NOSSOS PIRATAS – POR HENRIQUE VELTMAN
A partir do século XVI a multidão de judeus pobres, desvalida e desamparada, exilada da Europa e sem auxílio nem proteção, foi transportada da Holanda pela Companhia das Índias Orientais, inicialmente para Pernambuco, depois para as ilhas e colônias do Caribe. E foi ali que muitos deles se juntaram às naus piratas, (dos holandeses e dos ingleses) para tomar os produtos de saques dos espanhóis e portugueses roubados dos indígenas e povos pré-colombianos do México, das Antilhas e da América do Sul, principalmente ouro, prata e diamante.
A invasão do Rio pela tropa de Duguay-Trouin completou há poucos dias 309 anos. O corsário francês entrou na Baía de Guanabara em 12 de setembro de 1711. Comandava uma esquadra de 17 navios e mais de 5.800 homens, com ordens do rei Luís XIV para levar o que estivesse ao alcance. Assustado, o governador abandonou a cidade à própria sorte. Os bucaneiros ameaçaram destruir tudo se não recebessem o resgate desejado. Partiram com 610 mil cruzados, cem caixas de açúcar e 200 bois.
Passados três séculos, o Rio de Janeiro continua a conviver com pilhagens. Os novos corsários falam português e dispensam o uso de fragatas. Acessam o cofre com a permissão do eleitor.
Mas falemos dos nossos corsários, também conhecidos como piratas. Eles eram homens que se dedicavam ao roubo de cargas de embarcações. Eram financiados por governos que queriam provocar prejuízos econômicos às nações inimigas.
O período em que a ação destes piratas foi mais efetiva ocorreu entre os séculos XV e XVIII.
Os corsários viviam fora da lei, realizando roubos e comércio ilegal de mercadorias. Eram organizados e costumavam dar preferência pelo saque de embarcações carregadas de metais preciosos.
O Brasil sofreu o ataque deles durante o século XVI. Como Portugal ainda não havia colonizado o litoral brasileiro, os corsários costumavam explorar ilegalmente o pau-brasil da Mata Atlântica. A criação do sistema de capitanias hereditárias pela corte portuguesa tinha como um dos objetivos principais evitar o ataque dos corsários no litoral brasileiro.
Em tese, a prática do corso foi extinta no século XIX. O Tratado de Paris (1856) colocou fim oficialmente a esta prática ilegal.
Nada obstante, os judeus tiveram um papel importante no corso, na pirataria. Eu aprendi que a diferença entre corsário e pirata era bem simples, o corsário agia, geralmente, com o apoio, discreto ou não, das testas coroadas, reis e rainhas da civilizada Europa. Já os piratas eram os rebeldes, a livre iniciativa do roubo. E justamente aí operavam nossos incríveis patrícios.
Sinan, conhecido como o Grande Judeu, nasceu na Turquia, primeiro ajudante do Barba Ruiva, atuava no Mediterrâneo sendo nomeado depois como supremo comandante da marinha do sultão otomano. Seus restos mortais estão no cemitério judaico de Tirana, na Albania, na sua bandeira havia o Maguen David. Sua matzeiva está inscrita (até onde se consegue ler, está muito avariada) em hebraico e português.
Após o decreto assinado pelos famigerados reis de Castela, Fernando e Izabel em 1492, a Igreja Católica, pelos tribunais do Santo Ofício torturou, expulsou, matou e confiscou todos os bens da comunidade judaica de Portugal e Espanha em nome da Inquisição. Eu detestei a série de TV, Isabel de Castela, transmitida recentemente pela Globosat, Teve gente que gostou.
Muitos judeus, levando poucas roupas e alguns objetos de uso pessoal, fugiram para a Holanda, Marrocos. Ilhas gregas e para o Caribe recém-descoberto, em busca da moral, da sua religiosidade e da liberdade social e econômica para sua sobrevivência e da sua família. O primeiro êxodo pelo Oceano Atlântico se deu com a expedição de Cristóvão Colombo que partiu do porto de Palos, na região da Andaluzia, para ‘descobrir’ as Américas em 1492. Quando estive em Curaçau, nos anos 1990, visitei o pequeno museu da primeira Sinagoga das Américas em funcionamento até os dias atuais, localizada na Rua Cristóvão Colombo (Cristóbal Colon Strasse), aquela sinagoga de chão de areia. Ali mesmo vislumbrei um sefer Torá muito antigo, supostamente conduzido por Colombo em sua nau caravela. Antiga, mas não sei se é história ou lenda, a conferir.
