INOS CORRADIN. NO PERCURSO DA ARTE, O ARTISTA NA ESTRADA – JACOB KLINTOWITZ
A produção de Inos Corradin, aos 85 anos, é esfuziante e certamente ele é um exemplar raro do artista que cria por prazer. O seu domínio do ofício é também raro, pois ele pinta à semelhança dos mestres.
É espantoso como os fios que o pintor Inos Corradin urde criam personagens tão vivos, atuais e dotados do encantamento lírico que quinhentos anos de história agregaram ao nosso psiquismo. Os seus mágicos, equilibristas, músicos, cantores, mímicos, artistas itinerantes sem pouso e que percorrem estradas apenas pressentidas, são quase os mesmos que no século XV andavam pelo interior da Itália e que criaram a lendária Commedia d’ella Arte. Hoje estes artistas ambulantes e a sua arte impregnada de improviso são o emblema da cultura antiacadêmica e o antípoda do naturalismo. O mundo contemporâneo ama e anseia por esta ação artística filha do eterno presente.
O nosso espaço é limitado, mas como não recordarmos da “Família de saltimbancos”, de Pablo Picasso, feita em 1905? Ou do casal de artistas ambulantes, na sua carroça, no “Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman, no seu confronto com a morte e a fugacidade da vida, onde o símbolo da continuidade é o jovem casal itinerante e o seu bebê? Neste contexto, talvez seja pecado não citar “La Strada”, de Federico Fellini, de 1954, centrado num artista circense e na mais doce e evanescente musa inventada pela arte, Gelsomina- Giulietta Masina. Ou o mito americano do horizonte libertário, núcleo do épico no cinema do faroeste e raiz da literatura on the road. Esses e centenas de outros artistas buscaram os fios no mesmo tear que alimentou Inos Corradin.
A produção de Inos Corradin, aos 85 anos, é esfuziante e certamente ele é um exemplar raro do artista que cria por prazer. O seu domínio do ofício é também raro, pois ele pinta à semelhança dos mestres. É curiosa uma época na qual temos que destacar como virtude o que parece a obrigação mínima de qualquer profissional. A iconografia do artista está centrada na figura humana travestida na sua função poética, o que explica a quantidade de trajes característicos, instrumentos musicais, cenas teatrais. A partir desta proposta essencial, o artista se detém nas vilas e casarios e nas paisagens e nelas, antes de tudo, temos o espaço aéreo, o céu, como personagem. De certa maneira, o conceito de elevação simbolizado pela ação artística, pelos artistas, pelos emblemas populares como as bandeiras, os pequenos núcleos de moradia, a paisagem dominada pelo céu, é o que determina a pintura e a escultura de Inos Corradin. Refinamento pela poética da ação artística e o espaço celeste marcante como ascenção.
É possível que Inos Corradin, como parte da melhor arte da nossa época, possa ser entendido como um momento anárquico de rejeição de padrões institucionais marmóreos e estáticos, mas é, antes de qualquer outra coisa, um gesto pessoal de fidelidade à arte como poética e a certeza de que a humanização do ser humano não pode prescindir da vivência estética.
JACOB KLINTOWITZ – Crítico e editor de arte. Saiba mais.
Crédito da foto: Marcia Formigoni
Nota – Exposição de Inos Corradin poderá ser vista até o próximo dia 21 de março no Espaço Cultural Citi – Av. Paulista, 1.111 – São Paulo.