CORRERIA SEM SENTIDO – ILDO MEYER
A palavra que mais se escuta no final de ano é “correria”. Para onde e por que as pessoas estão correndo? Se não souberem onde querem ir, não chegarão a lugar algum. Qual o sentido desta correria? Qual o sentido da vida? Depende.
Vamos aprofundar um pouco mais a questão?
Depende do significado da palavra sentido. Se for para designar a direção e orientação de um movimento, como nas expressões “sentido único”, “sentido obrigatório”, minha resposta é que o sentido da vida deve ser para frente. Não precisa de mapa, nem GPS. Siga vivendo, ultrapasse as barreiras, contorne as curvas e então comece a subir.
Se for para designar as trocas de informações com o meio ambiente através dos órgãos dos sentidos, diria que o sentido da vida se conjuga no verbo sentir, e não no verbo ter. Toque, cheire, prove, deguste, escute, veja e então comece a subir.
No âmbito dos sentimentos e emoções, como nas expressões “esta pessoa tem um sentido muito apurado” ou “tenho sentido sua falta”, ousaria dizer que pessoas que estão em sintonia com seu sentido de vida não têm dia ruim, mau humor na segunda feira, nem levantam com o pé esquerdo. Viver bem faz todo o sentido.
Felicidade, virtude, amor, desejo, ética, observância das leis divinas, reverência à Deus, contemplação da vida e tantos outros caminhos também já foram apontados como os sentidos da vida.
Entretanto, o sentido mais procurado é aquele que tenta explicar o significado da vida, o por quê das coisas. Quando alguém tropeça em uma pedra, caí, machuca e quebra o braço, isso precisa ter um sentido ou pode simplesmente ser fruto do acaso? Alguns não acreditam em casualidade e rotulam estes eventos fortuitos e inexplicáveis de “Karma” ou destino. Outros simplesmente chamam de vida.
Afinal de contas, por que as pessoas precisam tanto de um sentido que explique suas vidas?
Talvez porque entender o que está se passando, aparentemente as deixe tranqüilas. As coisas precisam ter uma explicação lógica, ou mais ou menos lógica. É preciso que a vida forme uma história coerente que possa ser seguida. Muitos chamam este fio condutor de “sentido”. Se a história correr durante anos no mesmo sentido, pode até ser oficializada e chamada de identidade.
Fomos criados com histórias. Bem antes de surgir o pensamento científico, o mundo nos foi explicado através de histórias que faziam sentido, nos orientavam na vida e nos identificavam. Acontece que histórias distorcem e simplificam a realidade, reprimindo tudo que não se encaixa ou não faz sentido. Mas não tem jeito, o ser humano sente-se atraído por histórias e têm aversão à fatos abstratos.
Assim, para entender o “sentido” de suas vidas, muitos seguem este princípio: modelam os fatos, deturpam a realidade, constroem estórias que se encaixem numa linha de pensamento racional e desta forma, dormem tranqüilos. Convencem a si e aos outros de que aquela história meio vivida, meio fantasiada é a que vale. Em outras palavras, o “sentido” da vida vai sendo construído a posteriori dos fatos.
O resultado podemos prever. Consciência tranqüila, história bonita ou triste, discurso congruente, qualidade das decisões eventualmente prejudicada. Vale a pena? Não sei, a decisão é individual. De minha parte, tentarei não interferir em seu livre arbítrio de viver. Solicito que também retribua do mesmo modo.
Se algum dia encontrar o sentido da sua vida, parabéns, mas, por favor, guarde este trunfo só com você. Não conte a ninguém. Permita que cada um descubra o sentido de sua própria vida ou até mesmo o ignore. Eu, por exemplo, prezo muito mais uma história bem vivida na qual o final me surpreenda.
Além do mais, se a vida tem algum sentido, desconfio que o motoqueiro que atropelei, o bandido que assaltou minha mãe, a lua sob o mar de Cascais, o vôo para o Panamá que perdi, as borboletas azuis, tudo se relacione com isto.
Que possamos surpreender e ser surpreendidos em 2014. Se possível, pra melhor.
ILDO MEYER – Médico formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Saiba mais.