CNE APROVA ENSINO DO HOLOCAUSTO COMO MATÉRIA CURRICULAR

305_especial_2_1Fernando Lottenberg e Mendonça Filho. Foto: Conib

O Conselho Nacional de Educação aprovou e recomendou o ensino do Holocausto como matéria curricular e o governo brasileiro endossou a decisão. O documento oficial sobre a nova Base Nacional Comum Curricular inclui como temas obrigatórios: “Judeus e outras vítimas do Holocausto” e o estudo “do extermínio de judeus (como o Holocausto)”. Ambos os temas foram incluídos ao 9º ano do Ensino Fundamental, nas páginas 424 e 425 da BNCC.

“Creio que essa é certamente uma grande vitória para nós, judeus brasileiros, para os que ensinam história judaica e para as instituições representativas da comunidade judaica, que há muitos anos vêm lutando para que esse resultado fosse alcançado. O MEC e o ministro Mendonça (Filho) foram parceiros relevantes, o que merece ser registrado”. “Com isso, o Brasil passa a cumprir algumas das resoluções de organismos internacionais (ONU/UNESCO) que cobram a obrigatoriedade do ensino do Holocausto, o que também é digno de registro”. Abraços e parabéns a todos os que ajudaram para que chegássemos a esse resultado!”, declarou o presidente da Confederação Israelita do Brasil, Fernando K. Lottenberg

A Confederação Israelita do Brasil (Conib) havia encaminhado documento em novembro ao Conselho Nacional de Educação sugerindo a inclusão dos temas da Inquisição no Brasil e do Holocausto na Base Nacional Comum Curricular. O documento ressalta que a inclusão dos temas preenche uma lacuna que merece ser observada por este conselho, tendo em vista os princípios que regem a compreensão de “desenvolvimento humano integral” e os “valores humanitários” que devem estruturar a “formação básica comum” na educação básica brasileira.

O desafio ao longo do ano de 2018 será de ajudar o MEC e os especialistas a planejar como será feita a capacitação de educadores a nível nacional para que, a partir de 2019, a Conib possa exercer um papel protagonista no sentido de ajudar o MEC na implementação dessa matéria.

No último dia 15, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, por 19 votos a favor e três contrários, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da educação infantil e ensino fundamental. A posição dos relatores pela aprovação foi vencedora, contra o voto de três conselheiras que pediram mais tempo para debates, alegando lacunas e limitações do documento que servirá de diretriz nacional do que será ensinado em sala de aula. O placar selou uma vitória do Ministério da Educação (MEC), que modificou a BNCC na reta final de discussão, suprimindo menções a questões de gênero e sexualidade, e articulou nos últimos meses o placar favorável ao texto. Leia matéria em O Globo.

Objetivos:

A proposta da Conib tem como objetivos principais exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, orientação sexual, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual deve se comprometer. Essa competência, informada pelas diretrizes dos direitos humanos, presentes na Constituição de 1988, dialoga diretamente com as questões que organismos internacionais, particularmente a UNESCO, vêm enfatizando para os quais: entender como e porque o Holocausto ocorreu, pode informar entendimentos mais amplos de genocídios, tão bem como iluminar os valores que promovem os direitos humanos, a ética e o engajamento cívico, que reforçam a solidariedade humana nos níveis local, nacional e global.

Ora, se a BNCC fundamenta-se também por princípios éticos – de justiça, solidariedade, liberdade e autonomia; de respeito à dignidade da pessoa humana e de compromisso com a promoção do bem de todos, contribuindo para combater e eliminar quaisquer manifestações de preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação – , julgamos da maior importância que a formação do jovem estudante deva, desde os últimos anos do ensino fundamental, ser desafiada por eventos históricos e fenômenos sociológicos que despertem uma particular sensibilização frente à preconceitos, intolerâncias, injustiças e violações de direitos.

Os temas históricos da Inquisição e do Holocausto, nesses termos, são emblemáticos. Comunicam saberes e sensibilidades além dos temas em si e do seu contexto de ocorrência. Tal como o tema da escravidão, os temas da Inquisição e do Holocausto promovem empatia e sentimentos morais como a indignação, a compaixão, a solidariedade o respeito pelo “outro”, ou seja, pela diferença, pela diversidade, colaborando para a melhor formação do sujeito cidadão que, em situações nas quais venha a ser confrontado com a injustiça, a dor, o sofrimento, com ameaças à dignidade humana, contra si ou contra outros, seja capaz de enfrentar, combater e eliminar todas as formas de preconceito ou discriminação que se insinuem em seus contextos políticos, sociais e culturais. Trata-se de explorar o impacto de eventos históricos que produziram enorme violência e como eles se relacionam com preconceitos que estão na ordem do dia:, racismo, antissemitismo, homofobia, intolerância religiosa e o quão efetivo é o aprendizado desses fenômenos para promover ideais de cidadania, de democracia e direitos humanos a fim de edificar um mundo melhor.

