ESPIRITUALIDADE NO MUNDO MATERIAL – CHANUKÁ – RAV EFRAIM BIRBOJM

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Tudo neste mundo material tem um significado, tudo tem um propósito para existir. Não existe algo material sem conexão com o lado espiritual.


Certa vez um rabino estava ensinando a um de seus alunos que não existe apenas uma realidade material, não estamos limitados somente àquilo que conseguimos ver ou tocar. Tudo que existe no mundo está embasado em uma realidade espiritual, tão palpável quanto o mundo material. É apenas necessário refletir para encontrar a espiritualidade em cada pequeno objeto que existe neste mundo, pois tudo o que existe no mundo reflete, de alguma maneira, a vontade de D’us. O aluno então perguntou:

– Rabino, se é verdade o que você está falando, o que podemos aprender espiritualmente sobre os trens?

– Que em um segundo nós podemos perder tudo – respondeu o rabino.

– E o que podemos aprender do telégrafo, rabino?

– Que cada palavra que falamos é contada, e no final vamos prestar contas sobre cada uma delas – respondeu o rabino.

– E o que o telefone pode nós ensinar? – insistiu ainda o aluno.

– Aprendemos que tudo o que é dito aqui é claramente escutado do outro lado – respondeu o rabino.

O aluno se deu por vencido. Ele entendeu que tudo neste mundo material tem um significado, tudo tem um propósito para existir. Não existe algo material sem conexão com o lado espiritual.

Esta é uma das lições mais importantes desta época tão especial para o povo judeu, na qual comemoramos a festa de Chánuka, a Festa das Luzes.


CHANUKÁ

Dia 27 de novembro, quarta-feira, começamos a comemorar a festa de Chánuka, um momento extremamente significativo na história do povo judeu. Em Chánuka revivemos dois grandes milagres que mudaram o curso da história do povo judeu. Na época do 2º Beit Hamikdash (Templo Sagrado), os gregos haviam dominado Jerusalém e impurificado o nosso Templo. Um grande milagre aconteceu e, após uma longa batalha, conseguimos valentemente expulsamos os gregos. E ao retomar os serviços do Beit Hamikdash, um novo milagre aconteceu, quando o óleo, suficiente para apenas um dia, durou 8 dias. Mas para comemorar Chánuka com a devida intenção, precisamos entender de uma maneira mais profunda o que a dominação grega significou e o quanto a vitória do povo judeu foi importante.

No calendário judaico, existem duas festas que foram fixadas pelos nossos sábios: Purim e Chánuka. Apesar de elas terem algumas semelhanças, apresentam também muitas diferenças entre si. Por exemplo, Purim é comemorada com “Seudá Umishtê” (Refeição festiva), enquanto Chánuka é comemorada com “Halel e Hodaá” (Louvores e Agradecimentos), sem a necessidade de fazer uma refeição festiva. Por que esta diferença na comemoração das duas festas?

Além disso, há uma Mishná (Midót 2:3) que nos ensina uma ideia interessante sobre a época da dominação grega. Um dos símbolos do abismo espiritual criado pelos gregos, na sua tentativa acabar com o judaísmo e extinguir o cumprimento das Mitzvót, foi que eles criaram 13 aberturas nas muralhas que circundavam o Beit Hamikdash. Mas o Talmud (Sanhedrin 101b) traz uma informação aparentemente contraditória. Na época de Shlomo Hamelech (Rei Salomão) também havia algumas aberturas nas muralhas do Beit-Hamikdash. Shlomo Hamelech, por um motivo equivocado, fechou as aberturas e foi duramente repreendido, pois isto inibiu o acesso do povo judeu durante as peregrinações ao Beit Hamikdash. Se o correto era ter mantido as aberturas, como maneira de facilitar a entrada do povo judeu no Templo, então por que o ato dos gregos de criar aberturas na muralha foi visto de uma maneira tão negativa e representa a decadência espiritual que eles tentaram nos impor?

Há ainda outra pergunta importante a ser respondida. O Rambam (Maimônides), em seu livro de leis chamado “Mishnê Torá”, nos ensina qual é a fonte na Torá da obrigação do povo judeu de construir um Beit Hamikdash. Mas ao invés de trazer uma única fonte, o Rambam traz duas fontes, completamente diferentes. Nas leis sobre o Beit Hamikdash, o Rambam fala que a obrigação está no versículo “E Farão para Mim um Santuário, e Eu morarei entre eles” (Shemot 25:8). Porém, nas leis sobre os reis, o Rambam diz que a obrigação está no versículo “Lá vocês devem ir buscar Sua presença” (Devarim 12:5). Como entender esta aparente contradição?

