ISRAEL, UM PAÍS OTOMANO? – POR MARCOS WASSERMAN, DIRETO DE ISRAEL

Para que Netaniyahu, Primeiro Ministro de Israel, tinha que impor todo seu prestígio e quase que à força fazer passar a atual Lei da Nacionalidade? Para quê? Se ele deu um tiro no próprio pé, logo mais saberemos.

A pergunta é um duplo sinal de interrogação. Soa até absurdo formulá-la. Israel, para variar, passa momentos de turbulência política interna, tanto quanto me recordo há muitos anos que isto não ocorre por causa de uma lei promulgada pelo Parlamento daqui. É a controvertida e polêmica, “Lei da Nacionalidade”, que repercute e extravasa as fronteiras de Israel.

Não vou aborrecer meus prezados leitores numa talvez vã tentativa de explicar a lei sob o aspecto jurídico acadêmico, vou expor algumas ideias que espero sejam esclarecedoras.

No Brasil, por exemplo, se alguém pergunta qual é a sua nacionalidade? A resposta é óbvia: sou brasileiro. A nacionalidade se confunde com a definição de cidadania. Não há diferença. Brasileiro é brasileiro. Nos Estados Unidos, na França, e muitos outros países, o americano é americano, o francês é francês. Não importa sua origem ou religião. Retrocedamos.

O Império Otomano se manteve por mais de 400 anos, dominando uma enorme área territorial que abrangia também a Palestina. Os turcos na época foram muito inteligentes. Não havia separação entre a Religião e o Estado, embora a religião oficial do Império fosse o Islã.

No Império Otomano, as minorias usufruiam de um status muito especial, de uma certa autonomia, como por exemplo casamento, divórcio e outros assuntos de família, eram privativos de cada Comunidade. Isto valia para os judeus, cristãos e outros. As minorias eram obrigadas a respeitar a lei civil turca, mas tinham a liberdade de, cada um na sua comunidade, Igreja, Templo ou Sinagoga, manter uma vivência independente, que era respeitada por todos e para todos.

O Império Otomano caiu em 1918, mas os princípios acima mencionados se mantiveram em vários países. Quando a Inglaterra assumiu o Mandato sobre a Palestina, eles resolveram ser inteligentes como os turcos. “Se era bom para eles, é bom para nós também”, e mantiveram o sistema na Palestina.

Proclamado o Estado de Israel, após a partilha de 1947, os Pais da Pátria com Ben Gurion à frente proclamaram os princípios da Declaração de Independência, e ficou estabelecido que se promulgaria a curto prazo uma Constituição, o que não aconteceu. Mas, ficou óbvio que o que era bom para os turcos, e também para os ingleses, também valia para os judeus. E mantiveram o sistema do Império Otomano.

Para que fique claro: também em Israel não existe separação entre a “Igreja e o Estado”. Judeus só podem se casar ou se divorciar no Rabinato; Os muçulmanos idem, nas suas respectivas instituições jurídico-religiosas. Já um católico pode se casar na Igreja, mas não pode se divorciar por que a Religião Católica não permite.

Como ferrenho Sionista, ao fazer minha aliá eu tinha certeza de que seria definido como israelense. No dia que recebi minha carteira de identidade, decepcionado, descobri que a minha nacionalidade era – judaica. Ora, era o óbvio ululante que eu fiz minha aliá como judeu, baseado na Lei do Retorno.

Descobri então, que toda a população israelense estava organizada, inclusive até hoje, nos princípios da Lei Otomana. As comunidades, judeus, cristãos, muçulmanos e outros, gozam de um pretenso privilégio de poderem manter de forma autônoma suas vidas civis familiares, em conformidade com suas respectivas religiões.

Não vou agora ingressar na enorme problemática e na complexidade dos problemas jurídico-familiares, para gáudio dos advogados que militam na área de direito de família nos Tribunais de Israel.

Ocorre que, há anos atrás, o legislador foi obrigado, respeitando a herança otomana, a alterar a definição de nacionalidade. Nas carteiras de identidade a nacionalidade não mais definia que comunidade o cidadão pertencia. Finalmente, e isto foi um grande êxito: o israelense passou a ser a definição de nacionalidade.

Pois bem, agora vem a nova Lei da Nacionalidade que está provocando um tumulto nunca visto. Os líderes da comunidade dos Drusos, em Israel, que são cidadãos plenos e servem o exército, sentem-se profundamente ofendidos porque, segundo eles, a nova Lei da Nacionalidade os coloca num patamar inferior, de cidadãos de segunda categoria.

Alguns ministros já se deram conta, enquanto escrevo essas linhas, que eventualmente tenham se precipitado promulgando aquela lei. Não escondem seu pensamento de que ela deve ser alterada. A opinião pública também está dividida, como esteve o Parlamento na votação da lei aprovada por uma diferença mínima de votos.

Neste momento o Parlamento de Israel está em recesso de verão. A situação em Gaza num estado preocupante de ebulição. Lá no norte, a poucos passos da fronteira de Israel, a vida é um inferno e todo mundo sabe o que está acontecendo por aquelas bandas, mas ninguém mexe um dedo.

Entrementes, certas correntes fundamentalistas religiosas em Israel também estão contribuindo para desequilibrar o status quo que se mantém há longos anos entre os judeus.

Numa certa localidade de maioria religiosa chegaram a obrigar, sem êxito, que os homens e as mulheres andassem nas ruas em calçadas separadas. Há linhas de ônibus em que os homens sentam nos bancos dianteiros e as mulheres atrás. Também nas universidades começam a separar homens e mulheres em diferentes classes de estudo ou se coloca um painel de separação entre os estudantes de sexos diferentes.

Para que Netaniyahu, Primeiro Ministro de Israel, tinha que impor todo seu prestígio e quase que à força fazer passar a atual Lei da Nacionalidade? Para que? Se ele deu um tiro no próprio pé, logo mais saberemos.

E eu me pergunto baixinho, para ninguém ouvir – será que ainda vamos virar um país judaico tipo otomano?


MARCOS WASSERMAN – É advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e reside em Tel Aviv, Israel.

mlwadvog@netvision.net.il

www.wasserman-lawoffice.com

20
20