A partir do século XVI a multidão de judeus pobres, desvalida e desamparada, exilada da Europa e sem auxílio nem proteção, foi transportada da Holanda pela Companhia das Índias Orientais, inicialmente para Pernambuco, depois para as ilhas e colônias do Caribe. E foi ali que muitos deles se juntaram às naus piratas, (dos holandeses e dos ingleses) para tomar os produtos de saques dos espanhóis e portugueses roubados dos indígenas e povos pré-colombianos do México, das Antilhas e da América do Sul, principalmente ouro, prata e diamante. Assim, entre outros motivos, a fim de que estes tesouros não chegassem às mãos de governantes da península Ibérica e Itália, que eram comandados pela Igreja Católica. Era a vingança dos judeus contra todos e tudo que passaram na Europa, constituindo um verdadeiro golpe contra as gloriosas armadas espanhola e portuguesa, ditas como invencíveis, espalhando terror entre elas.
Nas ilhas do Caribe desenvolveram uma nova vida e se fortaleceram. Ali, muitos judeus se fizeram piratas e corsários, navegando em busca da liberdade e como um ato de vingança contra aqueles que os humilharam, expulsaram e confiscaram seus bens.
Um grande número chegou ao Caribe com as naus holandesas no Século XVII após serem expulsos pelos portugueses do Nordeste Brasileiro em 1654. Houve intensa miscigenação com as populações indígenas e negras como, aliás, já havia acontecido no interior nordestino do Brasil. Havia judeus no Quilombo dos Palmares.
No Caribe, os piratas judeus, orgulhosos de sua origem e identidade, deram nomes hebraicos aos seus barcos; ainda hoje, em Curaçau e nas ilhas vizinhas, podem ser avistadas embarcações nomeadas como “Escudo de Abraham”, “Profeta Samuel” e “Rainha Ester”. Nos antigos cemitérios judaicos espalhados na Jamaica, Curaçao, Bonaire, Aruba, Barbados, outras ilhas, e em Nova York, em Chatam Square, sepulturas inscritas em hebraico ou português, ao lado do símbolo pirata da caveira com dois ossos entrelaçados. Preservavam o Shabat não lutando nos dias santificados e em algumas ilhas montaram pequenas sinagogas em solo arenoso. Por que na areia?
Entre os piratas judeus mais notáveis se destacam nomes como Dom Moisés Cohen Enriques e seu irmão Abraão, que se aliaram ao almirante holandês Piet Hayne em 1628; o rabino Samuel Pallache, marroquino, amigo pessoal do príncipe holandês Maurício de Nassau, que tinha bandeira holandesa em sua nau com tripulação marrana; o francês Jean Lafitte, que ajudou Andrew Jackson a derrotar os ingleses na batalha de Nova Orleans em 1815; e Yacov Mashaj e sua esposa Deborah; David Abravanel, descendente de rabinos espanhóis e possivelmente antepassado do nosso Silvio Santos: escapando da Inquisição foi para as Antilhas se tornando bucaneiro, assolou as costas sul-americanas, utilizando o pseudônimo “Capitão Davis”, comandou uma nau caravela chamada “The Jerusalém” – tinha a característica de não atacar no Shabat e seus alimentos eram rigorosamente “casher”,
Há documentos de viagem escritos em caracteres hebraicos. O Capitão Davis era amigo do filho do corsário Sir Francis Drake e estabeleceram uma aliança anti-espanhola que ficou conhecida como “Fraternidade da Bandeira Negra”, a BLACK FLAG FRATERNITY. O judeu Yakov Curiel possuía três barcos corsários, e em certa época abandonou suas atividades, viajou para a Palestina onde se dedicou ao estudo da Cabala em Safed (Tsfat), de 1534 a 1572, foi aluno de Isaac Luria. Foi sepultado no velhíssimo cemitério de Tiberiades, junto ao tumulo de Luria.
Aqui do lado
Com a descoberta das Américas, os piratas se concentraram nas riquezas que eram extraídas para serem levadas à Europa. O litoral brasileiro não ficou imune às investidas dos piratas e Ilhabela foi palco de muitos deles desde 1553. Principalmente no lado leste da ilha onde, por sua costa acidentada, os ladrões dos mares podiam esconder-se e ao mesmo tempo fazer reparos em suas embarcações e abastecê-las.
