido repouso de guerreiro.

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São centenas, mergulhadas num mar azul, água gelada para os nossos padrões, as ilhas que preenchem o Mar Egeu e o Jônico. Muitas desabitadas, a água potável é fator decisivo. No verão, devido à ausência das chuvas, apresentam aspecto descolorido, árido, contraste quebrado com a chegada do inverno que traz o verde rejuvenescido. Argolini e Itaca, ao poente da Grécia, com seus bosques, com vinhedos e baías, oliveiras e praias para descanso, tartarugas verdes como companheiras nas águas, ainda são paraísos para os que chegam.

No entanto, Ulisses, a denominação latina, do herói grego, vai começar uma jornada, seguindo os caprichos de um escritor. Não é fácil tentar localizar as ilhas, onde o nosso personagem desembarca no seu regresso. As indicações são imprecisas, sem sequência temporal, difíceis de encontrar nos mapas atuais. No acompanhar dos versos, pelas distâncias, impossível navegar, sem ter no percurso, um local para reabastecimento e abrigo. Locais desconhecidos ou esquecidos por Homero.

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Roteiros ao acaso, nas oitivas de antigas narrativas, pesquisando e peneirando velhos livros, museus dando pistas, tentei acompanhar,3.000 anos depois, os passos criados ou imaginados por Homero. Com pinturas antigas, retratos das peripécias, relembrando os nomes dos deuses da época, será possível descrever os locais, as ilhas das provações, das lições que Ulisses deve aprender antes do seu retorno? Necessário alterar no roteiro a sequência das ilhas?

Realmente, as provas exigem o controle das emoções dos humanos, de gravar as lições de vida, na descoberta dos mistérios que os deuses escondem dos mortais. Cada etapa exige superação dos limites do homem, cada prova onde a morte ou o encanto eterno são os castigos pelo uso incorreto da inteligência ou da preguiça que embota decisões e paralisa as ações. Os vícios bloqueiam mente e a ação, reduzindo nossa capacidade de criação a dos porcos chafurdando para sempre na lama da ignorância. Ulisses deve vencer todas as provações; como bom aluno, deve ouvir os mestres do caminho, captar as mensagens. Ultrapassar a fase de guerreiro, adquirir toda a experiência disponível. Assim, como soberano estará preparado para exercer o seu papel.

A dúvida está no prazo do treinamento. Dez ou vinte anos? Por que tanto tempo num mesmo local?

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No roteiro, cinco possibilidades de paradas são aceitas. A ilha mencionada no sul da Itália, pode ser a Sicília. Nas costas italianas, a Ilha de Capri, perto de Positano e da colônia Grega de Paestum, bem como o Estreito de Messina, são outras certezas. Na atual Tunísia, a ilha de Djerba é outro cenário onde as tradições locais mencionam a passagem de Ulisses. Portos, junto às colônias gregas espalhadas pelo Mediterrâneo, de onde marinheiros e comerciantes traziam riquezas e informações, dariam para Homero a inspiração. Não podemos esquecer Itaca .As palavras de ação ou o suspense das narrativas, vinham nas velas e nos remos das galeras atrevidas, as mensageiras disponíveis para a transmissão das verdades, dos acontecimentos, dos conflitos, da queda ou da morte de reis.

Depois da partida de Ilion, do saque em Ismaros, por decisão dos Deuses, tendo Netuno como inimigo, tempestade dissipa nos mares a frota de Odisseu, o caminho para Itaca está perdido, as peripécias, os perigos desconhecidos são os obstáculos a superar. O retorno será complicado e difícil.

Enquanto Telêmaco, o filho de Odisseu sai à procura do pai, sua mãe foge dos pretendentes que almejam uma esposa e o trono vago. Assim começa a narrativa, repetida por séculos até os nossos dias. No Mediterrâneo, partindo da costa da atual Turquia, não é fácil situar as ilhas mencionadas na epopeia.

Combates, rapto e sítios, ocorridos entre 1184-95 a.C., transformados em poemas em torno de 850 a.C., com intervalos de anos entre a Ilíada e a Odisseia, deixam dúvidas sobre o autor ou autores. A tradição oral, por séculos acrescentou capítulos, trocou nomes de heróis, inverteu a sequência temporal, transformou proezas em façanhas impossíveis. Olhando o passado encontramos mais conjecturas do que certezas. É preciso alguns portos bem definidos para descobrir o roteiro estabelecido pelos Deuses. Partindo de Troia, nos Dardanelos da atual Turquia, os ventos desviaram Odisseu para o sul do Mar Egeu, em direção a Esmirna, para Rodes. Rota contrária a do Mar Jônico, para Itaca, para ansiosa Penélope.

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A ninfa Calypso tenta seduzir Odisseu na primeira parada, um esposo seria adequado, para isso todos os prazeres são colocados na cama e na mesa, mas Ulisses precisa escapar aos encantos e as artes de Calypso. Rejeita a imortalidade proposta e com o apoio de Minerva e de Mercúrio, consegue escapar da ilha de Ogigia.

Depois da recuperação do desgaste do naufrágio na ilha de Calypso, numa jangada, com provisões adequadas, os ventos camaradas os levam para o bom destino. Netuno, furioso, pois Odisseu ofendera o seu filho, intervem mais uma vez.

A salvação estará na ilha de Éolia? Praia onde chega depois de suportar por dias os castigos das ondas enfurecidas. Seria a Ilha de Stromboli? Impossível certificar.

Bem acolhido, recuperado, com navio e tripulação renovados, parte em busca do seu destino. O rei Eolo, além de presentear uma brisa camarada para deslocar a nave, entrega um odre onde coloca todos os ventos do mundo. Mas era preciso cautela no seu manuseio.

A curiosidade dos marinheiros, a desobediência às ordens do capitão, num descuido provoca a abertura inadequada do Saco de Eolo. Todos os ventos são liberados, outra tempestade para enfrentar, outro naufrágio para superar. Como maldição, furacão engloba a embarcação, projetando-a sobre ondas envolventes. A perícia de Odisseu é posta a prova.

Final do Primeiro Episódio. Em breve, a segunda parte.

FELIPE DAIELLO – Professor, empresário e escritor, é autor de inúmeros livros, dentre os quais “Palavras ao Vento” e ” A Viagem dos Bichos” – Editora AGE – Saiba mais.

daiello@cpovo.netwww.daiello.com.br

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