UMA TECNOLOGIA PARA A PAZ – PAULO ROSENBAUM
Já vimos o suficiente, certo? Agora já podemos nos posicionar. Não restam muitas opções. Façam suas escolhas: a favor ou contra. Esqueçam as infinitas gradações. Borrem o contexto. A dicotomia simplória é só um exemplo de como o diálogo está moribundo. Mas há algo para bem além desse fenômeno. A instantaneidade das cenas são […]
Já vimos o suficiente, certo? Agora já podemos nos posicionar. Não restam muitas opções. Façam suas escolhas: a favor ou contra. Esqueçam as infinitas gradações. Borrem o contexto. A dicotomia simplória é só um exemplo de como o diálogo está moribundo. Mas há algo para bem além desse fenômeno. A instantaneidade das cenas são tão céleres como os julgamentos sumários. E vem contribuindo para web linchamentos, que, com alguma frequência transpiram para o mundo real. Foi o caso recente da dona de casa assassinada pela turba incendiada pelas falsas informações. Mais acesso às informações incrementa da intolerância? Não há algo errado nesta equação? A qualidade faz diferença. O que só faz aumentar a responsabilidade dos jornalistas e blogueiros. Formadores de opinião tem poder, inclusive para propagar distorções. No anonimato e sem sanções impregna-se o ciberspace com fotos falsas, conclusões equivocadas e generalizações improváveis. Colher informações do rescaldo das redes sociais sem verificar a matriz da informação, pode ser desastroso. E qual o papel dos insufladores na atual epidemia de intolerância? O que significa dar voz para pregadores da violência? O que fazem, além de acirrar ânimos, aguçar paixões e induzir à beligerância? O que acontece nas guerras já não é suficiente?
O problema ético atualíssimo é a cobertura jornalística dos conflitos no Oriente Médio. A marcação cerrada com Israel chama a atenção. Dilemas morais e conflitos estão democraticamente distribuídos pelo mundo e não só no oriente médio. Uma guerra é sempre, lato sensu, um álibi universal. Inflando falsas polêmicas, a chancelaria do Brasil, comandada pelo PT, se posicionou ideologicamente a favor de um dos lados, um jornal abriu espaço para que um colunista pouco articulado pregasse o fim de um País e as Tvs hegemônicas impuseram a versão que mais lhes convém. Com tantos estímulos, verificou-se significativo aumento de ataques antissemitas pelo mundo, e, por aqui, uma inédita hostilidade contra a comunidade judaica. Cabe um paralelo com a violência no Brasil (mais de 50.000 mortos em 2013) onde, numa incrível inversão, há mais preocupação com os criminosos, do que com aqueles que sofrem com suas ações, vale dizer os cidadãos. Como se os primeiros fossem assunto do Estado e os demais, ora, os demais que se virem. Quando um absurdo destes é naturalizado, a tendência é que seja incorporado pela opinião pública. Tudo isso cabe na agenda do marxismo reacionário que adotou, nos termos de Fareed Zacharia, a democracia iliberal.
Se há excesso de um exército, que se denuncie esse excesso. Mas o que fazer quando quem ataca não pode ser convertido ao processo dialógico? Nas palavras de um conhecido pacifista, o escritor israelense Amos Óz, o que você faria se seu vizinho disparasse uma metralhadora contra você e sua família, segurando um bebe no colo? Fujo da angústia e, a cada foguete, preciso me esconder. Eu me envergonho. Mas não pelo direito que um País têm de legitimamente defender sua população, e sim pela absoluta falta de criatividade de quem dirige as populações, a ONU, a diplomacia internacional. Faltam Estadistas, porém o déficit é, sobretudo, de imaginação. Existem sinais de que ela pode ter entrado em recesso.
É difícil aceitar que ninguém tenha desenvolvido uma tecnologia de paz. Um vale do silício do armistício. Uma startup da solução negociada. Ao mesmo tempo, não queremos morrer. Queremos ser equânimes. Nossos cérebros reptilianos nos convencem que se alguém deve sobreviver, somos nós. Não é decisão, ponderação moral ou tirocínio. Segundo o epistemólogo Georges Canguilhén, para os suicidas, tirar a própria vida é um recurso cujo objetivo seria reduzir a tensão à zero. É um equivoco sem volta pois, junto com a tensão, sacrificam a vida. Nós, os conformados, afundamos as cabeças nos travesseiros. Dormimos até que o sangue estanque. Para surpresa de muitos o antissionismo se fundiu ao antissemitismo e está bem mais vivo do que supunha nossa vã paranoia. Pela anômala repetição histórica dos surtos de judeofobia na história, somos obrigados a indagar: estamos diante de um problema de origem transcendental? O judeu, agora cidadão do mundo como outro qualquer, é culpado por não ser mais o bode indefeso preferencial a ser expiado? Talvez não seja nada disso. Quando o mundo, de tempos em tempos, submerge em tensão, os disfarces caem por terra, e os preconceitos, libertados, vingam-se da civilização. Não foi preciso muito esforço. Nunca foram necessários grandes pretextos para condenar Israel e judeus. Hoje há algo bem mais assustador: o estrondoso silêncio da maioria.
http://blogs.estadao.com.br/conto-de-noticia/uma-tecnologia-para-a-paz/
PAULO ROSENBAUM – Médico e escritor, assina coluna semanal no Estadão e no Jornal do Brasil. Saiba mais.