FREDDY GLATT – O MENINO QUE VENCEU HITLER – POR VICTOR GRINBAUM
“Freddy”, como gostava de ser chamado desde a primeira infância, foi um homem notório pelo bom humor e pela paixão pela vida. Adorava fazer todos à sua volta rirem com piadas, pegadinhas e caretas. Era como se sempre sacasse do bolso um pedaço da meninice que lhe foi roubada pelo Holocausto.
No final de 1947, o Brasil ganhou mais dois moradores. Desembarcados do navio Désirade no Porto do Rio, dois sobreviventes de guerra, mãe e filho, se tornaram logo em seguida pacatos e trabalhadores cidadãos do que era então o Distrito Federal. Era o ponto final de um pesadelo que começou em 1933, na capital da Alemanha, e que destruiu a família Glatt: a chegada do nazismo ao poder. E um roteiro de fugas por três países com direito a perseguições, fome, medo e resistência. Esta, acima de tudo.
70 anos depois, Siegfried, o filho de Rosália, lançava seu livro de memórias, contando nele toda tragédia que começou quando ele tinha apenas cinco anos, e que destruiu o casamento de seus pais e custou as vidas de seus dois irmãos mais velhos e de seus avós.
“Freddy”, como gostava de ser chamado desde a primeira infância, foi um homem notório pelo bom humor e pela paixão pela vida. Adorava fazer todos à sua volta rirem com piadas, pegadinhas e caretas. Era como se sempre sacasse do bolso um pedaço da meninice que lhe foi roubada pelo Holocausto.
Conhecer sua biografia é percorrer um roteiro agridoce. Há momentos em que os acontecimentos são tão fantásticos que mais parecem ficção. Mas foi tudo verdade – documentada, testemunhada e compartilhada por outros milhões de sobreviventes.
Em 2015, após a morte de outro sobrevivente do Holocausto, o Sr. Aleksander H. Laks, Freddy assumiu a presidência da Sherit Hapleitá do Rio de Janeiro, a associação dos judeus sobreviventes da Shoah. E tal como seu antecessor, fez dezenas de palestras em instituições de ensino, levando sua história pessoal como ferramenta de ensino de História com agá maiúsculo.
Freddy, o menino franzino que queria ser grande e forte, acabou se tornando tão gigante que foi capaz de vencer ninguém menos que Hitler. E depois se casou com Betty, outra refugiada, com quem teve três filhos: Ruth, Myriam e Norbert. Que por sua vez lhe deram seis netos e três bisnetos. Sempre que podia, ele dizia a respeito de sua descendência: “eis a minha maior vingança contra Hitler”.
Foi somente aos 93 anos que Freddy Glatt finalmente tombou. Abatido por um inimigo invisível: o Coronavírus. Resistiu por meses às sequelas da pandemia, mas na última quarta-feira, 14 de julho, seu organismo finalmente cedeu. E o menino cuja infância foi roubada pela estupidez das ideologias foi se reencontrar com as demais crianças de sua geração.