A Conib havia destacado ainda que impressiona o fato de que no 9o. ano, não havia sequer uma menção ao Holocausto como objeto de conhecimento merecedor de espaço único e adequado a sua complexidade. Não vemos o conceito de antissemitismo em nenhum momento. Nas habilidades propostas para o 9o. ano não se observa igualmente menção ao tema do Holocausto, como podemos observar abaixo.

Tema de interesse e alcance global

Em relação à inclusão do tema do Holocausto, tema de interesse e alcance global, já é consenso em quase todo mundo que o genocídio perpetrado em toda a Europa contra cada judeu e contra o judaísmo, deva ser considerado tema obrigatório nas escolas de ensino fundamental e médio, bem como no ensino superior.

Em recente documento elaborado pela UNESCO, Education about the Holocaust and preventing genocide. A policy guide (2017), o ensino do tema do Holocausto é altamente recomendado e enfatizado por seu significado histórico e pela importância do seu ensino como uma forma de prevenção de genocídios. A Resolução 60/7 de 2005, sobre a “Lembrança do Holocausto” (“Holocaust Remembrance”), recomendaaos membros de estado “desenvolver programas educacionais que levem a futuras gerações lições do Holocausto a fim de prevenir genocídios futuros”.

O Holocausto como um tópico de estudo está presente em vários países, principalmente na Europa. Um recente estudo da UNESCO identificou a inclusão nominal desse tema em sistemas educacionais em 65 países, nos quais são mencionados o genocídio dos judeus e outros crimes perpetrados pelos nazistas e seus colaboradores.

Ora, não é possível desenvolver competências que reforcem valores de justiça, solidariedade, liberdade e autonomia; de respeito à dignidade da pessoa humana e de compromisso com a promoção do bem de todos, contribuindo para combater e eliminar quaisquer manifestações de preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e, ao mesmo tempo, mostrar-se alheio a um dos acontecimentos mais paradigmáticos de violação de direitos e de desumanização vistos na história do ocidente. Vale notar que a criação da ONU e a base de direitos que se inaugura no pós-guerra, têm o Holocausto como fonte maior a partir da qual esses direitos foram elaborados.

Como não incluir eventos históricos na BNCC que resultaram em sofrimento de milhões de pessoas que foram assassinadas pelo simples fato de serem parte de uma etnia? Acreditamos que incluir o Holocausto na BNCC significa dotar os estudantes com as ferramentas críticas adequadas para que seja capaz de identificar no contexto da sua vivência situações que representem sérias ameaças às liberdades e à convivência entre diferentes em um contexto de diversidade. Incluir o Holocausto na BNCC pode significar um importante aporte para que o estudante promova a comparação com outros eventos violentos: o drama dos refugiados de contextos impactados por guerras ou de perseguições, como observamos cotidianamente nas mídias; pode estimular releituras mais sensíveis do tema da escravidão e do racismo no pós-abolição nas Américas.

Reivindicação antiga

305_especial_2_2Floriano Pesaro, Aloysio Nunes Ferreira e Fernando Lottenberg. Foto: Divulgação

Em junho de 2016, o presidente da Conib, Fernando Lottenberg, esteve em Brasília, para encontros com Aloysio Nunes Ferreira, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado e líder do governo na Casa; General Sergio Etchegoyen, ministro-chefe da Secretaria de Segurança Institucional; e Maria Helena de Castro, secretária executiva do Ministério da Educação. Em todas as visitas, Lottenberg foi acompanhado por Floriano Pesaro, deputado federal licenciado e secretário de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo.

305_especial_2_3Maria Helena de Castro e Fernando Lottenberg. Foto: Divulgação

Na reunião no MEC, o presidente da Conib propôs a Maria Helena de Castro a inclusão de temas como a Inquisição e o Holocausto na Base Nacional Comum Curricular. “Muita gente acha que os judeus chegaram ao Brasil há pouco tempo, refugiados da Segunda Guerra. É necessário contar nossa história desde que aqui chegamos em 1500. Temos orgulho disso”, afirmou Lottenberg. Castro considerou a proposta pertinente.

A realização da prova do ENEM aos sábados foi o segundo tema tratado. O presidente da Conib apresentou à secretária um histórico das conversas anteriores com os titulares da pasta da Educação e as diversas propostas apresentadas. Ciente da questão, Maria Helena disse que é possível resolvê-la.

Com Aloysio Nunes Ferreira, Lottenberg fez uma análise do quadro internacional. A segurança nas Olimpíadas e o trabalho coordenado com a comunidade judaica foi o tema do encontro com Etchegoyen. Ele manterá contato estreito com a Conib.

