COMO UM JUDEU CONSTRUIU UM ÍCONE EM NÁPOLES E OUTRAS ATIVIDADES – POR JAYME VITA ROSO

290_especial_3_1Only a life lived for others is a life worthwhile. – Einstein Archive 60-492[1]

Desta vez volto-me à cidade de Nápoles (Itália), para contar e rememorar os feitos de uma família judia que deixou de forma indelével um legado e que merece ser rememorada, no Brasil, de modo particular em São Paulo, onde se encontram tantos descendentes de napolitanos e de outras regiões da Itália Meridional.

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Antes, um pouco de história.

1) A Comunidade Judia de Nápoles, nos presentes dias ainda está localizada no centro da cidade, precisamente na Via Capella Vecchia no distrito de San Ferdinando, bem perto da Praça dos Mártires. Essa Comunidade tem jurisdição em outras regiões meridionais, como Campania, Molise, Pulia, Basilicata, Calábria e Sicília.

Sua sinagoga é produto do esforço coletivo e foi construída no século XIX, mas a presença de judeus na cidade data de 2000 anos aproximadamente, convivendo nesse grande espaço de tempo com repressões e períodos de paz, até quando 1541, foram expulsos da cidade. Retornando posteriormente entre 1740 e 1747. Presença marcante na Comunidade foi, no início do século XIX, a abertura de um banco de propriedade de C. M. de Rochschild & Filhos. Foi o banco mais importante da cidade desta família, de grande história, que viveu no bairro chamado Villa Pignatelli, perto da atual Sinagoga.

Com a reunificação da Itália em 1861, várias funções religiosas foram realizadas naquela propriedade da família Rochschild que teve participação fundamental até a morte de Adolf Carl em 1900. Em 1910, o industrial Dario Ascarelli, então Presidente da Comunidade Judaica, doou substancial quantia que, somada com a deixada pela família Rochschild, também ativa na Comunidade, resultou na construção da sinagoga, que terminou de ser edificada em 1927.

A ascensão do fascismo e a perseguição dos judeus[2], sobretudo quando, em 1938, foi aprovada a Lei Racial, que resultou na diminuição dos judeus na cidade, inclusive, muitos foram deportados. Atualmente, existem cerca de 200 judeus na cidade de Trani, também na Pulia, região que ficou parte integrante da Comunidade de Nápoles a partir de 2006.

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A Sinagoga de Nápoles foi restaurada, graças à contribuição do Ministério da Cultura e, nos dias atuais, tem frequentes atividades sociais, não dispensando as religiosas.

2) A família Ascarelli integrou-se com a cidade de Nápoles há mais de 100 anos, quando decidiu patrocinar atividades poliesportivas, participando da fundação do clube de futebol Società Sportiva Calcio Napoli, que também teria como atividade secundária o críquete, tão popular na Inglaterra, trazido pela família Rochschild.

As atividades futebolísticas foram se desenvolvendo por anos, sendo que o clube de futebol galgou posição.

As atividades esportivas do Clube de Nápoles sofreram muito, durante os conflitos da Primeira e Segunda Guerras Mundiais.

290_especial_3_4Giorgio Ascarelli

Ressalte-se que a integração da família Ascarelli com a cidade, levou Giorgio Ascarelli[3] a ser o fundador e primeiro presidente do clube, acompanhando suas atividades até sua prematura morte. O estádio de futebol lhe foi dedicado, mas, lamentavelmente, as leis raciais impediram qualquer satisfação honorifica póstuma.

3) Juntamente com a família Ascarelli, destaca-se na sociedade napolitana a já conhecida ADI, Associação Amici d’Israele. Trata-se de uma sociedade aberta, sem vinculações e preconceitos de qualquer fim. É constituída de pessoas de todas as camadas sociais, religiosas e ideológicas, mas recusa a participação de profissionais de comunicações que pretendem impor verdades pré-constituídas. Seus membros acreditam na amizade e na lealdade, acolhendo amigos de todas as idades e crenças, unidos no mesmo desejo de informar e informar-se, de entender e ajudar a entender-se, procurando rechaçar a propaganda de ódio contra Israel.

Textualmente, nos seus manifestos, constam: “Estamos convencidos de que o antisionismo seja parte integrante daquela doença que é o antissemitismo, por isso lutamos com paixão e determinação a fim de que venham ser reconhecidos, pela opinião pública, os fundamentos que sustentam a existência de Israel.

Queremos justiça e, para ela, nos bateremos sempre, juntos, embora diversos, mas unidos no amor por uma honesta verdade e por Israel.

A nossa Associação organiza convenções, estudos, manifestações, pesquisas, encontros, promove relações e também intercâmbios que reforçam o clima de recíproco respeito e paz entre cidadãos italianos e israelenses. ”

4) A família Ascarelli de Nápoles tem raízes muito profundas e antigas com os Ascarelli romanos.

Para nós brasileiros, temos lembrança imorredoura do grande jurista Tullio Ascarelli[4], que viveu em São Paulo e foi professor de Direito Comercial contratado pela Universidade de São Paulo. Aqui, o mestre criou uma escola de altíssimo nível, no ramo de especialidade, legando aos pósteros um número muito grande de discípulos de juristas e que honraram, durante muitos anos, a tradicional Academia do Largo São Francisco.

Ascarelli doou sua biblioteca à Faculdade de Direito, que, homenageando-o e cultuando-o, intitulou seu Centro de Estudos de Direito Comercial de “Tullio Ascarelli”[5], como o fizera a de Roma.


JAYME VITA ROSO – Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é especialista em leis antitruste e consultor jurídico de fama internacional, ecologista reconhecido e premiado, “Professor Honorário” da Universidade Inca Garcilaso de La Vega de Lima, Peru e autor de vários livros jurídicos. Saiba mais.
vitaroso@vitaroso.com.br


[1] CALAPRICE, Alice. The Quotable Einstein – with a foreword by Freeman Dyson. New Jersey: Princeton University Press, 1996.
[2] Já falamos sobre os Campos de Concentração na Itália no artigo “Teve a Itália Campos de Concentração? ”, publicado em 21 de maio de 2016.
[3] Nápoles, 18 de maio de 1894 – Nápoles, 12 de março de 1930
[4] Roma, 6 de outubro de 1903 – Roma, 20 de novembro de 1959. Alguns de seus livros conhecidos no Brasil são: Apresentação do Brasil. São Paulo: Edições Sal, 1949 e Panorama do Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1947.
[5] Scuola Dottorale Internazionale di Diritto ed Economia Tullio Ascarelli – Università degli Studi “Roma Tre”

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