MAIS HUMANOS – POR PAULO ROSENBAUM
Será que a mandatária geral quis dizer que os brasileiros que praticam medicina, na hora de cuidar, são menos humanos do que seus colegas cubanos? Se é isso seria bom que nos explicasse para que esmiuçássemos as razões de sua afirmação.
Entidade rebate crítica de Dilma a médicos brasileiros
Jorge Luis Borges cotava da sabedoria oriental que a felicidade, vem do menos. O advérbio mais é perigoso. Sempre foi. Do latim magis, designa aumento, superioridade, ou comparação. Não só porque a palavra comporta armadilhas, mas porque ela envolve medições. As medições, comparações. Comparações dificilmente são justas. Afirmar que os médicos cubanos são “mais humanos” estabelece um diagnóstico generalizante, precoce e duvidoso. Especialmente para uma atividade complexa e individualizante como é a medicina. Mais humano? Comparado com quem? Sem dúvida, a frase avulsa já levantaria a boa discussão. Isso se não estivéssemos em meio ao pathos de uma campanha política.
Portanto, o que será que define o grau de humanismo em um atendimento médico? Raça, nacionalidade, cor da pele, dos olhos, escola que cursou, etnia, incidência de raios ultravioleta, classe social? E se disséssemos que ainda não há escala padronizada e consensual para contabilizar o teor humano de cuidado despendido às pessoas por profissionais de saúde? Há décadas estudos e pesquisas tentam tornar o atendimento menos mecânico, confortador e oferecer estímulos para o estabelecimento de vínculos próximos com quem precisa de tratamento.
Não seria extraordinário se todos que se dispõem a cuidar dos outros buscassem também ser sujeitos nos atendimentos? E isso se ensina numa Escola de Medicina? O historiador da medicina Pedro Lain Entralgo, consciente do fenômeno da transferência, preferiu chamar a proximidade curativa com o paciente de “amizade médica”. Mas há também outros ingredientes a serem considerados como o talento, a disponibilidade, a geração de empatia. Capacidade de escuta é uma síntese feliz. Mas há um item, que, subtraído das discussões, anda em esquecimento: condições de trabalho. A ideia geral de prover médicos em maior número para regiões desassistidas, é, basicamente, justa. Mas o tratamento e as circunstâncias com que os médicos estrangeiros foram contratados são aviltantes. Sob quaisquer perspectivas. Não importa o viés com que se analisa a matéria. Só uma visão ideológica que aspira a hegemonia pode considerar naturais a falta de liberdade e salários humilhantes a que essas pessoas estão sendo submetidas. Estas sim, condições sub humanas.
Será que a mandatária geral quis dizer que os brasileiros que praticam medicina, na hora de cuidar, são menos humanos do que seus colegas cubanos? Se é isso seria bom que nos explicasse para que esmiuçássemos as razões de sua afirmação. Teria ela experiência com a realidade de solo? Conhecerá ela as condições dos hospitais, dos centros de saúde, das clínicas e ambulatórios, dos consultórios públicos e privados? Meu palpite é que ela não pretendeu ofender ninguém. Só quis exaltar o slogan num período eleitoral. A infelicidade é novamente o contexto com o qual se faz propaganda. De qualquer modo, todo cuidado é pouco com o mais. Ele não é, nunca foi, sinônimo de qualidade. Pelo contrário. Jamais foi critério para assegurar decência.
Prometo, para não parecer incoerente, evitar a palavra mais, mas não seria má ideia que essa administração tivesse qualquer consideração com quem cuida da saúde das pessoas: menos marketing, alguma efetividade.
PAULO ROSENBAUM – Médico e escritor, assina a coluna semanal “Coisas da Política”, no JB – Jornal do Brasil. Saiba mais.
Nota – Artigo publicado no O Estado de SP – http://blogs.estadao.com.br/conto-de-noticia/mais-humanos/