ESTRELA DE DAVID EM SOROCABA – POR ISRAEL BLAJBERG (*)

Em nossas viagens, seja para Nova Iorque ou Pelotas, Buenos Aires ou Macapá, e tantas outras, sempre procuramos reservar um espaço para visitar locais judaicos. Em Sorocaba não foi diferente. Ainda que não tivesse sido localizado nenhum contato, pudemos descobrir que Sorocaba tambem tem um passado judaico importante.

286_especial_2_1Quem percorre o calçadão do centro de Sorocaba depara-se com um pequeno prédio, portas e janelas fechadas, paredes pichadas. Seria igual a tantos outros, não fosse um detalhe que logo identifica tratar-se de algo judaico.

286_especial_2_2No alto, uma estrela de 6 pontas ainda se destaca com sua pintura azul, resistindo ao tempo com a palavra Zion escrita em caracteres hebraicos. O azul da estrela destoa do estado geral de penuria, teimando em não esmaecer, não se deixar apagar, mantendo ainda suave tonalidade, como que a querer marcar aquele local com a santidade do seu simbolismo.

Era um final de tarde de sexta-feira, quando aproveitamos alguns momentos livres para localizar a antiga sede da SIBS – Sociedade Israelita Brasileira de Sorocaba. Por ser uma pequena rua lateral, este trecho do calçadão não é muito movimentado. Diante do prédio, detenho-me e procuro imaginar como poderiam ter sido alguns momentos assim há cinquenta, sessenta anos atrás. Sorocaba teria talvez uma centena de famílias judaicas.

Algumas lojas do calçadão talvez estivessem baixando as portas um pouco mais cedo, face aos preparativos para o Cabalat Shabat. As portas da casa estariam abertas, as paredes pintadas, e quem passasse pela rua talvez se surpreendesse com um movimento diferente, de pessoas em suas melhores roupas, mulheres de chale, homens de kipá, talvez pudessem até entreouvir cânticos vindos do interior daquela casa.

Mas logo desperto das minhas divagações, caindo na realidade. Como tantas outras no Brasil, Sorocaba já não possui mais uma comunidade judaica minimamente organizada. Assim parece ser a tendencia em pequenas cidades. O judaísmo, no nosso modelo prevalente, nas últimas décadas tendeu a se concentrar em alguns polos, com certas exceções. Não é a teia pulverizada de shtetales (cidadezinhas) que existiu em paises da Europa Oriental, e hoje ainda se verifica, com outras características, nos EUA.

Entretanto, existe uma memória judaica relevante e que ainda se manifesta fortemente em Sorocaba.

286_especial_2_3Estamos falando de Luiz Matheus Maylasky, judeu húngaro, fundador e construtor da EFS – Estrada de Ferro Sorocabana, que veio a receber de Portugal o título nobiliárquico de Visconde de Sapucahy, conforme nos ensinou em suas obras o saudoso casal de historiadores dos judeus do Brasil, Egon Wolff (1910-1981) e Frieda Wolff (1912-2008).

286_especial_2_4Não muito distante da sede da SIBS no calçadão, diante do Museu da EFS, uma estátua de Maylasky o representa ao lado de um trabalhador que empunha uma picareta. Olhar firme, pergaminho na mão, o braço levantado aponta para a frente como que indicando o caminho a seguir para construir a ferrovia, que presidiu de 1870 a 1875, passando depois o controle para o grupo ingles de Percyval Farhquar, o lendário construtror da Madeira-Mamoré, e que anos depois foi encampado pela FEPASA, hoje subsistindo o transporte de carga pela ALL.

286_especial_2_5Há mais de 30 anos o trem de passageiros já não adentra mais a bela estação de Sorocaba, menor, mas no mesmo estilo da Júlio Prestes em São Paulo, próximo ao Bom Retiro.

286_especial_2_6O Museu abriga, entre tantas peças da ferrovia, diversos objetos pessoais de Maylasky, destacando-se o florete que a ele pertenceu, na qualidade de oficial do Exército Imperial Austro-Hungaro. Os judeus formavam em grandes números naquelas tropas, como se pode avaliar visitando o cemitério judaico de Vienna, onde uma seção foi especialmente dedicada aos que tombaram na 1ª. Guerra Mundial, servindo de cemitério militar com monumentos e mausoleus. Mais de 40 coronéis, generais e almirantes judeus lá estão sepultados.

286_especial_2_7Os da geração de imigrantes, que palmilharam as ruas de Sorocaba, já não estão mais aqui. Mas alguns de seus nomes ainda podem ser consultados na página da Internet da SBIS, onde verificamos uma observação esclarecedora:

ATIVIDADES TEMPORARIAMENTE ENCERRADAS.

POR FALTA DE RECURSOS A SIBS FECHOU O ESCRITORIO EM SOROCABA.

286_especial_2_8Os judeus partiram, deixando a marca da sua contribuição, onde certamente se destaca Maylasky, ainda que provavelmente não muitos sorocabanos possam identificar sua origem. Mas podem se orgulhar muito dele.


(*) iblajberg@poli.ufrj.br

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