“SALA VIP” COM DAISY NASSER – Por Evelyn Elman

Cada obra um olhar, uma leitura, uma intensidade de emoções, muito talento. Todas, sem exceção, trazem a visão da mulher guerreira que busca através de suas mãos revelar histórias de uma vida, deixando nascer sempre algo a mais do que o esperado.

O mundo mudou muito. A mulher por anos foi coadjuvante ao lado do homem e se deparou com profundas desigualdades na sociedade. O estereótipo do que ela era, foi sendo descontruído ao longo principalmente dos últimos 100 anos. Depois de muita luta, as mulheres conquistaram a sua liberdade e o direito de terem seus desejos e aspirações, ser quem é, com sua feminilidade, seu lado materno, seus questionamentos e suas grandes conquistas em quase todas as áreas profissionais que até então, eram apenas masculinas. De coadjuvantes passaram a ser protagonistas e cada vez mais respeitadas.

Quando tive a honra de conhecer de perto as esculturas de Daisy Nasser, num primeiro momento perdi o fôlego. Cada obra um olhar, uma leitura, uma intensidade de emoções, muito talento. Todas, sem exceção, trazem a visão da mulher guerreira que busca através de suas mãos revelar histórias de uma vida, deixando nascer sempre algo a mais do que o esperado.

Liberdade, transparência, inquietudes, o incomum, o encontro consigo mesma e uma comunicação gigante através da arte tridimensional, expressam o que muitas de nós desejaríamos externalizar. O resultado são esculturas modernas, inovadoras, muitas delas intrigantes, harmoniosas, todas muito originais, alegres, desejáveis…

Se parasse por aí, já estaria bom, mas, existem seres humanos que vão muito além de sua expertise, que nasceram com a alma e o espírito privilegiados. São dotadas de uma energia positiva, sensibilidade, leveza e que transmitem sempre uma palavra de fé, amor, vivência e de esperança. Daisy Nasser é o equilíbrio entre corpo, mente e alma. Seu trabalho se conecta como um todo, uma artista completa. Não é apenas uma nota musical, mas, um acorde completo.

Convivi com raras pessoas assim. Além da bela entrevista que me concedeu, vejo uma amiga que gostaria de levar para a vida.

Conheçam o seu trabalho e apreciem um pouco da história dessa grande escultora que além de ser uma inspiração para todos nós, coloca em cada peça o que ela tem de mais nobre, a sua essência.


EE – Daisy, para aqueles que ainda não te conhecem, onde você nasceu? Conte-nos um pouco sobre a sua família, suas raízes.

DN – Nasci no Líbano, de uma família bastante numerosa. Com meus pais recém-chegados no Brasil, fui crescendo com muitos amigos. Foi uma juventude saudável. Aos 4 anos fomos para a França. O ano era 1948, Independência da Palestina. Meu pai temia os árabes que pelas ruas passavam afirmando que Israel pertencia a eles, que nós éramos os cachorros deles. Assim mesmo, papai ficou com meu irmão mais velho, trabalhando e nos esperando voltar. Foi um fato que marcou muito. Na Europa foi enriquecedor e aprendi bastante. Fomos para Dauville, Trouville, praias da França, frequentei museus, conheci muita gente e as pessoas brincavam comigo, me sentia bastante querida. Retornamos depois de um ano, aliás, voltei com muita bagagem artística, pois vivíamos em museus, inúmeros, que na verdade sinto que impregnaram na minha alma e sem dúvida foi o que contribuiu no desenvolvimento de minhas habilidades. Eu acredito que os pais devem levar suas crianças para museus, a arte se impregna pelo inconsciente, subconsciente e só acrescenta, além de ajudar aquelas que num futuro queiram seguir nessa direção.

EE – Você tem algum fato, alguma recordação que marcou a sua infância, adolescência?

DN – Dois fatos marcaram a minha infância, a viagem para Paris que mexeu muito comigo porque fomos juntos, a família inteira de navio e o casamento da minha irmã, que até hoje é como uma mãe para mim, sempre muito querida. Assim como ela, Edmond, meu irmão também é quase como um pai. Meus pais eram muito mais velhos e a minha diferença de idade com eles era muito grande. Vivenciei todo o noivado desta minha irmã, desde os presentes recebidos até a minha entrada como daminha de honra, foi como um conto de fadas. Mas, eu também saía com minhas amigas, ia em excursões, era uma vida muito gostosa, mas, nada de especial. Eu tinha 8 anos e fui embora aos 12 anos.

