A CABALÁH DO FIM, DO IMPREVISÍVEL – RABINO RUBEN NAJMANOVICH

Rabino Ruben'

Educa-te a pensar na morte quando estás são; pensa na morte, que é a única maneira de viver a vida e de saboreá-la; pensa que amanhã não estarás, e talvez apazigúes teu ânimo, e apagues teus ódios, tuas perversidades;…


 

Diálogo ao cair da tarde

Ao entardecer, à beira da lagoa, o Mestre da Cabaláh, ai em Safed, me falou, me chamou e conversou, desde as profundezas de seus olhos opacos, sua visão penetrante, e com voz fraca como longínqua, estabelece um dialogo:

– Quem pergunta pelo sentido da vida?

– Aquele que sabe que vai morrer.

– E quem não pergunta?

– Aquele que se crê imortal, é claro.

– E quem se crê imortal?

– Aquele que se crê D’us.

– E quem se crê D’us?

– Eu.

– Tu te crês D’us?

– Não, não eu. O “Eu” (ego) se crê. O eu que habita em mim é um ser poderoso, majestoso, o gladiador, o explorador das montanhas, o alpinista das cordilheiras, o ganhador, o campeão, o gigante, o superior a todos, o que não tolera a ninguém, o que quer ser único, o que não quer que ninguém tenha nada mais, o que quer ter tudo. Esse se crê D’us, e se crê imortal.

– E tu nunca te despojaste dele?

– Sim, muitas vezes me despojei dele, ou, melhor, ele se despoja de si mesmo.

– Quando?

– Quando cai no campo de batalha, quando o êxito não lhe sorri, embora ele continue sorrindo.

– Quando mais?

– Quando está doente.

– Então?

– Sim, então uma luz violenta o atravessa e ele pensa na morte.

– E o que acontece?

– Toma consciência de que não é, de que toda a cenografia e as conquistas de sua existência são uma ilusão, de que ele está nu na cama à mercê de uns remédios e de uns aparelhinhos, e de outras pessoas absolutamente estranhas e desconhecidas, chamadas “médicos”, e treme como um passarinho e…

– E então……

– E então, quando o Eu está tão pobre, às vezes ele pensa na morte, e se pensa na morte também consegue pensar em D’us.

– Para que o salve da morte?

– Sim, para o que salve da morte.

– Por que tem medo?

– Medo…

– Por que tem medo de morrer?

– Porque é um ser perdedor, morrer é perder para ele, e ele não tolera que os outros continuem vivendo e que sejam ganhadores. Morrer nesse caso, é primeiro uma morte espiritual, uma morte produto de um vazio, e a partir daí o tempo dá lugar lentamente à morte física.

– Como poderíamos curá-lo?

– Não sei se tem cura.

– Sim, tem cura: educa-te a pensar na morte quando estás são; pensa na morte, que é a única maneira de viver a vida e de saboreá-la; pensa que amanhã não estarás, e talvez apazigúes teu ânimo, e apagues teus ódios, tuas perversidades; pensa na morte, meu filho, pensa nela, não para ficar triste, senão exatamente para que amanhã, quando acordares, não digas a ti mesmo: “Tenho que ir ao trabalho para esmagar, destruir os outros, mas sim: “Que maravilha, estou vivo, o dia está lindo, mais um dia; quantos sabores vou poder provar neste dia, quantas carícias, quantos sorrisos, quantos conselhos, quantos escutar felicidades, penas, aflitos, logros, quantos amores”.

Porque se não sabes viver, primeiro morres em vida, já que deixas que teu “Eu”, te domine, a sitra achrá (o instinto negativo, representado pela petulância, a arrogância), te engane, e tu achas que vives, só que estás morrendo em vida.


RUBEN NAJMANOVICH – Rabino, Professor da Ciência da Religião, Mestre em Ciências Sociais e humanidades menção educação. Saiba mais.

rubenaj@terra.com.br