MAIS MÉDICOS E MENOS IMPROVISO – JOSEF BARAT
Fomentar conflitos para justificar políticas de curto prazo é postura de alto risco. Portanto, não é correto insuflar a população contra os médicos brasileiros. Os hospitais públicos e postos de saúde funcionam graças à abnegação de médicos, enfermeiros e atendentes brasileiros.
No jargão dos economistas, o termo estrutural expressa algo decorrente de características essenciais ou duradouras da economia – tratando, portanto, de mudanças que delineiam o longo prazo –, enquanto o termo conjuntural é relativo a variações ou ocorrências no curto prazo. Dar soluções conjunturais a problemas de natureza estrutural, visando ao curto prazo, pode representar uma séria contradição quando se trata de formular políticas públicas.
Por outro lado, fomentar conflitos para justificar políticas de curto prazo é postura de alto risco. Portanto, não é correto insuflar a população contra os médicos brasileiros. Os hospitais públicos e postos de saúde funcionam graças à abnegação de médicos, enfermeiros e atendentes brasileiros. Mal remunerados, sem equipes de apoio e sem equipamentos, dedicam-se a dar assistência médico-hospitalar com grande sacrifício pessoal. Claro que qualquer iniciativa que vise a melhorar o alcance e os padrões de qualidade dos serviços merece aprovação. Mas, dada a extrema complexidade da saúde pública no Brasil, é necessário fazer uma avaliação isenta e objetiva do programa Mais Médicos, sem ideologias nem reações emocionais.
É sempre oportuno lembrar que os problemas da saúde pública nas áreas desassistidas se acumulam há mais de duas décadas. Mais precisamente, desde que foram extintos, no Ministério da Saúde, o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) e a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), criados em 1956 e 1970. Junto com a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), essas organizações de Estado davam suporte a um corpo de médicos sanitaristas de carreira, que exerciam uma função importante com relação não só às endemias, mas também à educação sanitária em comunidades afastadas e carentes.
Foram modelares os programas que contemplaram, de forma integrada, fossas sépticas, tratamento de água e educação sanitária, entre outros. Havia, pois, uma visão estrutural para a solução dos problemas de saúde pública, mesmo considerando a carência de recursos para investimentos e operação. Infelizmente, no governo Collor essas instituições e carreiras médicas foram desmanteladas e sua experiência acumulada se dispersou. A criação da Funasa deixou muito a desejar e se perdeu a visão dos médicos sanitaristas como merecedores de uma carreira de Estado, como têm os magistrados, diplomatas e militares.
Na gestão do ministro Adib Jatene foi criado o programa Médicos de Família, de alcance extraordinário na época, pela objetividade na concepção e condições de baixo custo na sua execução. Infelizmente, esse programa – que tinha visão de mudanças no longo prazo – foi também desestruturado, seguindo a terrível maldição das políticas publicas brasileiras de fazer malograr tudo o que dá certo.
A esta altura, é preciso separar bem e sem paixão a solução tapa-buraco, pela importação de médicos sub-remunerados e de qualificação duvidosa, do que seriam soluções sérias para cobrir de forma duradoura as deficiências dos serviços públicos de saúde, especialmente os que poderiam estar sendo prestados por médicos com carreiras de Estado estruturadas. É pertinente perguntar: 1) se os médicos cubanos terão permanência temporária, pois são impedidos de fixar residência no País, quem irá substituí-los?; 2) Se esses médicos não tiverem suporte de equipes e equipamentos, farão – só no curto prazo – o papel dos antigos médicos sanitaristas?; 3) Existe algum plano de estruturação de serviços de saúde, por meio de equipes multidisciplinares e equipamentos adequados, juntamente com a importação dos médicos?; e 4) Já se pensou em dar aos médicos brasileiros a oportunidade de uma carreira estruturada, com salários dignos e possibilidades de progressão, para alocá-los em áreas carentes, como se faz com magistrados e militares?
Infelizmente, em meio a tanta improvisação, como diria Nelson Rodrigues, o subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos…
JOSEF BARAT é economista, consultor de entidades públicas e privadas, é coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos da Associação Comercial de São Paulo.
NOTA: matéria publicada no jornal O Estado de SP dia 22 de fevereiro.