O segredo para um ótimo casamento – Rabino Kalman Packouz Z”L
Quando comecei a ensinar judeus não afiliados na década de 1990, um dos maiores desafios que enfrentei foi tentar convencê-los a se casar jovens. Em vão (na maioria das vezes) tentei explicar que eles deveriam querer ser pais jovens; primeiro, você precisa de toda a força da juventude para criar filhos. Segundo, começar como um pai jovem permite que você interaja com seus filhos como um pai mais identificável.
Por fim, se você começar jovem o suficiente, terá a chance de vivenciar completamente as alegrias de ser avô/avó e a oportunidade de realmente conhecer seus netos. Infelizmente, muitos dos meus alunos esperaram até o final dos 30 ou início dos 40 anos para buscar seriamente relacionamentos que poderiam potencialmente levar ao casamento. Eles tinham muitas desculpas para isso: alguns queriam estar “financeiramente seguros” ou “realmente experimentar a vida” antes de se estabelecerem, etc.
Mas a passagem do tempo é imutável; ela dita muito do que nossa vida se torna e não espera ‘acordarmos’. Ela acaba nos ‘roubando’ a juventude e, uma vez que passa, não há como recuperá-la.
Muitas vezes refleti sobre o fato de que, se não tivesse decidido levar uma vida religiosa, eu também teria, sem dúvida, corrido atrás de todos os tipos de sonhos e prazeres materiais e perdido muito do que agora aprecio e desfruto no final da minha quinta década. Estar dentro de uma estrutura religiosa também oferece a oportunidade de aprender com a sabedoria das gerações passadas e incorporar seus sistemas de valores em nossas vidas.
A porção da Torá desta semana, de acordo com o Talmud, nos ensina sobre um elemento-chave do casamento.
O Talmud (Kidushin 2a) delineia três procedimentos para a concretização de um casamento. Um deles é o homem dar um item de valor à mulher com a intenção declarada de que, após sua aceitação, ela esteja casada com ele. Hoje em dia, geralmente usamos um anel para esse propósito, e o noivo coloca o anel no dedo da noiva sob a hupá – o dossel do casamento. Após sua aceitação, eles estão oficialmente casados.
Os Sábios do Talmud perguntam: de onde na Torá se aprende que transferir um item de valor é um meio válido para se efetuar um casamento?
A resposta é que se aprende esse procedimento do fato de que a Torá usa uma terminologia idêntica em 2 conceitos aparentemente díspares e então, por meio de um processo semelhante a uma analogia de palavras, nossos Sábios aplicam os detalhes de um ao outro. Este é um dos 13 métodos de análise das Escrituras que o Todo-Poderoso passou a Moisés para instruir o povo judeu no entendimento da Torá.
A Torá (Êxodo 2:1) nos informa sobre o casamento dos pais de Moisés e usa o termo hebraico kihá (“tomar” ou “adquirir”) para descrevê-lo. Na porção da Torá desta semana, a mesma palavra-raiz – “kach” – é usada em referência à história em que nosso Patriarca Abraão compra um lote de sepultamento para sua esposa, nossa Matriarca Sara. Nossos Sábios unem essas duas histórias, como veremos.
Abraão desejava comprar um local muito específico para sepultar Sara, de propriedade de um homem chamado Efron. Depois que acordaram o valor, Abraão lhe diz: “Eu lhe entrego o dinheiro pelo campo; tome-o (“kach”) de mim” (Gênesis 23:13).
Assim, a Torá registra que essa transação, que fez com que o campo mudasse de donos, foi promulgada por meios monetários (Abraão entregando a Efron uma grande quantia de dinheiro), e nossos Sábios aplicaram o mesmo princípio transacional como uma das 3 maneiras de se iniciar um casamento. Essencialmente, o Talmud deriva as leis do casamento da compra de um terreno de sepultamento.
Não há “casualidade” na Torá. Ao estabelecer uma ligação entre casamento e sepultamento, a Torá claramente busca nos ensinar algo. Ignorando as conotações um tanto humorísticas que vêm à mente, qual a mensagem que a Torá está nos ensinando sobre a essência do casamento?
Um dos mais sérios males sociais da nossa era é o mal entendimento fundamental sobre o que um casamento deve ser. Nosso mundo “moderno” vê o casamento como uma parceria entre dois indivíduos.
