GUERRA ENTRE O ESTADO DE ISRAEL E O HAMAS/HEZBOLLAH: O INÍCIO DA TRANSIÇÃO DE MEDINAT YISRAEL PARA ERETZ YISRAEL – Por Elias Silva

O objetivo deste artigo é projetar o cenário que emergirá do pós-guerra entre o Estado de Israel e integrantes do Hamas/Hezbollah. Baseia-se numa percepção pessoal, sem conotação proselitista e que está centrada em fatos e em situações prognosticáveis para a realidade israelense. Assim, como demonstrarei à frente, entendo que o pós-guerra dará início ao que denomino de transição entre *Medinat Yisrael para **Eretz Yisrael.

Como argumento inicial, penso ser importante registrar que, quando os meus amigos não-judeus me perguntavam como era Israel e se valeria a pena conhecer o país, os encorajava e dizia-lhes que ninguém iria lá em vão e nem voltaria o mesmo, haja vista a singularidade espiritual da Terra Santa e a possibilidade de interagir com elementos históricos e culturais das três grandes religiões monoteístas – Judaísmo, Islamismo e Cristianismo. Também eram frequentes as perguntas sobre a questão da segurança, ao que lhes respondia que me sentia mais seguro lá do que em uma grande cidade brasileira.

Agora, eles não pretendem mais ir, por conta da atual situação do país. Até quando isto persistirá? É certo que dependerá de como será o pós-guerra, que se imagina um cenário bem diferente do quadro atual, pois é de se supor que serão implementadas medidas estruturais (de Estado) e ocorrerão alterações comportamentais significativas nas pessoas, aos moldes – sem exagero – de um “Novo Israel”.

É evidente que esse cenário pós-guerra interessa a muitos players, dada a importância estratégica de Israel no Oriente Médio e, por derivação, em termos mundiais, notadamente pela aliança estratégica que mantém com os Estados Unidos da América. Assim, me estimulei a escrever este artigo, que procura trazer algo que julgo ainda pouco explorado pelos articulistas. Na verdade, confesso que já li muitos relatos sobre o conflito estabelecido a partir de 07 de outubro de 2023, tanto da parte de israelenses quanto de pessoas de outros países, entre eles rabinos, filósofos, “especialistas” em Oriente Médio e historiadores, mas que não trazem – a meu ver – raciocínios mais elaborados sobre o pós-guerra. Até compreendo que o foco agora esteja nos desdobramentos da contra ofensiva israelense e na libertação de reféns, mas sou da opinião que seria oportuno traçar algumas projeções, em vista da importância do assunto. Afinal, com o decorrer dos fatos, estas projeções poderão ser refinadas, tornando-se mais próximas da realidade.

Nesse sentido, por conta do trauma vivenciado pela população residente em Israel e, de forma indireta, pelas comunidades judaicas da Diáspora, haja vista o fato dos ataques terem ocorrido em “casa” (em Israel), em que a sensação da dor é pior, dada a ousadia/violência do agressor e o temor de que poderá se repetir, penso que surgirá um “Novo Israel”, no que imagino ser uma transição entre Medinat Yisrael para Eretz Yisrael. Em outros termos, em seu devido tempo, entendo que ficará cristalizada na mente da sociedade israelense a compreensão de que a sobrevivência do Estado não poderá mais se pautar no cenário atual. Deste modo, é altamente prognosticável que haverá a intenção de se manter o tempo que for necessário em territórios hoje sob a administração de outros players regionais, até que se tenha a firme sensação de que não haverá mais a possibilidade de novos ataques. A questão é saber por quanto tempo será necessário, sendo lógico supor que demandará várias décadas, pois passará pela reconstrução das áreas. Portanto, se efetivada uma permanência prolongada, acredito que terá início um longo processo, que objetivará a mencionada transição, na forma de um sentimento justo e necessário.

No campo da diplomacia, não descarto que Israel venha a exigir indenizações de todos os players que deram apoio financeiro e/ou militar para a ação dos agentes agressores, a fim de ressarcir os prejuízos causados. Certamente incluirá indenizações às vítimas sequestradas e aos parentes daquelas que morreram, bem como tudo o que se entender cabível dentro do direito internacional.

Também prognostico o surgimento de um “Israel expandido”, em que as comunidades da Diáspora se sentirão cada vez mais próximas dos ideais judaicos, já que praticamente todos tiveram alguém, parente ou conhecido, vitimado por morte ou sequestro, em decorrência do ataque do Hamas e de seus desdobramentos. Como se sabe, já há muito intercâmbio religioso, econômico e cultural entre as comunidades residente e da Diáspora, mas acredito que este aspecto ficará fortalecido, até pelo fato de que serão necessários aportes humanos e financeiros para a reconstrução de áreas impactadas em Israel e para retomar negócios estratégicos, notadamente no campo agropecuário e da alta tecnologia. Assim, é certo que as diferentes agências pró-Israel – por meio de fundos e ações de voluntariado – terão papel fundamental para a retomada social e econômica do país. Enfim, projeto um sentimento crescente de identidade já visto em situações ímpares da história judaica, como por exemplo, quando da saída do Egito em direção à Terra Prometida, ao exigir punição rigorosa aos dirigentes nazistas e por ocasião da fundação do Estado de Israel. Assim, prevejo o retorno daqueles que tiveram que sair do país, até pelo fato que o fizeram a contragosto, sem contar que deixaram uma “vida” lá para ser retomada, que inclui filhos no exército e negócios a tocar. Também entendo que muitos jovens da Diáspora se interessarão cada vez mais em viver em Israel, dentro desse espírito de reconstrução e sentimento de identidade. Para tanto, é fato que mudanças estruturais precisarão ser oferecidas pelo Estado.

