INTENÇÃO X AÇÃO – RABINA FERNANDA TOMCHINSKY-GALANTERNIK

317_historia_2_1A tradição judaica se preocupa infinitas vezes mais com as ações do que as intenções, porque estas últimas estão somente dentro de cada um e ninguém pode confirmar uma coisa ou outra, os pensamentos e inclusive as intenções são livres e podem chegar a ter vida própria.


Esta é a famosa parashá do “bruxo” Bilam. É através dele que a maldição, encomendada por Balak, se transforma em benção resultando no famoso Ma Tovu. Bilam, o bruxo, é considerado por vários sábios como um profeta, já que desde o início de sua contratação para amaldiçoar o povo de Israel, afirma que só poderá dizer o que Deus colocar em sua boca, não importa quanto dinheiro queiram lhe pagar.

Quando finalmente Deus permite que ele vá, na suposta missão de amaldiçoar o povo de Israel, parece que ele se cega. Deus coloca em sua frente um anjo armado e ele não vê. Quem vê é sua mula. Teoricamente um animal de carga, sem muitas habilidades de percepção das manifestações divinas.

O evento tragicômico desse encontro nos leva a refletir sobre nossas intenções e nossas ações. Quanto as primeiras podem ficar em segundo plano quando as ações não as acompanham de maneira coerente.

Bilam tem toda sua intenção concentrada em seguir as palavras divinas, mas foi cegado pela oferta de muito dinheiro. Quando vai duvida. Apesar da permissão divina, duvida se conseguirá dizer o que foi contratado para dizer, e assim ganhar a recompensa, ou realmente apenas o que Deus lhe disser.

Nós muitas vezes temos claras nossas intenções. Mas no dia a dia, várias de nossas ações nos traem.

Tentar negar um pensamento é muito difícil, mas podemos controlar as ações que esse pensamento nos levaria a realizar de maneira impulsiva. Temos um grande mediador que é a razão. Quando alguns pensamentos nos dominam, é a razão quem nos dita se é um que deve ser seguido ou controlado. Assim também é com nossas intenções. Elas já são, de alguma maneira, mediadas pela razão, mas no momento em que partem para a ação, dizer que algo não foi intencional não soluciona possíveis problemas que podem decorrer.

Por isso a tradição judaica se preocupa infinitas vezes mais com as ações do que as intenções, porque estas últimas estão somente dentro de cada um e ninguém pode confirmar uma coisa ou outra, os pensamentos e inclusive as intenções são livres e podem chegar a ter vida própria. As ações, por outro lado, são públicas. Podem ser direcionadas e também pensadas e refletidas. As mitsvot, os mandamentos, por mais que aparentemente se relacionem com um sentimento, como no início do primeiro parágrafo do Shemá que nos pede amar a Deus, devem ser traduzidos em ações concretas para que possam realmente existir.

O sentimento de pertencimento ao povo judeu deve ser também acompanhado de algum tipo de prática. Seja religiosa, comunitária, cultural etc. Somente assim poderemos nos manter coerentes por dentro e por fora. E não ficarmos na dúvida que cegou Bilam. Dúvida entre o que quer e o que faz, entre o que sente e o que expressa.

Que possamos encontrar nossas coerências internas e expressar-las de maneira externa. Para podermos contribuir com uma sociedade mais coerente e uma comunidade na qual seus ideais e ideologias não possam ser questionados.

Shalom.


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