GENTÍSSIMA – ALEXANDRA BALDEH LORAS, CONSULESA DA FRANÇA – POR GLORINHA COHEN‏

“Preconceito é um ato cruel, velado e escondido. Dá até vergonha de contar sobre os atos tão violentos que a sociedade nos manda de maneira subliminal e sutil. Eu gosto de despertar as consciências a respeito disto, porque as próprias pessoas que fazem atos racistas, nem se dão conta e não se consideram racistas”.

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Impossível não se quedar perante o charme mesclado com a simplicidade e simpatia da consulesa Alexandra Loras, esposa do cônsul geral da França em São Paulo, Damien Loras.

Alta, magra, de longos cabelos crespos e de uma elegância a toda prova, a francesa de origem judaica e muçulmana está desde 2013 no Brasil e tem muito do que se orgulhar aos 37 anos. Dentre outros predicados, é formada em Ciências Políticas com Mestrado na Sciences Po, de Paris, foi apresentadora de TV e é escritora – publicou o livro “One Day in Paris” e o segundo será lançado em setembro. Atualmente profere palestras sobre inclusão social, valorização e fortalecimento da comunidade negra e empreendorismo social, sendo também a responsável pelo blog www.alexandradoras.com , no qual destaca grandes líderes negros.

Preconceito racial? Inevitável que ela o conhecesse. Única negra entre cinco irmãos, oriundos dos quatro casamentos de sua mãe, com quem viveu somente entre brancos, foi alvo de preconceito quando estudava num colégio parisiense de freiras e já o experimentou no Brasil ao adentrar em um clube com seu filho Raphael, um loirinho de três anos.

Mas, “crescer na adversidade a ajudou também a crescer como ser humano e a definir seu caráter e sua forma de enxergar o mundo”, como ela afirma nesta entrevista que nos concedeu especialmente e onde desnuda sua alma para mostrar a mulher incrível que é.


GC – Nasceu quando e onde?

Alexandra Baldeh Loras: 16 de janeiro de 1977 em Paris.

GC – Comida preferida?

Alexandra Baldeh Loras: Couscous marroquino.

GC – Perfume preferido?

Alexandra Baldeh Loras: Elixir de clinique.

GC – Hobby?

Alexandra Baldeh Loras: Comunicação não violenta, cultura da paz.

GC – Pratica algum esporte?

Alexandra Baldeh Loras: Equitação, golfe e esquiar.

GC – Defina felicidade.

Alexandra Baldeh Loras: Ter empatia, compaixão e respeito para cada ser de nosso mundo. Felicidade é compartilhar um mundo melhor com todos.

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GC – Sociedade:

Alexandra Baldeh Loras: Um espaço codificado com protocolo subliminar, onde as pessoas tentam jogar sem conhecer o fim o as regras do jogo. Atualmente a sociedade é um espaço de reprodução de desigualdades e exclusão, precisamos, juntos, reverter esse quadro e não colocar o individual/familiar acima do coletivo.

GC – Justiça.

Alexandra Baldeh Loras: Em primeiro lugar, igualdade de oportunidades. Além disso, significa equiparação de direitos e sobretudo acesso universal à cidadania, em todas as suas instâncias.

GC – Pessoa ideal:

Alexandra Baldeh Loras: Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela, desafiadores da paz, sem violência para consegui-la.

GC – O que a faz perder a paciência?

Alexandra Baldeh Loras: As pessoas verbalmente agressivas com preconceitos e falta de inclusão social.

GC – Experiência inesquecível.

Alexandra Baldeh Loras: Meu encontro com Barack Obama na Normandia.

GC – Como foi sua infância e adolescência?

Alexandra Baldeh Loras: Uma sucessão de desafios difíceis que parecia ser minha normalidade e única referência, mas que me ajudou muito a gerar uma sobrevivência otimista natural por tudo. Crescer na adversidade me ajudou a crescer enquanto ser humano e definiu meu caráter e minha forma de enxergar o mundo, assim, como teve peso fundamental no que eu iria me dedicar a trabalhar na minha vida.

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GC – Fale-me sobre a época em que era apresentadora de televisão em Paris.

Alexandra Baldeh Loras: Em vez de reclamar que não tinha negros na televisão francesa, eu decidi ir lá para ser parte da mudança e funcionou. Eu consegui apresentar vários programas em 7 anos: fui apresentadora de um show de política e de outro de entretenimento, parecido com o programa da Regina Casé na Globo. E de jockey também.

GC – O que esta experiência lhe trouxe?

Alexandra Baldeh Loras: Muito carinho das pessoas. A televisão tem o poder de mudar a percepção delas.

GC – Como é a vida de esposa de diplomata?

Alexandra Baldeh Loras: Muito estimulante intelectualmente e, em muitos momentos, desafiadora no sentido de acreditar sempre num mundo mais justo e com igualdade social.