O Saco do Sombrio era o ponto perfeito para isso; ficavam à espreita para atacar os navios espanhóis e portugueses que por ali passavam. Até o padre José de Anchieta, em 1582, que ia de Santos ao Rio de Janeiro de canoa teve que ancorar em Ilhabela por conta do ataque de Edward Fonton, corsário inglês. Outros piratas passaram por Ilhabela e deixaram marcas: Francis Drake, Anthony Knivet e Duguay-Trouin.
O mais famoso pirata que por Ilhabela passou, sem sombra de dúvida, foi Thomas Cavendish. “Em 1591 Cavendish deixou o porto de Plymouth, na Inglaterra, com cinco navios e mais de 400 homens, e rumou para Ilhabela. O objetivo inicial da esquadra era atacar a Vila de Santos, e a frota ancorou na Ilha para se reabastecer e arquitetar seus planos”.
“O ataque foi armado para a noite de Natal desse ano, quando dois navios ingleses entraram na pequena vila e aprisionaram toda a sua população, que então assistia à Missa do Galo na igreja local. Com a cidade dominada, o resto da esquadra foi chamada em Ilhabela para realizar a pilhagem”.
Os piratas permaneceram ali, dominando os habitantes e a guarnição militar portuguesa até 3 de fevereiro de 1592, quando partiram rumo ao Estreito de Magalhães para tentar a circunavegação do globo.
Cavendish já havia realizado a façanha, pelo que era considerado um herói na corte da rainha Elizabeth I. A esquadra quase foi dizimada pelas tormentas no extremo sul do continente. Dois navios afundaram, e os três remanescentes se perderam uns dos outros. Cavendish retornou com seu galeão Leicester para Ilhabela, em busca de abrigo seguro para reparar o navio e reabastecê- lo. Aqui encontraram outro navio de sua esquadra, o Roembuck, e aportaram.
Poucas semanas depois tiveram que enfrentar uma esquadra portuguesa chefiada por Martim Correia de Sá, que veio combatê-los. Fugiram para o norte, na direção do Espírito Santo. E retornaram à Ilhabela alguns meses depois, com o projeto de queimar um dos navios, equipar o outro e seguir novamente para o Estreito de Magalhães.
“Com medo, parte da tripulação amotinou e se refugiou na Ilha. O capitão do navio Roembuk, o judeu Abraham Cocke, teria descido definitivamente em Ilhabela com seus homens. O fato é que nunca mais se ouviu falar deles. Cavendish tentou retornar à Inglaterra com o Leicester, mas morreu doente à bordo, no final de 1592, antes do navio alcançar seu destino”.
Praia do Bonete
A maioria dos moradores da praia do Bonete, no leste da ilha, tem olhos de um azul profundo. Muitos dos que nasceram lá contam que seus antepassados eram descendentes de piratas.
Todas essas informações sobre a presença dos piratas na Ilhabela foram publicadas pelo jornal Imprensa Livre, de São Sebastião. Nos cadernos de fim de semana, as histórias da Ilhabela e da passagem de piratas e judeus eram uma constante – muitas delas assinada pelo jornalista Laerte Fernandes.
Fontes:
-Simão Arão Pecher – Academia Brasileira de Médicos Escritores (ABRAMES) – simaopecher@yahoo.com.br
-Edward Kritzler: Jewish Pirates of the Caribbean. 2008.
-Mordechai Arbell: The Jewish Nation in the Caribbean. 2002.
-Moshe Vainroj: Los Piratas Judios de Jamaica. ESefarad. 2010.
-Rabino Nissan Ben Avraham: Piratas Judeus no Caribe. Shavei Israel. 13.10.2013.
-Reginaldo Jonas Heller: Diáspora Atlântica=A Nação Judaica no Caribe, séculos XVII e XVIII – Tese de pós-graduação-Universidade Federal Fluminense. 2008
-Simão Arão Pecher: Inquisição e Nazismo. Comité Israelita do Amazonas. 2.10.2013.
Jornal Imprensa Livre, São Sebastião, 2004, 2005, 2006
HENRIQUE VELTMAN é jornalista.