QUEM QUER DELETAR A LEMBRANÇA DO HOLOCAUSTO? – POR PAULO FELDMANN

Há pouco mais de um mês, o governo brasileiro decidiu retirar-se de uma organização internacional conhecida como I.H.R.A., a sigla em inglês que significa Aliança Internacional para a Memória do Holocausto

ONU relembra Dia Internacional em Homenagem às Vítimas do Holocausto. (Foto: Bertrand Guay/AFP)

Há pouco mais de um mês, o governo brasileiro decidiu retirar-se de uma organização internacional conhecida como I.H.R.A., a sigla em inglês que significa Aliança Internacional para a Memória do Holocausto. A IHRA é uma entidade completamente apartidária, que não é nem a favor nem contra o governo de Israel, e que tem como única finalidade impedir que o mundo esqueça os horrores do Holocausto, que entre 1940 e 1945 dizimou, através de um processo industrial, cerca de 6 milhões de pessoas — a grande maioria judeus que viviam em diversos países da Europa que foram invadidos ou tomados pela Alemanha no bojo da 2ª Guerra Mundial.

Provavelmente essa decisão brasileira foi tomada por descuido ou por desinformação, mas preocupou os 120 mil judeus brasileiros, a 9ª maior comunidade judaica fora de Israel. Todos sabemos dos horrores da atual guerra entre o Hamas e Israel, e boa parte dos judeus brasileiros não concorda e muito menos admira o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Os judeus brasileiros, em sua maioria, rezam e torcem todos os dias para que esta guerra acabe o quanto antes.

A IHRA não tem a menor relação com essa guerra e muito menos com o governo israelense. Sair dessa entidade é mais ou menos como querer destruir os museus do Holocausto que existem em diversos países do mundo, inclusive no Brasil. Sim, porque tanto os museus quanto a IHRA existem apenas para que a lembrança permaneça.

Ocorre que, com o passar dos anos, os poucos sobreviventes do Holocausto foram morrendo pela idade avançada, e tornou-se necessário fazer com que a humanidade não esquecesse do genocídio. Foi para isso que se criou uma associação internacional para lembrar permanentemente do Holocausto, ou seja, a IHRA.

Claro que muitos antissemitas defenderam a atitude do governo brasileiro e aproveitaram para descarregar mais uma vez sua raiva contra os judeus, o que no Brasil virou uma constante: políticos chegaram a propor que a população não mais comprasse em lojas de judeus; sinagogas e cemitérios judaicos foram vandalizados; e agora estamos assistindo até renomadas universidades brasileiras rompendo seus acordos de transferência de tecnologia com universidades israelenses, simplesmente porque estas estão localizadas em Israel.

Se o governo quis agradar algum grupo por conta da sua posição em relação à guerra do Oriente Médio, errou ao atacar uma instituição que não tem nada a ver com o conflito, mas que é muito respeitada pelos judeus no mundo inteiro. Além disso, passou uma imagem antissemita, pois impacta negativamente todos os judeus, mesmo os que são contra o atual governo de Israel.

Achar que o Holocausto não precisa ser lembrado para evitar que outros surjam não é apenas um ato antissemita, mas também um sério desrespeito à humanidade.


PAULO FELDMANN

É professor de Economia da USP. Tem graduação em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1972), Mestrado(1979) e Doutorado (1987) em Administração pela Fundação Getúlio Vargas – SP. Atualmente é Professor do Departamento de Administração da FEA USP e coordenador de projetos da FIA – Fundação Instituto de Administração, onde também faz parte do Conselho Curador. Foi diretor de inovação da Microsoft tendo sido também diretor dos grupos Sharp, Philips, Banco Safra, Banespa e Nossa Caixa. Foi presidente da Eletropaulo e da Iron Mountain e sócio da Consultoria Internacional Ernst & Young. É Presidente do Conselho da Pequena Empresa da Fecomércio. Publicou 2 livros sendo que um deles foi vertido para o Inglês e será lançado nos Estados Unidos pela Editora Springer sob o título : “Management in Latin America” em Junho de 2014.