GC – Você está no Brasil desde quando? Que balanço faz deste tempo?

Alexandra Baldeh Loras: Há dois anos estou no Brasil. É um país bastante acolhedor e o mais fascinante é a diversidade de povos, raças e credos. A diversidade cultural é impressionante e, em minha opinião, é o que faz os brasileiros tão únicos em relação ao resto do mundo. No entanto, o país ainda tem muito a avançar em relação a inclusão das minorias, principalmente em relação aos negros, que em contradição são a maior parcela da população. O Brasil perde muito – principalmente o setor privado – ao ignorar talentos e potenciais das comunidades.

GC – Você tem um site muito interessante que é o www.alexandraloras.com . Fale-me sobre ele e o que a inspirou a criá-lo.

Alexandra Baldeh Loras: Eu resgatei minha autoestima quando comecei a fazer meu mestrado sobre a inviabilidade do negro na televisão francesa – a França teve 400 anos de escalvado e 300 anos de colonização, o que quer dizer que ela também tem um ar multicultural e multirracial, mesmo que não queira assumir. A França é muito parada na época das luzes e não quer se modernizar e enxergar os frutos das sementes plantadas. Eu amo meu país, mas foi muito difícil crescer lá sendo negra. Decidi criar um blog quando descobri que tinha muito arquivos sobre grandes líderes negros, intelectuais como Esope, Aimé Cesaire, Alexandre Dumas, Alexandra Pushkin, etc. Achei que tinha que compartilhar esse conhecimento que me ajudou muito a me reconhecer capaz de ir em qualquer caminho, ambiente e cargo.

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GC – Você faz palestras em quais lugares e sobre quais assuntos?

Alexandra Baldeh Loras: Escolas públicas, instituições e empresas. As palestras geralmente abordam inclusão social, valorização e fortalecimento da comunidade negra e empreendedorismo social.

GC – Você é de origem muçulmana e judaica. Como lidou com isto e por qual religião optou?

Alexandra Baldeh Loras: É polêmico dizer que 90 % das três religiões monoteístas têm o mesmo conteúdo. Sou muito religiosa, mas minha relação com Deus não precisa se encaixar numa religião. Eu tento praticar o amor, a compaixão e o respeito para com os outros de maneira incondicional.

GC – Como vê o crescente antissemitismo no mundo e como reagir diante dele?

Alexandra Baldeh Loras: Vejo que o medo do outro está crescendo. Precisamos incluir mais e dar muito amor para essas almas que são geradoras de atos violentos, antissemitas, xenófobos, racistas e terroristas. Elas precisam receber amor para despertar… Se seguimos a pensar que somos nós contra os outros, nunca vai acabar.

GC – Você tem a pele negra e um filho loiro. Assim, já deve ter sofrido algum tipo de preconceito. Desde quando e como reage a isto?

Alexandra Baldeh Loras: Preconceito é um ato cruel, velado e escondido. Dá até vergonha de contar sobre os atos tão violentos que a sociedade nos manda de maneira subliminal e sutil. Eu gosto de despertar as consciências a respeito disto, porque as próprias pessoas que fazem atos racistas, nem se dão conta e não se consideram racistas.

GC – E aqui no Brasil, como vê o racismo?

Alexandra Baldeh Loras: É o mesmo racismo gerado no mundo inteiro. Tem um apartheid social e territorial, que não deixa a minoria negra, que é na verdade uma maioria – 57% da população -, acessar todos os direitos sociais. São 120 milhões de negros!

GC – Você já morou em quais países e para qual deles gostaria de voltar? Por que?

Alexandra Baldeh Loras: Já morei na Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Espanha, México, Suécia e França e voltaria para todos, porque acho que é a qualidade das pessoas que você encontra que faz você gostar ou não de um país. Eu sempre encontrei pessoas maravilhosas e inspiradoras.

GC – Onde achou que o racismo era mais evidente?

Alexandra Baldeh Loras: Em cada país, infelizmente. Mas, é difícil enxergar quando você não é negro, como para um homem saber o que é sofrer de discriminação por ser mulher. No Brasil, o racismo é evidente na televisão tanto pela falta de representatividade negra tanto pelo fato de que, quando representada, é sempre carregada de estigmas negativos. As universidades também são racistas, locais de produção de conhecimento acessível apenas para jovens ricos e brancos. Por isso, a necessidade de implantar o sistema de cotas raciais tanto como uma forma de reparação ao povo negro, de transformar a universidade do povo e para o povo e valorizar a juventude negra. Pena que a USP, maior universidade do Brasil, não avançou sobre a questão.

GC – Qual mensagem daria àqueles que sofrem algum tipo de preconceito?

Alexandra Baldeh Loras: Pesquisa para se formar. Educação é a melhor arma contra racismo. Estudar, saber o que responder ao agressor, mas sempre com compaixão, empatia e amor.

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