AMÓS OZ: ‘O CONFLITO DO SÉCULO XXI É ENTRE OS FANÁTICOS E NÓS’- POR GUILHERME FREITAS

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Em novo livro, autor israelense defende diálogo, humor e arte como antídotos para extremismo

No dia seguinte aos atentados cometidos por extremistas islâmicos em Paris, em novembro de 2015, o israelense Amós Oz fez uma conferência. “O Estado Islâmico não é apenas um bando de assassinos, é uma ideia, nascida da raiva, do desespero e do fanatismo”, disse o escritor: “Pode-se usar a força para derrotar o Estado Islâmico, mas o vazio que a isso se seguirá deve ser preenchido com ideias melhores”. A conferência abre o livro “Como curar um fanático” (Companhia das Letras, tradução de Paulo Geiger), que reúne mais quatro textos do autor publicados nos últimos dez anos. Neles, Oz fala sobre “ideias melhores” que podem enfraquecer o fanatismo: empatia, humor, arte, diálogo. Também volta a um tema que tem debatido por toda a vida, o conflito entre Israel e Palestina, para o qual só vê uma solução: a criação de dois Estados, que exige “concessões dolorosas” de ambos os lados, diz em entrevista por telefone, de sua casa, em Israel.

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Logo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA, o senhor disse que era surpreendente descobrir que depois do século XX vinha o século XI. O que pensou depois dos atentados de Paris, em novembro, quando fez a palestra que abre o livro?

Pensei que enfrentamos uma explosão de fanatismo, de ódio cego, de extremismo violento. O que vivemos neste início do século XXI não é um choque de civilizações, nem um conflito entre Ocidente e mundo árabe ou entre ricos e pobres. É um choque entre os fanáticos e o resto de nós. E há fanáticos de todos os tipos e inclinações políticas e religiosas.

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O senhor diz que curiosidade e humor podem ser antídotos para o fanatismo. Como?

Nunca vi um fanático com senso de humor. Nem uma pessoa com senso de humor se tornar fanática, a não ser que perca a graça. Um fanático pode ser sarcástico, mas não tem a capacidade de rir de si mesmo, que é o melhor antídoto para o fanatismo. Curiosidade, empatia e compaixão são formas de se colocar no lugar do outro. O que não significa necessariamente aceitar o ponto de vista do outro, nem oferecer a outra face ao inimigo. Apenas imaginar: “e se eu fosse ele?”. Fanáticos nunca fazem isso. Fanáticos são pontos de exclamação ambulantes.

A literatura também pode ser um antídoto para o fanatismo?

Acredito que há um gene fanático dentro de cada ser humano, e a literatura pode ser um bom meio de combatê-lo. Quando escrevo, eu me pergunto: “E se eu fosse ele ou ela? O que sentiria? Como me comportaria?”. Quando escrevo ficção, tento me colocar no lugar do outro, às vezes de alguém de quem discordo completamente. Uma obra literária é um convite a imaginar o que pensa e sente a pessoa do outro lado do rio, a pessoa que está além da montanha, ou mesmo a pessoa que dorme ao seu lado na cama todas as noites.

No livro, o senhor diz que o fanatismo do Estado Islâmico não pode ser vencido só pela força, porque não se mata uma ideia. Como se vence uma ideia?

A História não é só um campo de batalhas de exércitos, é também um campo de batalha de ideias. E ideias nocivas são vencidas por ideias melhores, não só por armas. Fanáticos são pessoas desesperadas. Se oferecermos algum raio de vida e de esperança, alguma perspectiva, podemos suplantar uma ideia ruim com uma ideia melhor. No combate ao extremismo islâmico, os muçulmanos moderados têm um papel importante. Os moderados precisam apontar que os fanáticos têm uma interpretação equivocada do Islã. Sou visto pelos radicais como o inimigo, o demônio. Quando essa contestação vem de um muçulmano, tem mais impacto.

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O livro traz um texto da época dos Acordos de Genebra de 2003, iniciativa de paz assinada por autoridades israelenses e palestinas que defendia a criação de dois Estados. No texto, o senhor dizia ver no horizonte um fim para o conflito. A solução está mais distante?

É difícil ser profeta nesta terra de profetas, a concorrência é muito grande. O que posso dizer é que não vejo alternativa melhor do que a solução de dois Estados, simplesmente porque árabes palestinos e judeus israelenses não vão a lugar algum, não têm para onde ir. Esse conflito não vai ter final feliz. Ou vai acabar com um doloroso acordo ou com um banho de sangue eterno. A solução de dois Estados envolve uma série de concessões dolorosas para israelenses e palestinos. Os dois lados vão ter que abdicar de um pouco de seu passado e de suas aspirações.

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O que pensa da permanência de assentamentos israelenses em territórios palestinos?

Desde o fim da Guerra dos Seis Dias, em 1967, digo que construir assentamentos em território palestino é um erro político e moral. Tinha 29 anos na época e continuo a achar que foi um grande erro. No entanto, hoje alguns assentamentos são populosos demais para serem simplesmente evacuados, então penso que, em alguns casos, seria preciso haver uma troca de territórios entre israelenses e palestinos. Sou a favor de basear os novos Estados de Israel e Palestina nas fronteiras de 1967, com algumas modificações mútuas.

No lugar do slogan “Faça amor, não faça guerra”, o senhor costuma dizer “Faça paz, não faça guerra”. Que tipo de pacifismo defende?

O oposto de guerra não é amor, é paz. No Ocidente, é comum a fantasia sentimental de que todo conflito no mundo é em essência apenas um mal-entendido. Bastaria um pouco de terapia de grupo para resolver tudo e deixar todos felizes. Mas não há mal-entendido algum entre judeus israelenses e árabes palestinos. Ambos querem ficar nesta terra e têm razões muito fortes para isso. Não é um mal-entendido, é uma tragédia. A saída é assumir compromissos e fazer concessões, e isso será doloroso para ambos os lados. Mas não há alternativa.

Fonte: matéria publicada no Jornal O Globo