QUAL O ESPÍRITO DO JUDAÍSMO? (SER JUDEU NA FRANÇA) – POR DR. JAYME VITA ROSO

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O polêmico e intrigante Bernard-Henri Levy (conhecido na França como BHL) é um incansável defensor e apoiador de toda e qualquer causa honesta que envolva Israel.

Escritor prolífico de altíssimo nível intelectual, não dispensa, todavia, de se vangloriar e de se monstrar um homem cujo dotes físicos são dignos de serem ressaltados e elogiados, não mostrando nenhum receio de se colocar como um eterno galã.

Lembrei-o ao perfilá-lo ao lado de outros intelectuais franceses contemporâneos, colocando-o em destaque na obra mencionada[1].

A atual geração brasileira merece que se dê a BHL o relevo que aqui está sendo feito e, de forma sintética, conheça um pouco da sua biografia que foi colocada no livro mencionado e que faço questão de reproduzir:

“BHL nasceu dia 5/11/1948, cidade de Béni Saf, localizada no noroeste da Argélia, perto de Oran. É conhecida pelas suas inúmeras jazidas minerais, que vêm sendo exploradas por companhias estrangeiras e nacionais há mais de 100 anos. Localiza-se à beira mar. Nos dias atuais, é um centro turístico de importância, possuindo inúmeros hotéis visitados e frequentados por estrangeiros.

Viveu alguns anos com a família no Marrocos. Quando jovem, todos se mudaram para a França, onde se instalaram em 1954, em Neuilly-sur-Seine, comuna francesa do departamento de Altos do Sena (região da Île-de-France).

Seu pai, André, fundou a sociedade La Becob, especializada na importação de madeiras africanas. Essa empresa, ao longo dos anos, teve muitos altos e baixos até que, em 1986, em situação desesperada, BHL intervém decisivamente para apoiá-lo. Muito controvertida a intervenção, pois, na época, graças a suas fortes ligações com o Ministro das Finanças e outros políticos influentes, obtiveram capital suficiente para continuar as atividades da empresa que, por fim, acabou sendo vendida em 1997 para o grupo Pianult-Printemps-Redoute. A conclusão é que, sanadas as finanças da empresa, o negócio proporcionou a BHL uma valorização patrimonial importantíssima, em torno de 800 milhões de francos franceses. O personagem Rastignac, celebrado na obra de Honoré de Balzac, foi caracterizado em BHL pois aquele podia permitir-se desprezar o dinheiro, já que não valia nada para sua vida…

Fez estudos iniciais no Liceu Pasteur em Neuilly-sur-Seine e depois continuou no Liceu Luís, o Grande. Ingressou, em 1968, na famosa Escola Normal Superior localizada na rua Ulm, em Paris. Teve como professores, dentre outros, Jacques Derrida e Louis Althusser. Publica seu primeiro artigo na revista Les Temps modernes, fundada por Jean-Paul Sartre, do qual Claude Lazmann foi secretário. Com o título de Mexique, nationalisation de l’impérialisme, esse artigo sucedeu a uma longa visita de BHL ao México em 1969.

No período de 1970 a 1976, BHL consolida-se como intelectual e como cidadão atuante. Em 1971, gradua-se em Filosofia e, no mesmo ano, no jornal de pouca circulação Combat, escreve uma longa reportagem sobre os conflitos que ocorriam na Irlanda do Norte. Esta, então, procurava se desvencilhar o controle inglês e existia no país profundo ódio religioso. Também realizou um périplo pelo Paquistão, na ocasião mergulhado em uma guerra de libertação. Dessa viagem, escreve seu primeiro livro Bangla-Desh Nationalisme dans la révolution (Bangladesh – Nacionalismo na revolução), em 1972, publicado pela editora Maspero. Retornando à França, é nomeado professor de epistemologia na Universidade de Estrasburgo e auxiliar na cadeira de filosofia em Paris. Em 1974 cria uma coleção intitulada “Figuras” para a editora Gasset e, também no mesmo ano, nasce uma filha do seu primeiro casamento com a manequim Isabelle Doutreluigne, Justine Lévy. Em 1976, logo no início do ano, ele ingressa como um dos assessores do Presidente François Mitterrand no “Grupo dos Técnicos”. Foram seus companheiros diversas personalidades políticas, dentre elas Michel Rocard, Laurent Fabius e Edith Cresson.

