O QUE PODE DEIXAR O CORAÇÃO FEMININO MAIS SUSCETÍVEL A UM INFARTO

Estudo britânico aponta que cigarro, pressão alta e diabetes talvez sejam fatores de risco mais preponderantes para o problema ocorrer nas mulheres do que nos homens

Uma pesquisa publicada no periódico científico The British Medical Journal analisou os dados de quase meio milhão de pessoas sem histórico de doença cardiovascular e com idade entre 40 e 69 anos. Os autores do estudo tinham um objetivo: checar porque alguns fatores de risco podem tornar mais elevada a possibilidade de ocorrência de um infarto em mulheres do que em homens – apesar de a possibilidade de um ataque cardíaco nos homens ser maior. A fonte foi o UK Biobank, uma base de dados com informações biológicas sobre os adultos do Reino Unido.

Em uma média de 7 anos, 5.081 indivíduos, sendo 29% deles mulheres, tiveram seu primeiro infarto. A incidência foi de 7.76 por 10 mil pessoas/ano nelas contra 24.35 por 10 mil pessoas/ano neles. Os pesquisadores descobriram que pressão alta, diabetes e tabagismo aumentaram o risco de o problema ocorrer em ambos os sexos, mas, entre as mulheres, o impacto foi bem mais significativo.

Mulheres tabagistas apresentaram um risco de ataque cardíaco 55% maior do que homens fumantes. Já a hipertensão elevou a probabilidade de o mal ocorrer entre elas em 83%. Por fim, no caso do diabetes tipo 2, o índice foi de 47% e no do tipo 1, três vezes mais acentuado na ala feminina. Os pesquisadores acreditam que esse seja o primeiro trabalho a analisar a diferença absoluta e relativa no risco de infarto entre os sexos por meio de uma série de fatores de risco em uma população em geral. Mas, enfatizam, trata-se de um trabalho observacional, o que não permite tirar conclusões de causa e efeito.

332_saúde_1_1“Por esse importante estudo, atual e representativo, tais fatores de risco estatisticamente impactam mais fortemente o coração das mulheres”, diz a cardiologista e clínica-geral Sofia Lagudis (foto), da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. “Não se pode afirmar se isso reflete maior sensibilidade cardíaca, se tem a ver com pior controle dos níveis de pressão e diabetes (diferenças de tratamento ou de aderência à medicação, por exemplo), ou mesmo com maior tempo de doença antes de iniciar o tratamento.”

Outros estudos têm demonstrado resultados semelhantes. “Há mais evidências demonstrando que, por exemplo, o fumo acarreta maior risco de infarto na mulher que no homem”, revela Sofia Lagudis, que também é vice-diretora clínica do Einstein. “É interessante observar que essas diferenças são um pouco atenuadas pela idade, quando a mulher tem um aumento significativo do risco de infarto.”

Ela continua: “Além disso, há características raciais, como maior mortalidade das mulheres negras que sofrem infarto, talvez por fatores de risco mais graves”.

A mortalidade por doença cardiovascular como um todo é maior nas mulheres de que nos homens, conta a especialista. “Verificou-se também que está ocorrendo um crescimento da incidência de infarto nas mulheres de meia-idade, na faixa entre 45 e 65 anos.” Além disso, de acordo com a cardiologista, a mulher permanece sob risco elevado de insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral e morte, mais de que os homens, no primeiro ano após um infarto. “Discute-se se isso está relacionado com maiores taxas de hipertensão arterial, diabetes e depressão.

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no Brasil. A Sociedade Brasileira de Cardiologia estima em quase 400 mil óbitos por ano. E o infarto tem grande destaque nesse panorama. “Sua incidência vem aumentando no Nordeste e diminuindo no Sudeste, o que evidencia uma tendência relacionada a disparidades socioeconômicas e qualidade da assistência à saúde”, explica Lagudis. “Temos indicadores de primeiro mundo nos estados mais desenvolvidos, ao mesmo tempo em que nos mais pobres podemos nos comparar à África.”

Outras diferenças

Embora o sintoma de infarto na maioria das mulheres seja a dor no peito, a incidência de manifestações atípicas é mais ampla nas mulheres quando comparadas aos homens, o que pode levar não à identificação do ataque cardíaco, mas à suspeita de um quadro de origem emocional. “Isso classicamente leva a atraso ou falha no diagnóstico, com consequências danosas para a paciente”, diz Sofia Lagudis.

Um infarto pode vir à tona associado ou não à dor no peito. Outros indícios incluem sensação dolorosa ou desconforto em um ou nos dois braços, nas costas, no pescoço, na mandíbula ou no estômago. A respiração também pode ficar curta ou haver falta de ar, náusea e vômito. “Suor frio e tonturas também podem ser os únicos sintomas”, fala a cardiologista. “Além disso, há diferenças no tratamento da mulher infartada, como menor uso de medicamentos considerados essenciais, e também maior risco de efeitos colaterais, caso de sangramento provocado por anticoagulantes e antiplaquetários.”

Segundo Sofia Lagudis, estudos mostram que a mulher, principalmente se idosa ou de baixa renda, demora mais para procurar atendimento médico em casos de ataque cardíaco. “Isso é muito preocupante, considerando-se que a maioria das mortes por infarto ocorre nas primeiras horas de manifestação da doença, sendo de 40% a 65% na primeira hora”, diz. Daí uma enorme preocupação das sociedades de cardiologia nos diversos países para aumentar o diagnóstico precoce, com ações como campanhas de esclarecimento ao público sobre os sintomas e a importância de procurar logo atendimento médico. Sem falar em estratégias para tornar o atendimento mais rápido e eficiente.

“A boa notícia é que a maioria dos fatores de risco de infarto na mulher são modificáveis, como hábito de fumar, hipertensão arterial e diabetes”, afirma a especialista. A mulher saudável deveria ser avaliada por um cardiologista de rotina a partir da época da menopausa. Porém, em caso de histórico familiar de doença cardíaca ou de colesterol alto, sintomas como dor no peito, falta de ar ou taquicardia, presença de pressão alta, diabetes ou tabagismo, essa avaliação deve realizada independentemente da idade.

20
20