“Quem devemos ser para vencer nesta guerra e em todas as que virão depois dela?” – Por David Diesendruck

Shaná tová?

A pergunta acima introduz o novo livro do pensador israelense Micah Goodman: “O oitavo dia, Israel após o 7 de outubro”.

Estamos no mês hebraico de Elul. No calendário judaico, um período que marca a aproximação com o Ano Novo e o Dia do Perdão. Dias de reflexão sobre nossas ações, de arrependimento, perdão e gratidão. Provavelmente, não é coincidência o fato de que o 7 de outubro, data que entra para a história como uma das mais trágicas da curta existência do Estado de Israel e da milenar história do povo judeu, seja justamente neste período.

A provocação de Goodman, com um olhar para o futuro, é fundamental para a continuidade de Israel como Estado Judeu e democrático, e para a relação de Israel com a diáspora judaica.

Assim, é necessária uma análise profunda que considere a complexidade destas questões: quais foram as origens desta tragédia? Quando ela se iniciou? Como podemos evitar algo parecido no futuro?

Podemos optar pela já secular disputa de narrativas sobre a quem pertence a terra: israelenses ou palestinos? Mas prefiro encarar o fato de que temos dois povos originários, ambos com direito a sua autodeterminação, que não irão a lugar algum.

É inaceitável o slogan “do rio ao mar”, seja advindo de israelenses, seja advindo de palestinos. O único caminho, por mais difícil, distante e repleto de percalços continua sendo o de dois Estados.

Entretanto, durante anos, o governo que está no poder em Israel trabalhou para inviabilizar esta possibilidade. Posicionou-se como o único que poderia oferecer segurança a seus cidadãos, dividiu o país, alienou aliados, minou a Autoridade Palestina e reforçou o Hamas. Tudo isso para validar sua narrativa de que não existe um parceiro para paz.

Construiu-se um sentimento que a questão palestina poderia ser mantida sem resolução de forma indefinida por meio do crescimento econômico e dos acordos com os vizinhos sunitas. A preservação do “status quo” era sua visão de futuro.

Até o 7 de outubro.

Antes disso, a sociedade civil israelense vinha se manifestando, contra a tentativa do governo de impor uma reforma judicial, que limitaria o poder da Suprema Corte. Foram 10 meses de manifestações, com centenas de milhares de pessoas nas ruas. Se por um lado, esses protestos evitaram a aprovação de reforma, por outro, escancararam a divisão inédita no país.

Essa luta interna rapidamente se transformou em uma disputa sobre a natureza e o futuro do projeto sionista. Que Israel queremos? Um país democrático e inclusivo para todos seus cidadãos ou uma teocracia autoritária? Um Estado fiel a seus valores e princípios fundacionais ou um país semelhante a muitos de seus vizinhos, onde o fanatismo e a violência fundamentalista predominam?

Neste contexto, o Hamas, com os ataques terroristas de 7/10, abriu uma nova frente de luta para os israelenses. Uma guerra contra um inimigo externo, apoiado pelo Irã e outros proxies, com o objetivo declarado de exterminar Israel e sua população judaica.

A solidariedade prevaleceu. A sociedade civil, numa demonstração impressionante de organização, uniu-se e manteve o país funcionando. Mas os meses foram se passando e a indignação pela falha do exército e dos serviços de inteligência que permitiram que o ataque acontecesse foi crescendo. A libertação dos reféns também não é prioridade. As manifestações voltaram com maior intensidade. Pela libertação dos reféns, pelo fim da guerra e por novas eleições.

O sentimento é de angústia e frustração com o destino de Israel. Neste grupo de insatisfeitos, temos acadêmicos, cientistas, empreendedores e até mesmo militares. Pessoas que, por sua formação e talento, conseguem oportunidades fora de Israel. As conversas sobre emigração são cada vez mais frequentes. Viver em Israel sempre representou colocar, literalmente, a própria vida, e a vida dos filhos e netos, à disposição do país. Um preço que um número crescente de israelenses não está mais disposto a pagar para viver num lugar com valores que não os representam.

Na diáspora, nossa geração jamais sentiu o antissemitismo que estamos vivenciando. A seletividade do setor progressista na defesa dos direitos humanos, excluindo os judeus, é desconcertante. A vida dos judeus não importa. Aqueles que tinham sua judeidade mais recolhida, têm sido denunciados por ela. São intimados a declarar sua “posição” como se fossem cidadãos israelenses e responsáveis pelos atos do governo atual. O sionismo, que nada mais é do que o direito à autodeterminação do povo judeu, está interditado. Virou sinônimo de práticas cujos próprios judeus têm sido vítimas há séculos.

Voltando ao título/pergunta deste artigo: quem devemos ser a partir de agora?

Como nós judeus, brasileiros e sionistas devemos nos relacionar com Israel? O apoio incondicional, seja qual for o governo ou a índole de seu representante deve ser mantido? Devemos separar Estado e governo? Devemos apoiar o lado da sociedade civil israelense que luta pela democracia? Ou continuar acreditando que criticar o governo israelense alimenta nossos inimigos? Que apenas quem vive em Israel pode opinar sobre suas políticas? Que só existe uma forma de sionismo?

Qual a educação que melhor poderia assegurar a conexão emocional de nossos filhos com Israel?

Que tal levar esta conversa para os próximos jantares familiares? Ou pensar neste assunto durante o jejum?

Nossa tradição é a do debate, do diálogo qualificado e respeitoso. E ela é mais importante do que nunca neste momento.

Precisamos conversar mais, saber mais sobre judaísmo e sionismo.

Afinal, assim que chegamos até aqui. E certamente assim que continuaremos a estar pelas próximas gerações.

Desejamos a todos Shaná tová umetuká. Que o ano que começa traga paz e boas notícias para todos.

Fonte: IBINews 355 – 28 de setembro de 2024

David Diesendruck

É cofundador e diretor do Instituto Brasil-Israel

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