TEMPLO MAIOR DE ROMA. MUSEU HEBRAICO – POR FELIPE DAIELLO
No símbolo de liberdade, projeto de Vicenzo Costa e Osvaldo Armanni, o Museu Judio de Roma, protegido por cercas, merece o desvio das rotas tradicionais dos turistas.
Vale o desvio pelas margens do Tibre. No antigo “gueto”, para construção da nova Sinagoga, no início do século XX, algumas demolições foram necessárias. Amontoado de prédios antigos, incluindo resquícios da Meli Fiano (1764) e da Anque Scale (1814) – recordadas por antigas aquarelas – desapareciam junto com muros que segregavam a comunidade.
Num quarteirão, cercado por grades baixas, é preciso primeiro circular pelo prédio do Museu para relembrar 22 séculos de presença hebraica na Itália dos Césares e dos Papas.
Desde a primeira sinagoga em Ostia Antiga, passando pelos cemitérios nas catacumbas, pelos perigos de perseguição, pelo confinamento no gueto junto à curva do Rio Tibre, a história é contada passo a passo.
A identidade judaica é apresentada de modo cronológico e com belos exemplos da arte e do engenho de verdadeiros artistas.
Lápides de sepulturas, inscrições gravadas no mármore, símbolos milenares, representações das festas tradicionais, apresentadas de modo didático, refletem passado que não se pode esquecer.
Através de aquisições, de doações, objetos sacros, tanto na prata como no ouro, surgem para nosso deslumbre. Baraffael de 1714, Parokhet doado por Iehuda Zaddik em 1594 e restaurado em 1833 para a “Scola Nova”. A Corona di Meil de 1749, o Lampadário para o Chanucá de 1759, paramentos religiosos, tecidos e veludos renascentistas doados por comunidade francesa, mármores policromados, objetos para celebrações litúrgicas, registros dos usos e dos costumes, documentos relacionados às proibições erguidas, as permissões concedidas – como a colocação da fonte de água potável, o mostruário é vasto.
A influência dos atos papais, até o decreto do Rei Victor Emanuel dando plenos direitos civis a todos os hebreus italianos em 1904, estão ao nosso dispor. Audiovisuais complementam a visita, antes de passarmos para o prédio da Sinagoga Maior de Roma. As fotos apresentam relatório completo do passado hebraico em Roma. No livro de Macabeus, encontramos os primeiros relatos da presença judaica em Roma. Com a destruição do templo pelas Legiões de Tito, conforme inscrições no Arco levantado em Roma é possível acompanhar cenas da campanha, bem como dos artigos sagrados pilhados em Jerusalém.
Ao iniciar o processo da Inquisição, o Papa Sixto V, obrigou a comunidade a ocupar pequeno espaço junto à Ilha Tiberina. Surgia o gueto de Roma. Local fechado, com portas lacradas, isolando os seus habitantes dos demais cidadãos de Roma.
Napoleão, em 1789, ao invadir Roma, abre as portas do gueto, dando plena liberdade aos hebreus.
Garibaldi, na sua campanha pela liberdade, em luta contra a Áustria e os Estados Papais, recebe o apoio dos judeus, que tomaram armas para conseguirem dupla libertação.
Só em 1904, decreto real estabelece plenos direitos civis para os hebreus, não mais cidadãos de segunda classe na Itália.
O período nazista provocou estragos na pequena comunidade, poucos retornaram dos campos de concentração e do holocausto.
Com a criação do Estado Judeu em 1948, o Rabi Prato festejou o evento com a comunidade junto ao Arco de Tito. Símbolo de escravidão, de vergonha, nenhum judeu ousava passar pelo arco. Quase 2.000 anos foram necessários para acabar com o castigo, ou maldição, segundo alguns.
– Hoje, somos quase 40.000 fiéis. Diferentes dos demais, ainda nos consideramos italianos – palavras da guia, explicando e justificando as perguntas levantadas.
– Queremos viver em paz, sem o perigo de enfrentar atos terroristas, mas agora sabemos lutar caso necessário – concluiu após a nossa visita.
Acompanhando a Lungotevere dei Cenci, a estrutura do Templo Maior se destaca entre as catedrais e igrejas de Roma. Desde o atentado terrorista de 1982, quando granadas e metralhadoras ceifaram jovens em sábado de benção especial, está cercado e vigiado. Domingo é o melhor dia para visitas guiadas. A segurança é máxima ainda mais que a coletividade muçulmana na Itália chega a dois milhões de fiéis.
Em 1986 o papa João Paulo II quebra a tradição ao visitar pela primeira vez uma sinagoga em 2000 anos. Falando em hebraico mostrou que as duas religiões têm muito em comum.
Depois, tendo o Rio Tibre como referência, estamos perto do Templo de Vesta, o redondo, da Boca de la Veritá e do Teatro Marcelo, a seguir o Capitolino, com seus museus e a estátua equestre do Imperador Marco Aurélio nos dá outra referência. Roma tem outras surpresas.
Em janeiro de 2016, o Jesuíta Papa Francisco, visitou o Templo Maior, data que comemora o diálogo aberto entre católicos e judeus.
Apesar das desavenças históricas, elas possuem imensos pontos comuns, principalmente no mundo atual com conflitos e fanatismo religioso crescentes.
Construído entre os anos 1901 e 1904, segue o projeto “Art Dec” com domo quadrado em realce, o único em Roma.
No símbolo de liberdade, projeto de Vicenzo Costa e Osvaldo Armanni, o Museu Judio de Roma, protegido por cercas, merece o desvio das rotas tradicionais dos turistas.
FELIPE DAIELLO – Autor de “Palavras ao Vento” e ” A Viagem dos Bichos” – Editora AGE – Saiba mais.