LICY, UMA GRANDE MULHER – POR MENDY TAL
Como é difícil hoje encontrar uma mulher de tamanha grandeza, ou mesmo um homem, com tanta coragem e tanto amor pelos filhos.
Licy, nascida em Ketsar el Kbir. Alcazarquibir. Marrocos. No último dia 5 de Janeiro minha mãe faria 100 anos.
Ao me concentrar em sua memória, realizo o quanto essa mulher foi corajosa durante a vida.
A mais velha de sete irmãos, ajudava sua mãe para cuidar de todos eles.
Como era natural naquele tempo, minha mãe foi prometida para meu pai. Saadia, seguindo os costumes judaicos.
Logo antes do casamento, ela perguntou para sua mãe onde estaria o amor, e minha avó Rachel disse que viria com o tempo.
O jovem casal tinha uma vida confortável em Larache, uma pequena cidade do Marrocos. Tiveram 4 filhos e eram rodeados de família.
Com a nomeação de um novo rei, a situação dos judeus ficou incerta e eles resolveram largar tudo, tudo mesmo, e ir para Barcelona.
Foi um tempo difícil. Tiveram que pedir guarida para uma cunhada de Licy por alguns meses.
Então alugaram um espaço onde poderiam montar um mercadinho e morar nos fundos da loja. Mesmo assim, a luta ainda era grande. Não conseguiam fechar o mês.
Meu pai Saadia, então, foi trabalhar na sinagoga de Barcelona e ainda era professor de Bar Mitzvá, o que se transformou em mais trabalho para minha mãe.
Seus dias envolviam alimentar 4 filhos, cuidar da casinha, sem aquecimento, lavar todas as roupas com água gelada, administrar a vendinha e programar o futuro de nós quatro.
Primeiramente, nos matricularam na Escola Francesa de Barcelona, para que não precisássemos aprender catequismo.
Com o crescimento de cada filho, minha mãe buscou ajuda de seu irmão Simon, um Tzadik.
Meu irmão mais velho conseguiu ser admitido numa universidade francesa por mérito próprio e logo se enamorou de uma jovenzinha judia e casou com ela. Até hoje!
Assim, a perspectiva dele voltar para ajudar meus pais desapareceu.
Então, éramos três.
Minha mãe logo percebeu que seu segundo filho estava sofrendo para estudar. Ela rapidamente com a ajuda de Simon, decidiu que voltaria ao Marrocos e deixaria meu irmão longe, para que cursasse seus estudos numa organização técnica judaica.
Foram anos de separação entre os dois, mas a carreira de Jaime floresceu e ele acabou vencendo e indo morar em Genebra.
Então, éramos dois.
A filha, sendo mulher numa era machista só teve oportunidade de aprender profissões e assim, fez Alyah e uma linda família, mas longe de minha mãe.
Mais uma vez, percebendo o perigo de minhas amizades suspeitosas, recorreu novamente a seu irmão, que me colocou numa escola judaica em Paris.
De lá, também rodei o mundo e não voltei mais para Barcelona.
O altruísmo de minha mãe foi gigantesco. Em nome de um bom futuro para seus filhos, ela tomou decisões doloridas.
Licy e Saadia moraram em Barcelona sozinhos, até a morte de meu pai, em 1992.
Filhos e netos sempre os visitavam, mas as saudades eram grandes.
Depois da morte de meu pai, minha irmã a levou para Israel e tomou conta dela com muito carinho.
Mesmo próxima de alguns irmãos e de sua filha e netos, Licy, aos 75 anos se sentia desenraizada. Foi ficando mais velha e doente e se encolhendo, morrendo depois de alguns anos.
Como é difícil hoje encontrar uma mulher de tamanha grandeza, ou mesmo um homem, com tanta coragem e tanto amor pelos filhos.
Descanse em paz, minha mãe!!
Mendy Tal – Cientista político e ativista comunitário