A partir do instante em que já se tornara muito conhecido no meio intelectual e político francês, passa a colaborar (1976) na revista Les Nouvelles Litteráires (As Novidades Literárias). Ela publicou então um número inteiramente consagrado aos “Novos Filósofos”, tornando-se BHL não só um deles, como também redator chefe da revista.

Em 1977, realmente se consagrou, tendo sido reputado um verdadeiro fenômeno, ao escrever e publicar o livro que se tornou iconográfico La Barbarie à visage humain (A crueldade com face humana). Denuncia o fascismo e o comunismo histórico e mostra que a sua geração insistia em repensar a política, deixando de lado ou até esquecendo os totalitarismos, bem como se lançando em forte crítica ao racionalismo.

Seu segundo livro Le Testament de Dieu (O Testamento de Deus), publicado em 1979, continua a temática do anterior. Faz, outra vez, criticas pesada ao desencantamento do mundo em que vivia e do niilismo contemporâneo. Compromissa-se com a obra de Lévinas. Embora contemporâneo, o mestre não tem a mesma linha de conduta que ele na vida profissional.

Segue nas denúncias à tradição genealógica do fascismo da época, retratado na extrema esquerda terrorista, entre 1980 e 1983; participa do movimento “Ação internacional contra a fome”, em companhia de Marek Halter e outros nomes representativos na intelectualidade francesa. Com Halter, BHL cria o “Comitê dos Direitos do Homem”, que se propõe a boicotar os Jogos Olímpicos de Verão de 1980 e, nesse mesmo anos, casa-se com Sylvie Bouscasse, tendo com ela um filho, Antonin.

O ano de 1981 foi muito fértil para BHL. Logo, com a publicação de L’Idéologie fançaise (A Ideologia francesa), pela editora Grasset da qual é fiel até hoje, aporta sua contribuição a uma retrospectiva da França como laboratório do fascismo europeu, denunciando o “fascismo afrancesado”, que se fundava sobre valores tradicionais/ conservadores, dentre os quais a casa própria e o culto da terra, denegrindo o espirito cosmopolita que se esboçava na época, com certo falso nacionalismo, assim como o ódio das ideias e dos intelectuais e fazendo oposição ferrenha ao movimento do Espirito das Luzes, originário se 1789. Tudo isso foi trazido em discussão nessa obra que marca a formação de uma longa jornada intelectual de BHL. Ela foi criticada por outros intelectuais do porte de Raymond Aron, Paul Thibaud ou ainda Pierre Nora.

Em 1987, publica L’Éloge des intellectuels (Grasset); em 1988, Les Derniers Jours de Charles Baudelaire (Grasset); em 1990, lança e dirige a revista La Règle de jeu; 1991, nomeado Presidente da Comissão dos adiantamentos sobre as receitas financeiras para a arte cinematográfica; em 1992, difunde, pela Cadeia France 3, o documentário que denuncia o martírio de Sarajevo, cidade ecumênica, e o sofrimento dos seus habitantes que sofreran bombardeios frequentes, resistindo a eles com heroísmo: Un jour dans la mort de Sarajevo; 1993, casa-se com a atriz Arielle Dombasle e torna-se presidente do Conselho de Governança da Cadeia Televisiva Arte.

Entre 1994 e 2005, com outros intelectuais franceses, BHL participou da constituição da lista de um Comitê intitulado “A Europa começa em Sarajevo”, para pressionar os partidos políticos europeus a tomar em conta a situação explosiva nos Bálcãs. Embora fossem feitos muitos esforços, o resultado foi nulo. De qualquer forma, continuou pessoalmente seu esforço para apoiar os intelectuais da conhecida Bósnia-Herzegovinia e para tanto escreveu dois livros: La Pureté dangereuse (A pureza perigosa) e Le Lys et la Cendre – Journal d’un écrivain au temps de la guerre de Bosnie (O Lírio e a Cinza – O diário de um escritor nos tempos da guerra da Bósnia). Em 1997, dirige um filme de ficção no México, Le Jour ey la Nuit e, no ano seguinte, no jornal Le Monde publicou uma série de reportagens sobre a guerra civil e o terrorismo na Argélia, denunciando e acusando o islamismo radical e seus militantes.