Essa perspectiva é errada, pois reduz o casamento a um relacionamento comercial sinérgico. Em outras palavras, uma parceria comercial é formada quando 2 indivíduos concordam que é do melhor interesse de cada parte “formar uma equipe” para que, juntos, possam alcançar mais do que se estivessem sozinhos. Essa sinergia é conhecida como 1+1=3.
O problema de tratar um casamento como uma parceria é que, assim que um dos ‘parceiros’ sente que o relacionamento não é mais benéfico para seus interesses pessoais, a reação impulsiva é dissolvê-lo. Esse reflexo de usar a ‘dissolução’ é uma consequência de outro valor moral doentio que domina nossa cultura – a ideia de que tudo é descartável e, portanto, muito pouco esforço deve ser despendido para corrigir ou consertar algo que está quebrado ou ‘enrolado’.
Qualquer pessoa que cresceu nos anos 60, 70 ou 80 se lembrará de que cada rua tinha oficinas de conserto de TV, computadores, sapatos e alfaiates para consertar roupas. Hoje em dia, eles já se foram há muito tempo — o que é normal. O problema é que foram completamente esquecidos. Ou seja: não se dá valor e muito pouco esforço é feito para tentar consertar qualquer coisa — simplesmente acessamos a Amazon ou Mercado Livre e pedimos um novo. É de se admirar que a sociedade tenha se acostumado a tratar relacionamentos pessoais da mesma maneira?
Esse problema é ainda mais agravado por uma compreensão incorreta do que o casamento deve ser. O judaísmo não vê o casamento como uma parceria — porque as parcerias são sempre compostas por 2 indivíduos que estão cuidando de seus próprios interesses; enquanto seus interesses individuais continuarem alinhados, a parceria é útil para ambos e continua.
Em vez disso, a Torá vê o casamento como uma eterna fusão. Em uma fusão, duas entidades se tornam uma. Em uma única entidade, cada membro cuida do interesse do relacionamento em sua totalidade, não apenas de seus interesses individuais. Uma fusão é quase impossível de desfazer.
Essa visão do casamento é análoga a montar um prato com um pedaço de frango, arroz e feijão. Juntos, eles são uma refeição muito mais apetitosa do que seriam se fossem comidos separadamente. Mas como não estão fundidos, também podem ser facilmente separados se, digamos, você não gostar mais de feijão.
Por outro lado, uma fusão cria uma identidade verdadeiramente singular e é semelhante a misturar farinha, água, fermento, sal e açúcar e assar um pão. Uma vez assado, é basicamente impossível desconstruir ou remover qualquer ingrediente. O casamento não deve ser uma combinação de duas entidades; um casamento saudável é uma entidade única, inteiramente nova e fundida.
A Torá está nos ensinando a essência do que um casamento deve ser e explica por que as leis do casamento estão associadas à compra de um lote de sepultamento. Afinal, por que um marido e uma esposa devem ser enterrados juntos? Depois que um casal vive feliz por uma vida inteira, a morte de um dos cônjuges não rompe o relacionamento?
A resposta, claro, é que não. Como o casamento é um relacionamento eterno, o casal permanece unido — mesmo após seus falecimentos, enterrados lado a lado. Para demonstrar a verdadeira natureza do casamento, a Torá deriva suas leis de um lugar que indica seu caráter eterno: a compra de um lote de sepultamento para o “primeiro casal”, Abraão e sua esposa Sara.
Como mencionei semana passada, tenho dado aulas para grupos de jovens no sul da Flórida e a atitude deles me dá esperança. Eles são, talvez sem surpresa, totalmente diferentes dos jovens adultos que ensinei nos anos 90. Entre esses grupos, há um novo senso de urgência para encontrar um cônjuge adequado e iniciar uma família. Somente nas últimas duas semanas, dois dos meus alunos ficaram noivos.
Mais importante: pelo menos dentro desses grupos, eles estão profundamente engajados com seu judaísmo. Não é mais uma atitude de: “Como o judaísmo se encaixa na minha vida?” Em vez disso, é uma atitude de: “Como posso fazer minha vida se encaixar no meu compromisso com o judaísmo?” Isso inspira esperança para o futuro do povo judeu e a continuação das fusões matrimoniais de nossos antepassados!
Pensamento: O casamento é baseado no verbo ‘dar’, não no verbo ‘receber’!
RABINO KALMAN PACKOUZ Z”L (EUA, 1950-2019)
De abençoada memória, ele era do Aish Hatorá e foi o criador do Meór Hashabat, boletim semanal com prédicas.