Explica o Rav Yochanan Zweig que todas as perguntas podem ser respondidas com apenas um fundamento. E este fundamento é o entendimento de qual era a função do Beit Hamikdash para o povo judeu. Explicam nossos sábios que o Beit Hamikdash tinha duas funções principais. Em primeiro lugar, era o local onde o povo judeu podia servir a D’us, através de suas rezas e sacrifícios. Mas o Beit Hamikdash também tinha a função de ser um local para reunir o povo judeu, principalmente durante as 3 Festas com peregrinação a Jerusalém (Pessach, Shavuót e Sucót). Durante estas festas o Templo, completamente lotado, expressava a união e a solidariedade do povo judeu. É por isso que o Rambam traz duas fontes na Torá para a obrigação de termos um Beit Hamikdash, pois uma delas é para ensinar a função de local de serviço a D’us (“E Farão para Mim um Santuário”), e a outra é para ensinar a função de local de reunião do povo judeu (“Lá vocês devem ir buscar Sua presença”). Estas duas funções são, na realidade, complementares, pois a única e verdadeira fonte de união de todo o povo judeu é o nosso comprometimento em manter nossa herança espiritual. Justamente pelo fato do Beit Hamikdash ser o local de serviço a D’us é que ele também pode servir como ponto de encontro para todo o povo judeu.

Há uma grande diferença entre o exílio grego e os outros exílios. Em um primeiro momento, os gregos não quiseram destruir o nosso Beit Hamikdash nem matar os judeus. Eles queriam inclusive manter o judaísmo, mas apenas como uma cultura, completamente desprovida de espiritualidade. As aberturas criadas na muralha do Beit Hamikdash eram para aumentar a acessibilidade ao Templo, para que ele servisse como um centro cultural. Segundo as leis espirituais, uma pessoa em estado de impureza, como alguém que entrou em contato com mortos, não podia entrar no Beit Hamikdash até passar por um processo de purificação. Mas os gregos consideravam as leis de pureza e impureza espiritual muito antiquadas e queriam que fossem abolidas. Por isso eles abriram várias aberturas nas muralhas, permitindo que qualquer um entrasse no Beit Hamikdash quando bem entendesse.

Este ensinamento é reforçado pelo Talmud (Shabat 32a), que nos ensina que dois fatores contribuem para a morte de pessoas ignorantes: eles chamam as sinagogas de “Beit Am” (Casa do Povo) e chamam o “Aron Hakodesh” (Arca Sagrada) de “Arná” (armário). O que significa este ensinamento do Talmud? Por que coisas aparentemente tão simples e inofensivas são castigadas de uma maneira tão severa? Pois aquele que chama uma sinagoga de “A casa do povo” comete um grave erro ao não perceber que é o serviço a D’us, através de Suas Mitzvót, que une os judeus, não a nossa cultura. O mesmo ocorre quando o Aron Hakodesh é chamado de “armário”, pois isto reflete a visão equivocada de que a Torá é um mero objeto cultural, um livro de histórias. Esta visão equivocada não é a visão judaica, é a visão dos gregos, que queriam acabar com a nossa espiritualidade e transformar o judaísmo em um movimento cultural. Há judeus em todas as partes do mundo, e eles não compartilham da mesma língua nem da mesma cultura. O que há em comum entre um judeu brasileiro, um judeu etíope e um judeu russo? O seu legado espiritual e o comprometimento com a sua espiritualidade. É isto o que une os judeus do mundo inteiro.

Apesar da principal ameaça grega não ter sido a destruição física, as consequências poderiam ter sido até mais devastadoras do que em outras guerras e exílios. Os gregos não queriam nos destruir fisicamente, mas queriam destruir o nosso compromisso com a espiritualidade, pois eles sabiam que sem isto o judaísmo não poderia sobreviver. Em Purim, nossos antepassados foram ameaçados de extermínio físico, quando Haman decretou a “Solução Final” contra o povo judeu, fixando um dia para que todos fossem exterminados. Portanto, a salvação física é comemorada de uma maneira física, com um grande banquete. Já em Chánuka, a ameaça era de extermínio espiritual, pois os gregos tentaram erradicar qualquer vestígio de espiritualidade de nossas vidas. Por isso celebramos de uma maneira espiritual, com louvores e agradecimento a D’us.

Não podemos esquecer que em Chánuka vencemos apenas uma batalha. Na época da vitória sobre os gregos, muitos judeus haviam se rendido à cultura grega, transformando-se em “judeus helenistas”. A guerra contra a cultura grega continua, pois infelizmente muitos judeus continuam vivendo um “judaísmo cultural”, no qual a Torá é apenas uma “obra de arte” que deve ser exposta em prateleiras de vidro, como uma bela lembrança do passado. A assimilação faz com que pessoas considerem mais importante assistir uma apresentação de dança judaica do que ir à reza de Yom Kipur. Muitos esqueceram que a missão do povo judeu no mundo é justamente ensinar espiritualidade a todos os povos da Terra. Se nós estivermos conectados apenas com um judaísmo superficial, que ensinamento poderemos transmitir ao mundo?

A Torá é a nossa vida, é o nosso “manual” espiritual de como viver da maneira correta. A vitória contra a assimilação foi a verdadeira vitória de Chánuka. Ao acender as velas de Chánuka estamos dando nossa contribuição para que a Torá tenha seu lugar nos centros de estudo, e não nas prateleiras de vidro. Que neste Chánuka possamos participar e ajudar o povo judeu a vencer mais uma batalha, a batalha contra a apatia e a assimilação.

SHALOM.


RAV EFRAIM BIRBOJM – Mestre em Engenharia pela Escola Politécnica da USP. Saiba mais.