EE – Qual é a sua formação, como e quando a arte entrou na sua vida?

DN – Em 1980, iniciei meus estudos na FAAP com mestres como o Vlavianos e tantos outros. Depois fui estudar com grandes nomes como os escultores de São Paulo, Beccheroni e Calabrone. Também fui aluna de Antonio Santos Lopes.

Sinto que podemos aprender novas técnicas, mas, não para esculpir, acredito que cada uma cria as próprias formas. E para mim, foi uma sequência inteira de formas evolutivas, descobri a escultura na minha prática e pessoalmente, eu não acredito que poderia passar o que e como crio e desenvolvo minha arte para alguém. Não acredito em professora, eu acho que cada um é professor de si.

A arte sempre fez parte do meu profundo interior. Costumava criar desenhos abstratos muito loucos para a época. Aos 15 anos, me propus a fazer uma escultura que na verdade era uma explosão, retratando a pessoa forte que sempre fui internamente, mas, que no fundo me segurava para não ser julgada por respeito aos mais velhos. Os adultos eram muito importantes para mim e confesso que não queria estragar meu charme de criança.

EE – Você teve o apoio da família?

DN – Comecei em 1980, produzindo no meu ateliê, bem introspectiva. Minha família estava muito feliz por me ver trabalhando e pelos resultados que começavam a aparecer. Todos me apoiaram, mãe, filhos e sobretudo meu marido que estava muito orgulhoso e me achava fantástica. Mas, em 85, minha mãe faleceu. Foi uma perda muito dolorosa porque eu tinha uma ligação extremamente intensa com ela. A minha vida mudou desde então, acho que eu consegui colocar mais força de dentro para fora e foi um movimento muito grande.

No final do mesmo ano, já estava fazendo uma superexposição no Itaú Higienópolis Personnalité, um espaço lindo e nobre. Inúmeros amigos me prestigiaram, enviaram flores, cartas e foi um grande sucesso. Foi uma época áurea, onde todos estavam bem. As pessoas compravam obras. A alta sociedade compareceu, o mundo estava lá e eu me senti muito acolhida e realizada, foi inesquecível. O próprio Itaú exaltou que nunca tiveram uma exposição tão badalada, com flores pelo chão, escadaria e em todos os cantos.

EE – De onde vem a sua influência que propiciou e despertou todo esse gosto pela arte tridimensional?

DN – Essa pergunta é difícil para eu responder, pois tudo que vem dos nossos sentimentos profundos e da alma é complicado. Eu trabalhava feito louca umas 6, 7 peças ao mesmo tempo e passava horas me dedicando a cada uma, que ficavam prontas num período de 6 meses a 1 ano. Claro que todo dia minhas emoções mudavam e meu estado de alma também, por isso posso dizer que meu trabalho nunca passa pela razão, é uma sequência de sentimentos e emoções. Minha evolução é uma síntese que dá forma definitiva, não sei realmente se foi assim, mas, é uma tentativa de te explicar uma coisa que não se explica. Não é fácil entender o artista se ele as vezes nem se entende.

EE – É visível que você é dotada de uma enorme sensibilidade, sempre em busca de uma nova linguagem artística, desafiando formas e inovando através de fases. Como se dá o seu processo criativo? Onde você busca inspiração para fazer essas belíssimas esculturas?

DN – Devo aceitar que tenho uma sensibilidade grande, profunda, leio a alma das pessoas. Sou feita de muitos sentimentos, imaginação e criatividade, mas, eu também busco fora de mim o novo, uma forma mais moderna, mais abstrata. Isso ajuda a atualizar e me adaptar e é aí que surgem por exemplo, uma sequência de formatos diferentes. Hoje vejo a vida de maneira mais simples, com menos detalhes, sinal de maturidade ou talvez a minha clareza de alma, não sei se é religião, fé, enfim, consigo até ajudar as pessoas a simplificarem a vida delas.

