CHINUCH E CHANUCÁ – POR RABINO JONATHAN SACKS
A suprema lição de Chanucá, bem como do Judaísmo como um todo, é essa. Vitórias militares são temporárias, vitórias espirituais não são. É preciso um exército para defender um país. Mas é preciso haver escolas para defender uma identidade. A palavra Chanucá significa “dedicação” e refere-se à purificação do Templo pelos Macabeus. Mas também deriva da palavra hebraica Chinuch que significa “educação”.
Estamos vivendo uma revolução tecnológica sem paralelo, uma das mais profundas na história, e nossas crianças são as primeiras a aproveitar. Existem, está claro, grandes perigos na Internet, e devemos nos precaver contra eles. Mas há também grandes oportunidades, e devemos entendê-las. Há uma dimensão espiritual na tecnologia da comunicação, e até mesmo uma conexão de Chanucá. Para compreendê-las precisamos de perspectiva histórica.
As transformações mais profundas na sociedade ocorrem quando há mudanças na maneira de registrarmos e transmitirmos informação. Podemos rastrear uma dessas na história da Europa após a invenção da impressão no Século Quinze, por Johann Gutenberg. O resultado foi uma vasta democratização do conhecimento, que terminou por levar à Reforma, ao desenvolvimento da ciência, ao surgimento do Iluminismo e à criação do estado moderno – tudo isso foi tornado possível pela divulgação da literatura e e pelo aumento na disponibilidade de livros. Gutenberg foi identificado como o homem do milênio.
A primeira grande revolução ocorreu entre cinco e seis mil anos atrás com a invenção da escrita cuneiforme na Mesopotâmia, e os hieroglifos no antigo Egito. Naquele momento podemos datar o nascimento da civilização. Pela primeira vez o conhecimento se tornava cumulativo. Uma geração podia transmitir sua sabedoria à seguinte. As pessoas não estavam mais limitadas apenas pela memória. O começo dos registros escritos foi um momento-chave na história da humanidade.
Porém, foi a segunda revolução, cerca de dois mil anos mais tarde, que teve realmente uma importância que marcou época, ou seja, a invenção do alfabeto em Canaã mais ou menos na época dos Patriarcas. Tanto a escrita cuneiforme quanto os hieroglifos envolviam caracteres demais para semem dominados por mais do que uma pequena parcela da população. A Mesopotâmia e o Egito eram sociedades hierárquicas e não poderia ter sido de outra forma. A vasta maioria das pessoas, incapaz de ler ou escrever, não tinha chance de atingir seu pleno potencial como seres humanos. Eram uma força de trabalho, nem mais nem menos, com frequência empregados por governantes para trabalho forçado na construção de projetos grandiosos como torres babilônicas, pirâmides e templos egípcios. A Torá contém críticas acerbas de ambos em suas narrativas da Torre de Babel e da escravidão dos israelitas no Egito.
Não sabemos quem primeiro inventou o alfabeto. Podem ter sido os fenícios, os canaanitas, ou um dos vários outros povos que ocuparam a estreita faixa de terra que hoje é o Estado de Israel. Porém, isso sabemos, que os primeiros alfabetos eram semíticos. Na verdade, a palavra alfabeto deriva das primeiras duas letras da escrita hebraica, alef e bet.
Não pode haver dúvida de que nossos ancestrais foram os primeiros a entender plenamente as implicações radicais da nova tecnologia. Um alfabeto que envolve um símbolo formado por meras vinte e duas letras pode ser dominado por todos. Pela primeira vez abriu-se uma perspectiva de sociedade realmente igualitária, na qual todo ser humano podia atingir seu verdadeiro potencial por meio do acesso direto ao conhecimento. O Profeta Yeshayahu disse isso lindamente: “E todos os nossos filhos serão instruídos sobre D’us, e grande será a paz de teus filhos.” O nascimento do livro fez surgir o povo do Livro.
O Judaísmo tornou-se a primeira – e ainda a mais notável – civilização baseada na educação, estudo e a vida da mente. O que nos leva a Chanucá. A palavra Chanucá significa “dedicação” e refere-se à purificação do Templo pelos Macabeus. Mas também deriva da palavra hebraica Chinuch que significa “educação”, e nos lembra que um dos resultados da vitória dos Macabeus foi uma enorme intensificação do estudo judaico, culminando no primeiro sistema mundial de estudo universal. O encontro com a cultura grega ensinou aos judeus a lição vital de que o verdadeiro campo de batalha da sobrevivência judaica não era militar, mas educacional. Essa foi a única maneira para eles poderem resistir à assimilação. E ainda é.
A reedificação do Templo não durou muito mais que dois séculos. Foi então destruído pelos romanos e ainda não foi reconstruído. Mas a rededicação do povo judeu, através da educação, escolas judaicas e uma vida de estudo tem perdurado desde aquele dia até hoje.
A suprema lição de Chanucá, bem como do Judaísmo como um todo, é essa. Vitórias militares são temporárias, vitórias espirituais não são. É preciso um exército para defender um país. Mas é preciso haver escolas para defender uma identidade. Os judeus terminaram perdendo seu país. Mas jamais perderam seu conhecimento de quem eram e por quê. Foi assim que conseguiram sobreviver a dois mil anos de exílio e por fim retornar e reconstruir nossa terra.
Em Chanucá nossos ancestrais dedicaram um edificio, mas eles fizeram mais. Dedicaram uma centena de gerações de crianças judias através de chinuch, educação judaica.
“Chame-os não de seus filhos, mas de seus construtores”, disseram os sábios, lembrando-nos de que deveríamos nos preocupar mais com os construtores do que com as construções.
LORD RABINO JONATHAN SACKS, antigo Rabino Chefe da Grã-Bretanha e da Comunidade Britânica, além de famoso escritor e palestrante sobre Chassidismo. É fundador e diretor do Meaningful Life Center (Centro para uma Vida Significativa).
Fonte: WWW.pt.chabad.org