OS VÁRIOS OLHARES – POR SHEILA MANN
Quando cada um de nós conseguir se colocar, de verdade, no lugar do outro, e refletir com sinceridade o que faria se estivesse na mesma situação, acredito que poderemos chegar a um entendimento da situação nos territórios ocupados e evitaremos emitir julgamentos.
Fiquei refletindo sobre o último evento do qual participei no Instituto Lula e posso dizer que o que mais me marcou na exposição dos dois palestrantes, tanto do israelense quanto do palestino, é que a reiteração pelo governo do Primeiro Ministro Netanyahu do mantra “Não temos parceiros para negociar a paz”, não é verdadeira. Lá estavam eles dois, o palestino e o israelense, viajando juntos pelo mundo, levando a sua mensagem pela paz, explicando o quanto é importante mudar a abordagem do conflito, deixando a emoção de lado, o que significa não entrar na espiral da vingança e ir pelo lado racional da questão. Vamos vencer o medo e acreditar que a convivência é possível.
Já relatei num artigo anterior a minha viagem a Israel em fevereiro desse ano, e contei dos vários encontros que eu tive com palestinos/as e israelenses de ONGs ligadas ao diálogo entre ambas as partes. Então vemos que, o que sempre predomina é o discurso do vitorioso, no caso o Estado de Israel, sobre a narrativa do vencido, ou seja a Palestina.
Infelizmente, não percebemos o quanto esse discurso oficial é forte, como ele deslegitima o discurso do outro e tudo o que não está alinhado com ele. Isso apoiado por uma mídia autorizada que relata tudo sob um ponto de vista único, o ponto de vista do vencedor, que é movido por interesses diversos. O mundo relatado é o que a mídia traz para nós tanto nos jornais quanto na televisão. Esquecemos que existem infinitos pontos de vista e ângulos sobre uma mesma questão. A luta é pela terra, pela água, salvaguardando os interesses da indústria armamentista. Voltar às fronteiras de 1967? Abrir mão de todos esses recursos naturais? Mais fácil instilar o medo do outro, repetindo ad nausea que não é confiável, que quer nos aniquilar, que está se reproduzindo muito rapidamente e vai acabar por nos ultrapassar em número…
Então qual é a proposta dessas ONGs? O trabalho delas é aproximar as partes em conflito para que vejam que o outro não é um monstro, é um ser humano como eu e você! Quando cada um de nós conseguir se colocar, de verdade, no lugar do outro, e refletir com sinceridade o que faria se estivesse na mesma situação, acredito que poderemos chegar a um entendimento da situação nos territórios ocupados e evitaremos emitir julgamentos. Precisamos parar de nos regozijar com a desgraça alheia, com a destruição das casas dos palestinos nos territórios, com as oliveiras milenares arrancadas, com a morte de milhares de palestinos.
Pode parecer que estou torcendo para os palestinos e que não estou defendendo Israel, eu, uma judia que morou lá: vocês vão querer argumentar sobre a legitimidade do que Israel está fazendo, vão ter as respostas na ponta da língua, reproduzindo o discurso oficial, justificando cada ação do exército israelense. Sinto muito, mas acho que amo Israel tanto quanto vocês, se não mais! Me preocupo muito com Israel, mas não sou cega. Esse caminho vai levar inevitavelmente à sua destruição! Estamos nos afastando a passos largos da nossa ética judaica, da nossa humanidade e do nosso amor ao próximo. Me preocupo porque sei muito bem como o povo árabe sabe aguardar com paciência, essa qualidade a ele intrínseca, que os ventos mudem a seu favor e que a situação se reverta. É bem disso que eu tenho medo. Nós, aqui no Brasil, que vivemos em paz com os nossos irmãos árabes de todas as origens, devemos estar atentos a isso e não importar o conflito pra cá.
Espero que cada um de nós faça a sua parte de olhar pra dentro de si e se perguntar o que está fazendo em prol de uma paz justa em Israel e Palestina.
SOBRE SHEILA MANN
Sheila Mann é judia, formada em artes plásticas, nascida no Líbano e crescida em Israel. Ela é conhecedora das culturas árabe e judaica com fluência em ambas as línguas, o que a torna ainda mais próxima das duas comunidades. A artista chegou ao Brasil, com 18 anos, casada e grávida de gêmeas. A dura fase de adaptação a nova cultura e aos filhos logo foi superada com a decisão de voltar a estudar. Inscreveu-se no curso de literatura da Aliança Francesa, para não perder a fluência no idioma adquirido em sua escola primária no Líbano, e também resolveu estudar artes plásticas.
Sheila Mann criou o POT – Peace On The Table, projeto que propõe unir os povos através da culinária, projeto que hoje se tornou a sua grande razão de viver,e com essa proposta, ela se tornou uma ativista pela paz principalmente entre árabes e judeus.
Sheila lançou um livro de memórias e culinária no ano passado, atualmente dá aulas de culinária libanesa na sua própria escola, em São Paulo e dá palestras sobre o seu trabalho, tendo formado um grupo de mulheres judias e mulheres árabes que se reúnem para compartilhar experiências e fortalecer laços de amizade .