Evelyn, muito bom que você está me perguntando essas coisas, porque você está me pedindo para entrar em mim e poder entender um pouco mais do meu “eu” que deixei passar, sem me questionar a respeito. Meus sentimentos passam por muitas evoluções e eu tento dar umas formas diferentes para eles, porque só tenho essa fonte para criar, isso vem de dentro, eu não olho para os outros.

EE – A cada viagem, você costuma trazer um pouco da cultura local para o seu trabalho ou as suas criações surgem apenas em torno de ideias próprias? Conte-nos um pouco sobre suas influências.

DN – Admiro o trabalho dos outros, mas, eu não consigo copiar, a menos que seja alguma coisa que se instale no subconsciente e que depois na hora de trabalhar, possa interferir sem eu perceber disso. Como exemplo, posso citar a minha convivência com Helena Blumenfeld, na Itália, durante 6 meses. Houve troca de histórias, identificações, foi uma amizade muito sincera e muito rica. Nos separamos, ela foi p Londres e eu fui p o Brasil. Posteriormente nos encontramos e nos abraçamos. E pasme, tinha uma peça que ela e eu produzimos e incrivelmente eram praticamente iguais.

Sou muito, muito seletiva, gosto das minhas formas e faço muita questão da honestidade e da minha transparência para comigo mesma. Não consigo aplicar um elemento dos outros, não sei se é um esnobismo, acredito que eu simplesmente tenha a minha própria linguagem. Particularmente, acho muito pejorativo as pessoas que tentam ser influenciadas, porque não estão se procurando. Já eu não estou me procurando, eu sei quem eu sou, não posso ser o máximo, mas, eu sou boa.

EE – Como nasceu a fase “Mulheres”?

DN – Nos anos de 1982, 83, nós estudantes dos italianos Beccheroni e Calabrone estávamos fazendo exercícios de mulheres, cada uma focando num tipo. Resolvi optar por uma parte mais sensual, queria me afirmar, mas, não para chamar atenção, apenas construindo conteúdo da forma mais natural, bem eu. Enfim, fiz vários estudos, fui me desenvolvendo e a minha arte conquistou o público.

EE – Qual foi o seu maior desafio artístico até hoje?

DN – O meu maior desafio artístico foi o momento em que eu estava fazendo mulheres, mais e mais mulheres e comecei a ter raiva delas, eu não queria mostrar o corpo, nem as formas que eu atingia e comecei a detestar as minhas peças. A verdade é que eu tive uma rejeição ao meu trabalho. Para não chocar as pessoas, pouco a pouco, fui colocando asas nessas mulheres para que elas pudessem voar. Foi um meio de conseguir me afastar desta fase de um modo elegante. Me encontrava insatisfeita porque já queria ir para o abstrato. As pessoas esperavam de mim uma coisa e eu não estava mais lá. Este foi um grande desafio na minha arte, me passou um sentimento forte, fiquei desgostosa. O fato é que eu não queria mais mostrar feminilidade, estava com nojo da parte feminina, quer dizer, de mim, não queria mais tirar fotos, reproduzir o meu interior. Nessa época, resolvi ir para a Itália para poder esquecer e foi então que se deu início a segunda fase. A fase “Mulheres” durou por volta de 12, 14 anos. E foi na Itália que renasci.

EE – Você quem cuida da parte administrativa?

DN- Não, eu delego para a minha filha e para uma outra pessoa, não sou boa nessa parte. Administro meus sentimentos, minha cabeça, minha arte, só…

EE – Como você vê a aceitação das mulheres brasileiras nas artes plásticas? Existe preconceito?

DN – Evelyn, não, não acho preconceito, mas, na mentalidade brasileira como na mentalidade do mundo, o homem sempre foi mais forte. A verdade é que a história do homem artista vem de longos anos, já a mulher apenas de um século para cá. Os grandes escultores homens costumam levar a arte mais a sério do que as mulheres. Mas, comigo eu não senti nenhum problema pessoal, nunca fui rejeitada porque sou mulher, ao contrário, fui muito aceita.

EE – Com toda essa crise econômica mundial, você notou alguma mudança no comportamento dos clientes?

