ANTES QUE SEJA TARDE – Por Jacques Ribemboim

São incontáveis as iniciativas de amizade entre judeus e palestinos em Israel, não raro cursando as mesmas escolas e universidades, sendo tratados nos mesmos hospitais, conquistando cadeiras no parlamento, jogando nas mesmas equipes de futebol, trabalhando lado a lado, reforçando a sociedade e a economia do país. Notícias que infelizmente são pouco divulgadas nos jornais.

Sendo judeu e com familiares vivendo em Israel, tenho recebido expressivas mensagens de solidariedade, em repúdio ao ato terrorista cometido pelo Hamas no dia 7 de outubro. A condenação clara e inequívoca àquela chacina une pessoas de todos os credos e etnias.

Por incrível que pareça, há exceções. E são particularmente graves entre jornalistas e professores universitários, motivados por paixões ideológicas, ignorância ou puro antissemitismo. São pessoas que buscam contemporizar os atentados e equipará-los à contraofensiva do Estado de Israel em defesa de seus cidadãos. Citam slogans de efeito, retóricas franzinas, refrões de há muito corroídos. Cegueira moral, para usar a expressão de Saramago.

Em momentos assim, reflui a falácia de que “os judeus roubaram a terra dos palestinos”. Ou, então, que “Israel é um agente do imperialismo americano”. Corolários erguidos em falsas premissas. De tão repetidos, corre-se o risco de conquistarem novos adeptos.

Não seria preciso retroceder aos tempos bíblicos, ou ao ano de 135 d.C, quando o imperador romano Adriano decide esmagar impiedosamente a revolta de Barcoquebas contra os romanos, empreendendo um banho de sangue por toda a Judeia, deportando seus sobreviventes e mudando o nome do lugar para Philistea – agraciando seus aliados filisteus (um dos povos das redondezas que desapareceria na poeira do tempo). Não fosse a ação do cruel monarca, o território permaneceria como Judeia.

Melhor seria simplesmente retroceder ao ano de 1947, por ocasião da partilha da Palestina pelas Nações Unidas, que votaram a favor da criação de um estado judeu e um estado árabe. A Palestina desde Adriano mudara de mãos diversas vezes, mas desde o século 16 pertencia ao império turco-otomano até sua debacle ao final da I Guerra Mundial, passando a ser um protetorado britânico, ali residindo muçulmanos, cristãos e judeus. Ressalte-se os termos utilizados na partilha: um estado judeu e um “estado árabe”. Não havia menção a “palestino” que, diga-se de passagem, era mais usado na época para designar os judeus da região (selos, livros, moedas de época são provas materiais dessa afirmativa).

Aliás, a existência de um “povo palestino”, em sua atual concepção e com aspirações nacionais, responde a uma evolução sociopolítica pós-1948 (ano da fundação de Israel), ou, mais precisamente, pós-1967, (ano da Guerra dos Seis Dias, quando Israel conquistou a Faixa de Gaza ao Egito e a Cisjordânia à Jordânia). Em parte, esta evolução foi fomentada como uma estratégia árabe e soviética para deslegitimar a presença judaica na Terra Santa e eliminar qualquer introjeção ocidental no Oriente Médio. Desafia-se, aqui e agora, alguém que consiga encontrar uma única menção ao povo palestino e suas pretensões a um estado nacional em publicações anteriores à década de 1960. Vale procurar em alfarrábios, velhas revistas ou artigos de jornal – nada será encontrado. Entre 1948 e 1967, a Faixa de Gaza era Egito e a Cisjordânia era Jordânia, ponto.

Mas, agora, não importa lucubrar sobre as origens desse povo, se seria ou não resultante da guerra fria. Importa, sim, que os árabes palestinos se reconhecem hoje como um povo e, portanto, possuam aspirações nacionais legítimas. Afinal, o território do antigo mandato britânico, embora não vasto, é suficiente para abrigar Israel e mais um ou dois estados palestinos (em se considerando a hipótese de que a Faixa de Gaza e a Cisjordânia não consigam se unificar).