Em 2000, traz ao público Le Siècle de Sartre (O Século de Sartre), que foi muito comentado, apreciado por uns e criticado por outros. “Es iz laichter tsu zein a mevaker vi a mechaber” (É mais fácil criticar do que ser autor, reza o ditado iídiche). No mesmo ano, funda com Benny Levy e Alain Finkielkraut, em Jerusalém, o Instituto de Estudos Levianos, consagrado ao estudo e ao pensamento do filósofo Emanuel Levinas.

Dois anos depois, encarregado pelo presidente da República, Jacques Chirac, e pelo primeiro-ministro Lionel Jospin, dirigiu-se ao Afeganistão para tentar articular a possível reconstrução cultural do país livre. Retornando à França, apresentou-lhes um relatório, tendo oferecido a contribuição do seu país àquela finalidade humanitária e publicado em La documentation Française. Entre esse ano e o seguinte, justifica que se atacasse Saddam Hussein, apodando-o de homicida pelo massacre dos curdos e dos xiitas; de terrorista; de megalomaníaco suicida; de louco; de Nero moderno. Apresentou uma razão curiosa da sua atitude: entendia que combater o terrorismo através dos meios então utilizados, quase sempre defensivos era inútil. Somente a guerra poderia ter resultados eficazes.

No ano seguinte, a Grasset publica Qui a tué Daniel Pearl? (Quem matou Daniel Pearl?). Esse livro foi duramente criticado por quem o comentou em publicações importantes. Inclusive, diversos aspectos pessoais de BHL foram levados em consideração, mostrando a inconsistência da obra, pois “um brilhante, prolífico escritor completado com falta de vergonha na autopromoção, BHL sempre mudou a sua vontade de um ensaio para um filme, de Jean-Paul Sartre para Gulag, da Bósnia para Charles Baudelaire, de uma mulher exuberante para um palácio de férias em Marrakesh. Inevitavelmente, ele teria que confrontar o principal assunto do momento – a política islâmica. E completando a faceta ambígua dele, BHL escreve que era contra a guerra de Bush no Iraque, mas ao mesmo tempo, ele culpava as massas que clamavam que é melhor ser escravo com Saddam Hussein do que ser livre graças a Bush. Esse básico engano de sua parte leva-o para os novos conservadores, sejam americanos ou de outras fontes, desacreditando-o após ter-se manifestado evocando princípios contra a guerra ilegal”. Da mesma forma, e com a mesma contundência, inclusive BHL acusado de ser leviano, outra importante publicação reprovou o livro além de apodá-lo de ridículo, apontou-o como um falso James Bond, que deu a si próprio o papel de herói num romance policial. Muito própria a sabedoria judaica: “Me ken nit forem oif alleh yariden oif ain mol” (Você não pode dirigir para todas as direções ao mesmo tempo).

Entre 2006 e 2007, veio à luz seu livro sobre os Estados Unidos, American Vertigo (Vertigem Americana), também polemizado pela revisão que a imprensa fez do mesmo, embora até injusta, pois a sua finalidade foi mostrar a opinião própria a respeito dos Estados Unidos, realmente sem retoques.

Em novembro de 2006, sustentou a candidatura socialista de Ségolène Royal, para a presidência da República, vencida por Nicolas Sarkozy.

Um ano depois, publica seu livro sobre o Partido Socialista Ce grand cadavre à la renverse (O grande cadáver de costas), no qual analisa, ou tenta analisar, a tentação antidemocrática da esquerda francesa. Adquiriu ações e passou a ser membro do Conselho do jornal Libération.

Entre 2008 e 2010, suas atividades têm sido sempre voltadas aos acontecimentos do mundo em curso, através de testemunhos que BHL tem feito em páginas publicadas no jornal Le monde. Também publicou a versão americana de Ce grand cadavre à la renverse (9/08); com Michel Houellebecq, Ennemis publics (8/08), que reúne a correspondência polemica entre os dois autores.

Tem muita participação política (2008/2009), seja por seu engajamento quanto à Faixa de Gaza, como tambpem desaprovando o embrião do Estado Palestino que ele considerou uma base militar avançada dos radicais muçulmanos. Participou ativamente na defesa da oposição de Israel no chamado genocídio de 500 vítimas palestinas, que na verdade foram apenas 52 oficialmente constatadas.