DN – Certamente. Em época de crise, o primeiro corte é na arte e é muito normal porque as pessoas priorizam segurança, saúde, educação. Arte e joias são consideradas supérfluos e um dos maiores luxos, mas, eu não me queixo, porque graças a arte que estou respirando e vivendo. Se vende um ou vende tudo é bom para mim, eu estou feliz assim mesmo. Claro que eu teria adorado se tivesse o mesmo fluxo de vendas como antes, mas, não tem problema, é tudo compreensível, se encaixa no quadro mundial que no momento é o que preocupa de verdade.

EE – Atualmente, o mundo sofre um período difícil. Pensamentos negativos, falta de solidariedade e humildade, altruísmo… Qual a sua visão sobre esse tema? Conte-nos sobre essa passagem para a quarta fase.

DN – O que eu sinto é que o mundo tecnológico melhorou muito, mas, o homem voltou para trás extremamente, é egoísta, desumano, egocêntrico, com sentimentos animais. Há muitos loucos no mundo. Putim, na Rússia, é o exemplo máximo da insanidade e da desumanidade, assim como tem muitos países nos extremos que estão fazendo loucuras e a gente realmente se sente ameaçado. Tudo isso não ajuda para melhorar a situação. Sinto que cada vez o homem apresenta menos qualidades, é decepcionante. Por isso, quem sabe eu estou fazendo o caminho contrário para poder me sentir bem e respirar melhor. Faço a minha parte e acredito que Deus ainda fará grandes milagres para as pessoas acordarem. Tenho muita fé que as coisas vão mudar apenas com os milagres divinos. Posso ser sonhadora, mas, é melhor sonhar do que desesperar.

EE – É possível viver de arte nos dias de hoje e no Brasil?

DN – Gostaria muito de poder viver da minha arte, mas, não é possível no momento. Enquanto a economia estiver balançando no Brasil e no mundo inteiro, isso é um sonho. O melhor da arte é que ela me deixa saudável porque eu crio, isso para mim é saúde e saúde vale muito mais que a parte material. E mais, nela coloco todos as minhas fantasias, perspectivas, meus amores, ambições, enfim, a arte recebe meus sentimentos e me devolve muita, muita alegria e satisfação.

A minha missão é sempre transmitir essa felicidade, vivência, os meus valores e fé para todos que me rodeiam. Vivo da arte, mas não financeiramente. Acredito que pouco a pouco as coisas possam mudar e estarei aqui para poder criar mais.

EE – Você tem planos, projetos ou mesmo sonhos para 2024?

DN – Projetos sempre os tenho, as vezes eles demoram para se realizar e as vezes os próprios sonhos é que trazem esses projetos e ajudam a acontecer.

A minha alma de artista as vezes está mais calma e as vezes me leva muito longe, são momentos em que não racionalizo, a arte é quem me conduz. O que alimento sempre é vontade de fazer mais e melhor, atualmente já tenho novos estudos e estou executando peças grandes para bancos, prédios, escritórios e empresas.

EE – Sabemos que não existe uma só resposta, mesmo sendo difícil e ampla essa pergunta, o que é arte para você?

DN – Arte é a busca da minha verdade, meu oxigênio, minha esperança, superação, minha juventude, é a alegria de viver e manter a minha chama acesa cada vez mais. Arte é tudo, foi o que me curou na vida, ela e os meus filhos.

EE – São inúmeras participações em exposições pelo Canadá, Brasil, Portugal, EUA, Itália… Você mantém coleções permanentes com visitação aberta ao público?

DN – Gostaria muito, mas, isto pede um capital de manutenção que não possuo.

EE – Como você se define?

DN – Acho que me defino como lutadora para fugir da superficialidade, da mentira, da ilusão dos outros, das aparências. Não quero aparências, quero verdades e graças a essas verdades que respeito a escolha de cada um e sou respeitada por todos. Essa busca no meu trabalho e na arte, eu achei dentro de mim. Não sou comprada por ninguém, eu não tenho preço, sou uma pessoa autêntica, idônea, franca, agrade a quem agradar e se alguém não entender, o problema é dele. Tenho muita fé para vencer e ser cada vez mais honesta comigo e com todos.

Daisy Nasser – Escultora

Cel.: (11) 99945.1242

E-mail: EVELYN ELMAN

Jornalista Evelyn Elman

Contato para entrevistas:

Cel.: (11) 99991-7559

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