Quanto à celeuma de Israel ser um preposto dos Estados Unidos, basta lembrar que o primeiro país a reconhecê-lo como nação foi a União Soviética e que o armamento de defesa na guerra da Independência era fornecido pela então Tchecoslováquia. Israel tem suas origens em bases socialistas (kibutzim) e até hoje a esquerda é muito forte no país. Na guerra de Suez, em 1956, foram a Inglaterra e a França os principais aliados, não os Estados Unidos que, na verdade, tornaram-se os grandes apoiadores de Israel em décadas mais recentes. Atualmente, o estado judeu se constitui na única autêntica democracia do Oriente Médio.

O principal entrave à paz são os grupos armados extremistas. Em um artigo que publiquei em 2014, já citava o problema: “O Hamas não esconde sua missão histórica de erradicar Israel. Está escrito em sua carta estatutária. Ocorre que este grupo ocupa o governo de Gaza desde 2006. Emerge, então, uma curiosa assimetria de forças e moralidades: Israel tem o poder de destruir Gaza, mas não tem a intenção, e o Hamas tem a intenção de destruir Israel, mas não tem o poder”.

Que fique claro, portanto, Israel não deseja perseguir palestinos ou impedir a materialização de seu(s) estado(s). Pelo contrário, a maioria da população israelense almeja fronteiras seguras junto a nações amigas com as quais possam intercambiar mercadorias e riquezas culturais, condições perfeitas para o desenvolvimento.

São incontáveis as iniciativas de amizade entre judeus e palestinos em Israel, não raro cursando as mesmas escolas e universidades, sendo tratados nos mesmos hospitais, conquistando cadeiras no parlamento, jogando nas mesmas equipes de futebol, trabalhando lado a lado, reforçando a sociedade e a economia do país. Notícias que infelizmente são pouco divulgadas nos jornais.

Ademais, nos últimos anos, as relações diplomáticas com países árabes têm se intensificado. Não fosse a aguda do Hamas em Gaza (sessenta quilômetros ao sul de Telavive), ou do Hezbollah (no sul do Líbano, fronteira norte de Israel), certamente a paz já estaria consolidade. Países como Egito, Jordânia, Tunísia, Mauritânia e Marrocos já tiveram ou continuam tendo embaixadas formais. Conversações avançadas estão em curso com a Arábia Saudita, os Emirados e Bahrein. Isso sem mencionar a convivência da Autoridade Nacional Palestina, sediada em Ramallah.

É preciso ser otimista. Acreditar que a paz seja possível entre árabes e israelenses. Condenar o Hamas por suas ações terroristas, exigir a libertação dos reféns, assegurar a liberdade de expressão, requerer a instalação de governos laicos e democráticos em Gaza. Antes que seja tarde e nada mais valha a pena.


Jacques Ribemboim

O escritor, engenheiro, economista e professor Jacques Ribemboim é integrante da Academia Pernambucana de Letras. Historiador, tem diversos livros publicados sobre a história judaica em Pernambuco.

Ele é Professor Titular da UFRPE, onde leciona disciplinas de economia. Ocupará a Cadeira nº7, que pertenceu ao Professor José Luiz Mota Menezes. Jacques Ribemboim chega à APL lastreado em ações, obras e sentimentos.
Quando indagado sobre o que sentiu ao ser eleito, responde: “É uma honra para qualquer escritor ocupar uma vaga na Academia Pernambucana de Letras. Na verdade, sinto que a responsabilidade aumenta e prometo continuar sempre em luta pelos nossos valores culturais”.

MILITÂNCIA
Formado em engenharia mecânica, economia e engenharia de petróleo, Ribemboim possui um perfil não muito frequente àqueles que chegam à casa alta da literatura pernambucana. Ativista cultural e ambiental desde os anos 90, época em que trabalhou na Petrobrás, foi fundador da ONG Civitate, com o propósito de resgatar a qualidade habitacional dos bairros centrais do Recife.

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