A LISBOA DE FERNANDO PESSOA – POR FELIPE DAIELLO

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Circular pelos Antigos Bairros de Lisboa permite encontrar os locais onde o escritor viveu. No Campo de Ourique, hoje Casa de Cultura, a moradia onde ele residiu, pagando aluguel, permite ter uma ideia das rotinas de Fernando Pessoa. Durante quinze anos, de 1920 a 1935, na sua residência podemos inspecionar, bisbilhotar mesmo, o quarto do poeta, verificar a singeleza dos móveis, o seu modo de viver. Podemos observar a máquina de escrever por ele usada, a arca onde colocava textos datilografados que não tinham a sua aprovação e iam para o esquecimento.

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

319_especial_5_3Através de audiovisual podemos acompanhar sua trajetória de vida. Fase escolar na África do Sul, os colégios que o educaram por primeiro na língua inglesa, as viagens em família para Lisboa, os autores e os livros de sua preferência.

O exame da alma do poeta, que usava o inglês nas primeiras publicações, pode ser apreciado bem devagar.

“Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”.

319_especial_5_4Apaixonado por astrologia, era fanático pelos mapas astrais, inclusive fazia o levantamento do horóscopo de seus amigos, segundo os ritos dos conhecimentos da época. Considerava-se um fingidor ao falar da própria dor e da que os outros sentem.

“Para viver a dois, antes é necessário ser um”.

Em Durban, África do Sul, recebe prêmio pelo ensaio apresentado, em inglês, no exame de admissão à Universidade do Cabo. Com dezessete anos viaja para Lisboa e inicia amizades com as celebridades da cidade.

Mesmo nascido em Lisboa, ainda jovem, sua mãe, viúva, pelo novo casamento vai morar em Durban. No seu retorno para Lisboa, Fernando trabalha como tradutor. Seus primeiros poemas são publicados em inglês.

Seus trabalhos têm influência de Edgar Allan Poe, de Shakespeare, de Keats, de Guerra Junqueiro, de Thomas Carlyle e de Jose Ortega y Garret.

“O Homem é do tamanho do seu sonho”.

319_especial_5_5Na realidade, no início sua obra, numa atitude de se manter incógnito e desapercebido, ele escreve e aparece sob a forma de heterônimos. Cada autor com uma biografia e vida própria: Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Álvaro do Campo são os principiais.

“Ser feliz é deixar de ser vítima dos seus problemas e se tornar autor da própria história”.

319_especial_5_6No Chiado, no bar por ele frequentado, sua imagem no bronze eterno, convida os passantes para parar e pensar nos seus conselhos.

“O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade em que acontecem”.

Talvez pelo excesso na bebida, pela vida irregular e solitária em que vivia, morre em 1935, de problemas hepáticos. A cirrose no fígado cobrava o seu pedágio.

As solidões de seus poemas e de sua dor colaboraram bastante, O excesso de energias negativas, era parceiro tanto para a criação das suas obras como tornar o sofrimento a alma dos seus poemas .

319_especial_5_7“Todos os homens são exceção a uma regra que não existe”.

“Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura”.

“Tenho em mim todos os sonhos do mundo”.

Circulado pela Alfama, pelo Chiado, passando pela Praça de Camões, descendo a ladeira em direção ao Elevador da Santa Justa, em direção às ruínas da Igreja do Carmo, vamos encontrar as mesmas vistas no dia a dia do poeta.

319_especial_5_8Os elétricos circulando lentos em direção a Mouraria seguem o seu caminho. A estação do Rossio, agora remodelada, de onde os comboios partem para Estoril e Cascais, continua presente.

A Catedral de Sá está na rota do Terreiro do Paço.

No cais de Ribeira, o velho mercado oferece a tradicional Ginja, licor elaborado em Óbidos, tradição permanente para os que chegam pela primeira vez em Lisboa.

Fechado, solitário, Fernando Pessoa teve relacionamento instável com sua amiga Ophilia, onde a comunicação por correspondência era o elo disponível, o único modo de o poeta expressar a sua alma. Nas cartas, Fernando dizia que sua vida era focada apenas na sua obra literária; o seu sonho, a sua meta no roteiro por ele escolhido.

319_especial_5_9Perdendo os cabelos, de modo rápido, para evitar a exposição da careca, adota como vestuário o uso do tradicional chapéu. Sem ele, pareceria nu, exposto às troças e aos risos.

“É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.

O Castelo de São Jorge continua vigilante, agora restaurado e com iluminação adequada para as quentes noites dos verões de Lisboa.

Além da Mouraria, a Igreja de Santa Engracia, a Feira da Ladra, tradição de séculos com seu comércio de pulgas, permitem recordar antigas e novas lembranças.

“Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

Nunca me vi nem achei.

De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma”.

Os trabalhos de John Millin estão entre os artigos e livros sobre destino e o significado das estrelas. Indo em direção à Igreja de Sta. Apolônia e do atual Panteão, na histórica Casa dos Bicos, antiga residência do filho de Afonso de Albuquerque, Vice-Rei do Império Português na Índia, hoje ele encontraria o memorial dedicado a outro escritor famoso de Portugal. O Nobel José Saramago teve suas cinzas colocadas juntos à oliveira que veio de sua terra natal. Momento de reconciliação do escritor rebelde em briga com conservadorismo da sua Pátria.

319_especial_5_10Em direção ao atual Parque das Nações, além do Aquário, dos Museus, do Hotel 5 estrelas e do teleférico de acesso, Parque Monumental homenageia outro herói de Portugal: Vasco da Gama.

Espremida entre a expansão de uma Espanha desafiadora e o mar, não havia outro caminho para a brava gente portuguesa. Um desafio estava proposto, os deuses dos mares precisavam ser vencidos.

Fernando Pessoa, pela imaginação, pela inspiração, através da escrita soube muito bem apresentar e descrever a Conquista dos Mares e elogiar a epopeia da alma portuguesa.

Mar Português e o Monstrengo, versos que nos encantam, nas suas estrofes mostram o desafio, os sonhos do Infante Dom Henrique e dos seus sucessores.

319_especial_5_11O mostrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,

E disse: Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?
E o homem do leme disse, tremendo:

El-Rei D. João Segundo!

De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?
Disse o mostrengo, e rodou três vezes.

Três vezes rodou imundo e grosso.
Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?

E o homem do leme tremeu, e disse:

“El-Rei D. João Segundo!”

Para descobrir Fernando Pessoa é necessário reviver Lisboa, circular pelos locais onde viveu e se inspirou, descobrindo assim os seus dramas e sonhos não realizados.

“Carpe Diem”

” Triste de quem vive em casa,

Contente com o seu lar,

Sem que um sonho, no erguer da asa,

Faça até mais rubra a brasa

Da lareira a abandonar “.

” Fernando Pessoa “


FELIPE DAIELLO – Autor, dentre outros livros, de “Palavras ao Vento”, “Ventos do Deserto” e ” A Viagem dos Bichos” – Saiba mais.

www.daiello.com.br

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