Surpreendentemente, em 2009, pugnou pela extinção do Partido Socialista Francês, “o mais rápido possível, porque se trata de um corpo doente”, sobretudo após o declínio do comunismo. Segundo ele, o PS não encarna mais a esquerda francesa nem a esperança do que seja. O PS devia se renovar com o essencial, ou seja, encarnando a identidade mesma da esquerda, com a convergência dos seus três essenciais princípios: antifascismo, anticolonialismo e antitotalitarismo. Com isso, segundo ele, a esquerda renasceria das suas cinzas, podendo ser a esquerda do futuro, moderna e reinventada. ”

Desde a edição do meu Carrefour, em 2011, até hoje, o inquieto BHL já trouxe ao público diversas obras, todas impecáveis, por isso que eu lhe atribuí “o triunfo da liberdade individual’.

Agora, com a publicação de “Espírito do judaísmo”[2], ele escreve uma obra rigorosamente contemporânea, pois parte desde os meandros da Palavra, como toca na internet e aborda a parte judia da França, desde outras épocas até a atual.

Christophe Barbier, que fez a síntese do derradeiro livro de BHL, enfatiza o fato de se manter judeu na França (com o fogo das labaredas geopolíticas da época, ele, BHL, procura também a unidade de uma vida, a identidade de um homem que, na verdade é uma certa ideia de engajamento e judaísmo, p. 37, L’Express nº 3370).

Destaco do livro, como foi lembrado por Barbier, que também o fez, o interesse da obra está, sem dúvida, no diálogo de um intelectual com o Livro: “A Torá é um livro infinito, a Torá é um livro-homem, a Torá é um livro feito, ultimamente, da pluralidade de homens que se descobrem. É um livro que me convida a ser eu mesmo ” (p. 38).

O mesmo comentarista encerra a apresentação do livro com um texto que precisa ser dado ao conhecimento dos leitores brasileiros, os quais, muito provável, não irão se debruçar na volumosa obra.

Ei-lo: “Não se pode seguir até lá, mesmo se judeus e não judeus são cidadãos com direitos iguais no Estado de Israel” e considerar que ser judeu na França se torne, malgrado o medo lancinante, um destino possível e, de certa forma, invejável, isto porque o espirito do judaísmo ali, dialoga com a tradição cristã, isto para a Republica garante, pela laicidade, a pratica de todos os cultos, e sobretudo porque nesse país a nenhum outro apresenta-se igual, essa Canaã da literatura, pode-se sonhar a vida de Salomé e escrever a Bela do Senhor…”

Em suma, questionado e questionando pela vida e o momento através de um percurso histórico, BHL dá indícios do que é ser judeu na França atual de forma bem fácil de ser captada.

Então, este escriba, com ousadia, propõe, questiona, pergunta, interrogando: “Como é ser judeu no Brasil? ”.

“La france enfin, l’amour d’un Juif pour la France, pour as langue, pour ses mots, ces mots que le talmudiste Rachi, au XI siècle, à Troyes, em Champagne, n’a cesse d’enrichir, des milliers de mot nouveaux entremêlés à ceux de l’hébreu le plus savant, le plus érudit, ce ‘vrai creuset de la France et de son idée’. Un soufflet pour les identitaires qui tiennent désormais le haut du pave. Sur le plan des idées, on peut se retrouver minoritaire et pourtant penser juste et droit. C’est le cas de Bernard-Henri Lévy.”[3]


Referências :

[1] Carrefour – Para intelectuais franceses contemporâneos. Recife: Edições Bagaço, 2011, p. 153-167

2 Bernard-Henri Lévy, L’esprit du judaïsme. Paris: Grasset, 2016, 448 p.

3 Maurice Szafran, Le Magazine Littéraire, nº 565, p. 23


DR. JAYME VITA ROSO – Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é especialista em leis antitruste e consultor jurídico de fama internacional, ecologista reconhecido e premiado, “Professor Honorário” da Universidade Inca Garcilaso de La Vega de Lima, Peru e autor de vários livros jurídicos. Saiba mais.

vitaroso@vitaroso.com.br

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