Educadora Claudia Costin: “Charlottesville mostra a urgência do ensino do Holocausto nas escolas”

A educadora Claudia Costin escreve na Folha de S. Paulo sobre a urgência desta medida:

“Assistindo aos vídeos sobre Charlottesville e às ambíguas declarações da Casa Branca sobre o episódio, ocorreu-me que nunca foi tão urgente ensinar sobre o Holocausto e incluí-lo nos currículos escolares. As lições do passado precisam ser repassadas às novas gerações para diminuir o risco de repetirmos os mesmos erros.

A geração que vivenciou o drama está indo embora e, em breve, os supremacistas brancos e o discurso de ódio parecerão novidades, prontas a inflamar jovens frustrados com um presente infeliz, ansiosos para encontrar inimigos e saídas tão fáceis quanto equivocadas. A busca de culpados externos para os nossos males tem sido um expediente frequente de políticos manipuladores e caem bem em populações sem amadurecimento político.

Daí a urgência de avançar na Base Nacional Comum Curricular, que vem sendo debatida em audiências públicas pelo Conselho Nacional de Educação, e fortalecê-la com um bom conjunto e sequenciamento de conhecimentos, habilidades e competências. Um país com uma educação de qualidade sofrível se torna captura fácil de líderes fisiológicos ou messiânicos, que ou pensam pequeno ou buscam anular o potencial de contribuição dos indivíduos”.

Leia o texto completo, no site da Folha.

Ensino do Holocausto: Conib congratula governador do Ceará por iniciativa

305_especial_2_4Eduardo Wurzmann, Floriano Pesaro e Mendonça Filho. Foto: Conib.

Em novembro, a Conib, em nome de seu presidente, Fernando Lottenberg, e do secretário-geral da instituição, Eduardo Wurzmann, enviou carta ao governador do Estado do Ceará, Camilo Sobreira de Santana, cumprimentando pela iniciativa de incluir o ensino do Holocausto na disciplina de história nas escolas da rede estadual.

Diz a carta:

“É com muita satisfação que aqui na Conib – Confederação Israelita do Brasil – representante da comunidade judaica brasileira, tomamos conhecimento da Lei nº 16.401, de 17 de novembro último, sancionada por V. Exa., sobre a inclusão de noções sobre o Holocausto na disciplina de história, ministrada nas escolas da rede estadual de ensino do Estado do Ceará. Vimos pela presente cumprimentá-lo por esta iniciativa, demonstrando sua permanente atenção aos assuntos que preocupam nossa comunidade”.

Leia mais sobre o tema em:

Ensino religioso nas escolas públicas

O ensino religioso nas escolas públicas foi um dos temas discutidos pela Conib em encontros com representantes do governo. Isso porque o texto apresentado pelo Ministério da Educação prevê que religião seja considerada uma área do conhecimento, como Matemática ou Linguagens, o que desagradou, inclusive, a conselheiros que participaram dos debates. Segundo a legislação, o ensino religioso é de matrícula facultativa em escolas públicas.

O julgamento em setembro no Supremo Tribunal Federal sobre ensino religioso nas escolas públicas mostrou ministros divididos sobre a promoção de crenças em sala de aula.

Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 27 de setembro liberar o ensino religioso confessional nas escolas públicas, com aulas ministradas pelo representante de apenas uma determinada crença. A Constituição Federal estabelece que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu para o STF declarar a neutralidade desse ensino, com aulas sobre várias crenças e a história das religiões, com base no princípio da laicidade do Estado. Em votação apertada, o pedido foi negado.

Relator do caso, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu que o ensino religioso ministrado em escolas públicas deve ser amplo, desvinculado de crenças, de matrícula facultativa e não deve ser lecionado por representantes de religiões. Essa tese entende que deve ocorrer exposição das doutrinas, história, práticas e dimensões sociais das diferentes crenças, assim como do ateísmo e do agnosticismo. Leia a íntegra do voto dele.

A Conib concorda com a Procuradoria Geral da República, para a qual é inconstitucional o ensino religioso em escolas públicas da forma como vem sendo praticado no Brasil. Ao mesmo tempo, questiona a proposta de ensino religioso ‘não-confessional’, entendendo que, “na prática educativa, pode se transformar no contrário do que propõe”.

A professora Roseli Fischmann, doutora em Filosofia e História da Educação pela USP, representou a entidade na audiência pública que discutiu no Supremo Tribunal Federal, em 2015, a questão do ensino religioso nas escolas públicas. Ela justificou a posição da Conib: “A compreensão de que a pluralidade religiosa está presente em nossa sociedade, e que é um patrimônio imaterial, rejeita qualquer busca de homogeneização de conteúdo, em que pode resultar a proposta de ensino religioso ‘não-confessional’. Não se trata de oferecer ensino religioso para a formação da criança, mas a possibilidade de viver e refletir sobre a alteridade, de aprender a colocar-se no lugar do Outro”.

Fonte: Conib

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