PORQUE ESQUECER – POR AKIM ROHULA NETO

294_life_4_1A memória é sábia em realizar o processo de eliminação do vínculo que mantemos com determinadas informações sem eliminar a informação propriamente dita.


Tomamos da informática a palavra “deletar” como referência para “esquecer”. Retirar, por completo a informação do sistema, apagando seu conteúdo e as ligações físico-químicas que o mesmo detinha em nosso cérebro. O desejo é apagar aquelas informações indesejáveis ou inúteis. Ter a capacidade de preencher nossa memória apenas com informações “boas”.

Deletar também é parar de se relacionar. A partir do momento em que uma informação não existe, torna-se impossível a relação com ela.Todas as possibilidades com aquilo que foi vivido se apagam. Desta forma, deletar também é, de certa maneira, alienar. Neste caso, no entanto, nos alienamos de nossa própria história.

Deletar informações tristes ou “negativas” de nossa memória faz com que só possamos olhar para aquilo que aconteceu de “bom”. Porém é importante lembrar que a memória tem uma função que é gerar aprendizado. Os conteúdos que habitam o lembrar se encontram ali para servirem como matéria prima ao crescimento.

Além do crescimento, a memória serve como base para elaborar nossa autoimagem. Sem ela, não podemos saber quem somos. Lembranças tristes ou vergonhosas que contribuem para o mosaico do eu seriam perdidas caso fosse possível deletá-las. Assim sendo, partes de quem somos seriam apagadas e nossa relação conosco, mudada para sempre.

Por que queremos deletar? Pois hoje em dia, não conseguimos dar conta daquilo que não está no “script”. A era da fotografia nos mostra que a imagem aparente é mais importante que a situação real. Assim sendo, o desejo por deletar da mente, aquilo que não colabora para o quadro estético aumenta. O estético prevaleceu sobre o ético. Logo memória é apenas banco de dados.

Esquecer, por outro lado, é diferente. Popularmente falando, esquecemos quando uma situação não provoca uma reação ruim ou quando, ao lembrar dela, temos uma sensação diferente daquela que tínhamos antes. Não se deleta a memória, muda-se a relação com ela. Não há alienação, há transformação, ressignificação. O esquecimento preserva a identidade.

E aumenta a maturidade. Ao nos deparar com algo que não gostamos podemos buscar deletar isso ou nos relacionar com isso de maneira nova. A maturidade apenas nasce quando a flexibilidade emocional, psicológica e comportamental alcança um nível no qual a pessoa aprende a lidar com os desafios (aquilo que não gostamos).

Nisso há possibilidade de mudanças e evolução. Na concepção estética da vida não. Nela há apenas a eliminação. Deletar é binário, esquecer é analógico, biológico, humano. Esquecemos, então, quando algo não é mais relevante ou quando podemos partir para a próxima. A memória é sábia em realizar o processo de eliminação do vínculo que mantemos com determinadas informações sem eliminar a informação propriamente dita.

Nisso existe ética e estética. A compreensão profunda de que os fatos são importantes, pois dão cor à pessoa que somos, somada à constituição estética dos elementos que nos formam é o que chamamos de memória. O esquecimento, nesse sentido, poderia ser um tipo de tonalidade usada pela memória para dar menos destaque à alguns desses elementos. Porém, quando visto o quadro geral, todas as tonalidades terminam por preencher o quadro do eu.


AKIM ROHULA NETO – Graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em Psicologia Corporal pelo Instituto Reichiano Psicologia Clínica e Centro de Estudos e em Programação Neurolingüística. Saiba mais.

akimrohula@gmail.com

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