RELIGIOSIDADE SEM FANATISMO – RABINO MICHEL SCHLESINGER‏

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Acredito que apenas Deus pode julgar a sinceridade de determinado ato religioso. Cabe a uma sociedade pluralista aceitar toda e qualquer manifestação religiosa, mesmo que ela pareça exacerbada aos olhos de alguns.


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Este é o trecho mais longo da Torá. Nesta parashá estão descritas as leis do nazirato. Através de um voto, ou juramento, uma pessoa poderia tornar-se um nazir como o famoso personagem bíblico Sansão. Um nazir comprometia-se a se abster de beber vinho ou qualquer outra bebida derivada da uva, cortar seus cabelos e encostar em pessoas mortas. Desta forma, por escolha própria, um nazir era um indivíduo que optava por assumir mais restrições religiosas do que o restante da comunidade.

Sábios de diversas geração tentaram entender melhor a instituição do nazirato. O que leva um indivíduo a assumir mais obrigações religiosas do que aquelas exigidas pela lei? O que faz com que uma pessoa abra mão de sua liberdade e, por sua espontânea vontade, viva uma vida de privações?

Justamente pela dificuldade de responder a essas perguntas e também pelo fato de que cada nazir trazia motivações pessoais distintas, os rabinos tiveram opiniões conflitantes sobre eles. Alguns deles viam aqueles indivíduos como exemplos a serem seguidos. Ao abdicarem de alguns prazeres e se auto-imporem uma vida de privações, o nazir estava agindo como um herói que controla seus próprios instintos, sendo, portanto, um exemplo religioso para se admirar e uma conquista que todos deveriam aspirar.

Por outro lado, vários rabinos sentiram-se incomodados com o nazirato e se tornaram críticos deste modo de vida. Segundo eles, um indivíduo que decide abrir mão de determinados prazeres está esnobando a criação de Deus. Aquele que poderia, pela lei judaica, aproveitar mais elementos do mundo e opta por não fazê-lo está desperdiçando algo que potencialmente é seu. Finalmente, esses rabinos viam nos nazirim uma certa pretensão e necessidade de demonstrar à sociedade o quão piedosos e justos eles eram.

Em nossos dias, quando testemunhamos o entusiasmo religioso de certas pessoas, fazemo-nos perguntas similares. Admiramos por um lado a capacidade de certos indivíduos de se desprenderem deste mundo e atingirem outros estágios espirituais. Por outro lado, preocupamo-nos com o exagero e o fanatismo religioso que se encontra entre as piores enfermidades contemporâneas.

Acredito que apenas Deus pode julgar a sinceridade de determinado ato religioso. Cabe a uma sociedade pluralista aceitar toda e qualquer manifestação religiosa, mesmo que ela pareça exacerbada aos olhos de alguns. Contudo, o limite para tal liberdade precisa existir quando a religiosidade de alguns ameaça, de alguma maneira, o direito que temos de pensar e agir diferentemente.

Shalom.


MICHEL SCHLESINGER é bacharel em direito pela Universidade de São Paulo. Realizou seus estudos rabínicos e seu mestrado em Jerusalém, no Instituto Schechter. Nos Estados Unidos, trabalhou em um acampamento judaico, o Camp Ramah de New England, e se capacitou para dar apoio a doentes e seus familiares no Jewish Pastoral Care Intitute na cidade de Nova Iorque. Desde 2005 é rabino da CIP. Em 2012, por ocasião de seu ano sabático, passou três meses em Nova Iorque, onde visitou instituições judaicas e estudou Talmude no Jewish Theological Seminary. O rabino Schlesinger é representante da Confederação Israelita do Brasil (Conib) para o diálogo inter-religioso e coordenador da delegação judaica na Comissão Nacional de Diálogo CatólicoJudaico da CNBB. Em 2013 esteve em Doha, no Qatar, para a Décima Conferência Internacional de Diálogo Inter-religioso. No mesmo ano, concluiu seus estudos em gestão de sinagogas no Rabbinical Management Institute de Los Angeles. Casado com a antropóloga Juliana Portenoy Schlesinger e pai da Tamar e da Naomi.

Fonte: www.cip.org.br