Como parte dessas mudanças estruturais, imagino que será implementado um rigoroso zoneamento do país, de modo a se ter faixas especiais de segurança ao longo de todo o limite fronteiriço atual. A questão a saber é qual a largura que terão e o rigor – em termos de segurança – que será empregado. Neste sentido, é fato que atualmente já incide maior preocupação em termos de segurança ao longo dos limites territoriais, mas prevejo que isto será reforçado, não só por levar em conta a (re)instalação de residentes judeus, com o concomitante aparato de segurança que lhes será oferecido, mas também para verificar a entrada de estrangeiros.

Um ponto importante e que será reforçado, uma vez que já está em curso para resolver a questão dos reféns retidos em Gaza, refere-se à busca de alianças estratégicas de Israel com o mundo árabe, como por exemplo, Bahrein e Emirados Árabes Unidos.

No campo da diplomacia, não descarto que Israel venha a exigir indenizações de todos os players que deram apoio financeiro e/ou militar para a ação dos agentes agressores, a fim de ressarcir os prejuízos causados. Certamente incluirá indenizações às vítimas sequestradas e aos parentes daquelas que morreram, bem como tudo o que se entender cabível dentro do direito internacional.

Para finalizar, penso que Israel experimentará mudanças progressivas – mas profundas – em seu sistema político e judiciário, por meio de um amplo foro nacional que se estabelecerá, em que alguns pontos serão sacramentados em definitivo, a começar pela declaração do 07 de outubro de 2023 como data nacional, ensejando uma reavaliação das Leis que têm caráter constitucional, notadamente daquelas que possuem ligação com a questão da segurança do Estado e dos seus cidadãos. Vale dizer que Israel não possui uma Constituição propriamente dita, ou seja, uma Carta Magna, o que talvez venha a ser necessário, a fim de consolidar em um texto normas dispersas. O grande desafio – que precisará ser vencido – é como a Halachá (conjunto de leis, tradições e costumes judaicos) será tratada e utilizada nesse processo de ajuste.


Detalhamento sobre Medinat Yisrael e Eretz Yisrael:

* Medinat Yisrael: Refere-se ao Estado de Israel. Em hebraico, o termo Israel tem o significado de “Príncipe de D´us” ou “Lutou com D´us”, o que se compreende como Governante ou Lutador. É um país do Oriente Médio, que se constitui em uma República Democrática Parlamentar e que foi fundado em 14 de maio de 1948. Faz divisa com o Mar Mediterrâneo e a Faixa de Gaza, a oeste; com o Egito e o Mar Vermelho, ao sul; com a Jordânia e a Cisjordânia, a leste; e com o Líbano e a Síria, ao norte. A capital reivindicada é Jerusalém, sendo Tel Aviv a administrativa. Ocupa cerca de 22.072 km2. As línguas oficiais são o hebraico e o árabe, mas a maior parte da população também tem pleno domínio do inglês. A população de Israel é da ordem de oito milhões de pessoas, sendo em sua grande maioria judaica, mas existem também árabes, drusos, circassianos e ocidentais (religiosos) de várias partes do mundo, entre outros. Como este mesmo contingente é encontrado em outros países, em vista da Diáspora, assume-se que a população judaica mundial é de cerca de 16 milhões. É reconhecido como Estado Judaico, pelo fato de ter surgido da divisão da Palestina, por decisão de Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrida em 1947, como reivindicação do povo judeu, por meio do Movimento Sionista.

** Eretz Yisrael: Conhecida como Kenaan (Canaã), é a Terra Prometida ao primeiro patriarca do povo judeu, Avraham (Abraão), bem como aos seus descendentes e aos verdadeiramente convertidos (pela via ortodoxa), conforme descrito no Tanach (24 livros sagrados, que compõem o que os cristãos denominam de Antigo Testamento). Se efetivada, ocuparia uma área bem maior que o atual Estado de Israel.


ELIAS SILVA

Professor titular universitário aposentado, pesquisador e consultor.

Graduado em Engenharia Florestal (1983), Mestre em Ciência Florestal (1986) e Doutor em Ciência Florestal (1993) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Especialista em Pesquisa, Fomento Regional e Empresarial Agropecuário pelo CINADCO – Centro de Cooperação Internacional – do MASHAV – Ministério das Relações Exteriores do Estado de Israel (1998).

eshamir@ufv.br