MACHADO DE ASSIS E O JUDAÍSMO – POR MERALDO ZISMAN

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O fato de não ter sido aceito pelos brancos, na sociedade de brancos, e de ser repudiado, também, pelos homens de cor, vem levando alguns a supor que Machado de Assis teria uma origem judaica. Isso talvez seja verdade!


José Maria Machado de Assis ou, simplesmente, Machado de Assis, foi um dos maiores escritores brasileiros. Poeta, romancista, contista, dedicou-se ainda à crônica e ao teatro. Nasceu em 1839, filho de uma mulher branca, açoriana, e de um mulato brasileiro. Machado revelou-se um profundo conhecedor da vida: estava sempre preocupado com o destino do homem e com o significado da existência. A condição humana e suas vicissitudes brotam de sua pena criadora e, no presente é autor discutido, comentado e lido em todos os meios acadêmicos.

Na certa, se tivesse escrito em uma língua mais falada, teria sido uma criatura literária, descoberta e consagrada, há muito tempo. Ou, será que foi melhor assim? Eu não sei quando o mundo alcançou uma maior maturidade para entender os escritos machadianos. Os temas judaicos são bastante comuns em suas obras. Esaú e Jacó ou Acadêmicos de Siãopodem sercitados como exemplos. E a freqüência com que Machado se refere e trafega entre o deslocado social, uma minoria perseguida e mestiça como ele próprio é.

O fato de não ter sido aceito pelos brancos, na sociedade de brancos, e de ser repudiado, também, pelos homens de cor, vem levando alguns a supor que Machado de Assis teria uma origem judaica. Isso talvez seja verdade! Qual é o brasileiro que não tem um ancestral cristão-novo ou marrano (porco), como assim denominavam os espanhóis aos judeus convertidos à força (ou, por convencimento), em outras palavras, por bem ou por mal?

Nenhum outro escritor brasileiro compreendeu, melhor, a situação do marrano que Machado de Assis. Em seu poema – A Cristã-Nova – eleprepondera o anseio da perda, a carência e o desamparo. E o pior de todos os males: o quedar-se, sem esperança. A desesperança, para o povo judeu. No poema, Machado oferece uma opção que é o sacrifício, a morte, juntamente com a fidelidade a Israel.

Ele revela, por um lado, um velho judeu que, olhando a Baía de Guanabara, sente saudades “virtuais” de Jerusalém; e, por outro, sua jovem filha, devota do cristianismo e apaixonada por um cristão. Filha querida, encantada com o Novo Mundo, e com uma nova vida pela frente. Ele, o pai, velho e cansado judeu, milagrosamente sobrevivente, perseguido por milênios, escorraçado, amaldiçoado e repudiado, que se consola através de um único sentimento que lhe permitem possuir: a saudade pelas terras de seus ancestrais, no tempo em que os judeus tinham uma pátria.

Por obrigação, ficou zeloso pela conservação de seu povo. Faz tanto tempo que sofre que não teria medo de pedir ao Senhor que escolhesse um outro povo para ser O Escolhido. Falaria com Deus, invocaria a Lei do Revezamento. A cristã-nova, porém, com a prisão do seu pai pelo Santo Ofício, deixa a Igreja, e se volta para os antepassados, pois, não pode fugir ao destino de ser judia.

Machado de Assis retoma o tema judeu em seu conto Viver! Nele, narra o desencanto de Ahasverus – o judeu errante – com a vida. Apresenta a luta entre o impulso da vida e a morte, muito antes que seu conterrâneo, Sigmund Freud, tenha popularizado o embate eterno entre a vontade de viver e a luta contra a morte. Ahasverusé uma lenda judaica antiga: simboliza o judeu, cansado de sofrer e de vagar pelo mundo. Machado apresenta um diálogo entre o judeu e o grego Prometeu, no qual o primeiro amaldiçoa a vida e quer morrer; e, o segundo, tenta consolá-lo, dizendo que o bem e a justiça terminarão por vencer. Ahasverus representa o amor à vida, que emerge da esperança de um possível Retorno.

A historiadora Anita Novinski, em seu livro O olhar judaico em Machado de Assis, comenta o sonho messiânico, afirmando ser ele altamente recomendável para os amantes da Literatura. E, mormente, hoje, para determinadas espécimes de intelectuais brasileiros, que semeiam o antissemitismo pelo mundo.


MERALDO ZISMAN – Médico psicoterapeuta. Saiba mais.

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